Entidades brasileiras criticam legalização de cigarro eletrônico pelo EUA
Estudos do Instituto Nacional de Câncer mostram que o uso do dispositivo aumenta em mais de três vezes o risco de migração para o cigarro convencional
Entidades ligadas ao tratamento do câncer no Brasil criticaram, na segunda-feira (18), a decisão da agência reguladora dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), que autorizou a venda de três tipos de cigarro eletrônico no país norte-americano.
À CNN, tanto representantes da Fundação do Câncer como do Instituto Nacional de Câncer (Inca), órgão ligado ao Ministério da Saúde, chamaram a medida de “controversa” e “polêmica”.
A decisão da agência reguladora dos EUA, protocolada na última semana, se baseia na crença de que a utilização dos dispositivos vaporizados – conhecidos como vapes – seja capaz de auxiliar os fumantes a abandonarem o vício em cigarros tradicionais, reduzindo o número de dependentes ao fumo comum. A FDA alega que os benefícios do produto superam o risco de viciar uma nova geração com os aparelhos eletrônicos.
“Os dados do fabricante demonstram que seus produtos com sabor de tabaco podem beneficiar fumantes adultos viciados que mudam para esses produtos – seja completamente ou com uma redução significativa no consumo de cigarro – reduzindo sua exposição a produtos químicos prejudiciais”, explicou Mitch Zeller, diretor do Centro de Produtos de Tabaco da FDA.
“Mas devemos permanecer vigilantes com esta autorização, caso surja evidências confiáveis de uso significativo por indivíduos que não usaram um produto do tabaco anteriormente, incluindo jovens, tomaremos as medidas cabíveis, incluindo a retirada da autorização.”
Estudos do Inca, entretanto, apontam que o uso de cigarro eletrônico aumenta em mais de três vezes o risco de migração para o cigarro convencional. Segundo os dados levantados pelo órgão do Ministério da Saúde, os vapes expõem o organismo a uma variedade de elementos químicos tão maléficos quanto os cigarros tradicionais. Um levantamento do Inca estima ainda que mais de 30 mil novos casos de câncer pulmonar devem surgir em brasileiros, em 2021.
Representante do Inca e secretária-executiva da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Controle do Tabaco, Tânia Cavalcante, disse à CNN ser “impossível” e “equivocado” afirmar a funcionalidade dos vapes no combate ao tabagismo tradicional. Ela destacou que a decisão da FDA pode atrair os jovens para o vício.
“A medida é muito controversa, é um tema muito polêmico, não temos bola de cristal. Eu fiquei surpresa. Basta olhar para as empresas. O objetivo é claro. Não é à toa que colocam sabores nos produtos. Eles querem atrair as pessoas mais jovens. Fico muito preocupada com essa decisão, não sei como chegaram a essa ideia nos EUA. Não dá para assumir isso [que os jovens não vão se viciar]. É uma ideia equivocada que fumar esses produtos é seguro, o que não é verdade”, ressalta.
Tânia Cavalcante também garante que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sofre pressões de empresas do setor para liberar os cigarros eletrônicos no Brasil. Atualmente, a Resolução da Diretoria Colegiada n.º 46 de 2009 proíbe a comercialização, a importação e a propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar.
“É uma pressão muito grande para a Anvisa liberar esses produtos. Os órgãos de saúde são contrários a essa decisão de permitir o cigarro eletrônico para o público. É controversa essa decisão da FDA, que não devemos seguir no Brasil. Pelo menos por hora, que não temos estudos que comprovem a eficácia. Eles querem tirar uma droga e colocar outra. Não faz sentido. Saberemos daqui uma década sobre essa decisão. Dizer que colocaremos um produto seguro no mercado que reduz risco, é uma coisa que não se pode assumir”, finalizou.
O diretor-executivo da Fundação do Câncer, Luiz Augusto Maltoni, também diz não acreditar que os dispositivos ajudem na redução do uso de cigarros convencionais pelos adultos. Ele afirmou que, mesmo proibidos, os equipamentos eletrônicos já levaram mais de três mil pessoas aos hospitais norte-americanos, com base em dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).
“Mesmo proibidos, os cigarros eletrônicos eram usados com frequência nos Estados Unidos. E o centro de controle de doença americano publicava semanalmente, antes da pandemia, dados de casos de uma inflamação, de uma pneumonia aguda inflamatória causada pelo uso de vaporizadores eletrônicos. Mais de três mil casos de pessoas precisando de CTI, morrendo por causa desses equipamentos já foram registrados. É uma doença nova causada pelos cigarros eletrônicos”, disse.
Apesar de achar uma decisão polêmica, Maltoni explica que a medida adotada pela FDA, em autorizar três tipos de vapes, tenta restringir o mercado ilegal dos equipamentos nos Estados Unidos, onde já existem mais de 200 sabores distintos. Já para o Brasil, ele acredita que a medida seria um retrocesso.
“A FDA liberou três marcas entre mais de 200 sabores. Apesar de eu não ser favorável à medida, para o mercado norte-americano pode até representar uma restrição e um modo de controle. Mas infelizmente é uma porta aberta para os jovens e adolescentes para esse novo mecanismo, já que esse grupo já tinha percebido que o cigarro convencional causa danos. Mas a decisão para o Brasil seria um retrocesso. Não existem pesquisas comprovadas que evidenciam os benefícios desse produto”, destaca.
Por fim, o médico e responsável pela Fundação do Câncer comparou as composições do cigarro eletrônico e cigarros tradicionais.
“Os dois são muito maléficos para a saúde da população. Como não há queima por combustão, os equipamentos eletrônicos realmente têm um número menor de substâncias tóxicas e cancerígenas, mas elas estão presentes, sim. Por outro lado, a concentração de nicotina é muito alta, podendo ser superior em duas ou três vezes a de cigarros normais. E essa substância causa dependência. Então vamos trocar um mal pelo outro”, finalizou.