Entenda o que é endemia e os impactos de mudanças na classificação da Covid-19
Encerramento da situação de emergência declarada em 2020 pode trazer impactos para a gestão da pandemia no país
O Ministério da Saúde afirmou à imprensa, nesta quinta-feira (3), que avalia a possível reclassificação da pandemia de Covid-19 no país como uma situação de endemia. De acordo com a pasta, a avaliação é conduzida em conjunto com outros ministérios e órgãos, levando em conta o cenário epidemiológico e o comportamento do vírus no país.
Em entrevista à CNN, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que o governo estuda o impacto dessa mudança, e que se baseia no cenário de redução dos casos graves da doença no país. A informação também foi publicada pelo presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais nesta quinta-feira.
“O Ministério da Saúde é quem tem mais autoridade para dispor acerca desse tema a nível nacional e tem a autoridade que é conferida pela lei, essa lei de 2020, a lei que disciplinou a pandemia no Brasil. O artigo primeiro, parágrafo segundo, dá esse prerrogativa a mim, o ministro da Saúde, para rebaixar o grau de pandemia para endemia e eu farei isso baseado em critérios técnicos”, disse Queiroga à imprensa nesta sexta-feira (4).
O que representa uma possível mudança na classificação
Um possível encerramento da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), com a mudança na classificação do cenário epidemiológico no país de pandemia para endemia, poderá trazer impactos diretos ao enfrentamento da Covid-19 no país.
“Quando falamos de uma epidemia ou de uma pandemia, estamos falando de uma situação de emergência de saúde pública. Em uma emergência sanitária, temos a flexibilização de alguns regramentos que dizem respeito a processos de compra e licitação, exatamente para que se tenha maior velocidade e se consiga atender a população naquela emergência”, explica Chrystina Barros, pesquisadora em gestão de saúde.
Na avaliação da especialista, diante da saída do caráter de urgência, as políticas públicas devem continuar focadas em garantir condições de diagnóstico, atendimento e vigilância epidemiológica. A pesquisadora alerta que é necessário cuidado em relação à mensagem central que pode ser compreendida pela população com a mudança pelo Ministério da Saúde da classificação da doença.
“Nós precisamos ter cuidado para que ao dar o alerta agora de uma endemia, de uma doença que faça parte do nosso dia a dia ao invés de uma pandemia, isso não traga o relaxamento das medidas de vigilância. Isso não pode trazer o relaxamento da população em um momento em ainda enfrentamos surtos e ondas referentes a novas cepas, ainda é tempo de atenção”, destaca.
A decisão poderá flexibilizar um conjunto de medidas não farmacológicas, que são aquelas preconizadas desde o início da pandemia para a prevenção da Covid-19, incluindo o uso de máscaras de forma obrigatória.
A epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Ethel Maciel, afirma que o conceito de transição de pandemia para endemia está em estudo por grupos de pesquisa em todo o mundo.
“Ainda não temos um consenso mundial de quais seriam os indicadores de casos e de mortes para a definição de endemia em relação à Covid-19. O vírus vai continuar entre nós, ainda vamos ter casos e óbitos. Porém, muito provavelmente essas mortes vão acontecer entre as pessoas vulneráveis, em geral idosos e pessoas que têm outras comorbidades, e não em pessoas vacinadas e que são imunocompetentes”, disse.
O encerramento da situação de emergência também pode prejudicar a aplicação de vacinas autorizadas para uso emergencial no país, como a Coronavac e a Janssen. A resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 10 de março de 2021, afirma que em caso de suspensão da situação de emergência pelo Ministério da Saúde, a autorização será automaticamente suspensa.
O ministério da Saúde articula junto à Anvisa possíveis mudanças na resolução para evitar a suspensão do uso dos imunizantes no país.
Como se define um cenário epidemiológico
A pesquisadora Chrystina Barros, membro do Comitê de Combate ao Coronavírus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que na área da epidemiologia, campo de estudo da relação entre saúde e doença, os agravos são definidos de acordo com a prevalência, ou seja quando acontecem, número de casos e incidência em determinada região.
“Se numa área geográfica delimitada existe um aumento do número de casos, tem-se um surto. Se isso se estende a uma área maior, falando de cidades e estados, tem-se uma epidemia. Se isso alcança continentes, nós falamos de uma pandemia”, afirma.
A pesquisadora explica que, embora a definição de pandemia seja uma atribuição da Organização Mundial da Saúde (OMS), os países devem realizar o monitoramento das informações epidemiológicas para entender o comportamento da doença a nível nacional.
“Essa classificação tem que seguir critérios geográficos e quantitativos que mostrem a evolução do número de casos da doença na história de saúde da população ao longo de um tempo”, diz.
Como se define caráter emergencial
No dia 3 de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde reconheceu a Covid-19 como emergência sanitária internacional e elevou o nível da resposta brasileira para Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN).
A medida, publicada no Diário Oficial da União, estabeleceu o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE-nCoV) como mecanismo nacional da gestão coordenada da resposta à emergência no âmbito nacional.
Dentre as atribuições do centro de operações, estão a articulação com gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) de todo o país, acionamento de equipes de saúde, incluindo a contratação temporária de profissionais, e a aquisição de bens e contratação de serviços em regime de urgência.
Entenda a classificação epidemiológica
Diferentes nomes técnicos são adotados para definir a situação epidemiológica de uma doença: surto, epidemia, endemia e pandemia. As nomenclaturas estão associadas ao alcance de um agravo e aos impactos para as populações.
As epidemias são definidas pelo aumento no número de casos de uma doença em diversas regiões, ainda sem atingir uma escala global.
“Epidemia é quando uma doença apresenta um crescimento abrupto, além do que é esperado”, diz. “Não chamamos de epidemia quando são doenças sazonais, como a dengue, que os casos crescem todos os anos na mesma época”, explica Carlos Magno, professor da faculdade de Medicina da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
Uma doença se torna uma pandemia quando atinge níveis mundiais. Considerando o espalhamento de um agente causador em diversos países ou continentes, afetando um grande número de pessoas. A declaração de pandemia é feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que classificou a Covid-19 desta forma no dia 11 de março de 2020.
O conceito de endemia, por sua vez, considera a presença de uma doença de forma recorrente em uma região, mas sem apresentar aumentos significativos no número de casos. “Quando uma epidemia acontece de maneira constante ao longo do tempo no mesmo local, é chamada de endemia”, afirma Magno.
Já os surtos são caracterizados pelo aumento repentino de uma doença em uma localidade específica, como exemplo, temos os surtos de Ebola que atingem localidades restritas de países da África.
Cuidados básicos ajudam a prevenir a Covid-19
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(Com informações de Tainá Farfan e da analista de política da CNN, Basília Rodrigues)