Entenda como corticoides atuam em tratamentos experimentais de COVID-19
Introdução do medicamento diante de quadro clínico grave tem potencial de evitar a demanda por respiradores em UTIs


Os corticoides estão, atualmente, entre os principais medicamentos utilizados no tratamento da Covid-19. As substâncias são produzidas naturalmente pelas glândulas suprarrenais do corpo humano. Entre suas funções está regular o metabolismo, além de possuir ação anti-inflamatória — o que torna os corticoides muito utilizados no tratamento de doenças crônicas, como asma, artrite ou lúpus. .
Paulo Olzon, infectologista, nefrologista e chefe de clínica médica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), defende o uso de corticoides no tratamento da Covid-19 e relata que, entre os 30 pacientes com o novo coronavírus, não teve nenhum caso de internação ou óbito durante os acompanhamentos. “No entanto, também não recebi nenhum caso extremamente grave que necessitasse intervenção imediata de respiradores”, explica Olzon.
O médico relata que um dos principais perigos da Covid-19 está nos coágulos que se concentram no pulmão e como consequência dificultam a respiração do paciente. “Os pulmões ficam mais pesados, e este é um órgão onde deve ter ar e sangue fluindo”, fala.
“Os corticoides agem como tratamento a partir do momento em que diminuem o efeito de substâncias promotoras de inflamação, como as citoquinas”, afirma. “O vírus apresenta um processo inflamatório muito intenso promovido por essas citoquinas, conhecido também como ‘tempestade citoquínica’. Essas, quando inflamadas, ativam o sistema de coagulação”, conta Paulo. Sendo assim, a aplicação dos corticoides evitariam a formação de coágulos que dificultam a respiração.
Paulo também relata que esta é uma medida a ser tomada ainda na fase inicial da doença. Os corticoides podem ser aplicados de forma intravenosa ou oral. “No entanto, no caso da Covid-19, fazemos uma pulsoterapia deste medicamento”, diz.
O tratamento em forma de pulsoterapia significa que grandes quantidades são injetadas de uma vez no paciente. O infectologista faz uma comparação: enquanto num tratamento de sinusite administra-se de 20 mg a 30 mg de corticoides, na pulsoterapia, são aplicadas cerca de 240 mg de corticoides no primeiro dia, 80 mg no segundo e depois a dose é reduzida gradativamente.
“A grande discussão em relação aos tratamentos acredito que seja em relação a fase da doença em que você deve usar o medicamento. E como é tudo tão rápido, muitas vezes não dá nem tempo de fazer uma publicação”, diz Paulo.
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Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), ressalta a importância de atentar-se a qual fase da doença o medicamento seria indicado. “Tudo depende do que se entende por fase inicial. Se você aplicar corticoide diante dos primeiros sintomas, o medicamento pode inibir a produção natural de anticorpos”, defende Raquel.
“A partir do sexto ou sétimo dia, diante de quadro evolutivo da doença, indica-se a aplicação de corticoides junto a um combo de intervenções farmacológicas que fazem parte de protocolos próprios do medicamento, assim como o acompanhamento diário de eletrocardiogramas”, diz a infectologista.
A médica indica o tratamento especialmente para aqueles pacientes que já apresentam algum grau de insuficiência respiratória, com mais de 30% de acometimento pulmonar. “Nesse momento, na fase intermediária da doença, normalmente a partir do sexto dia, quando o paciente já tem uma oximetria alterada, recomendam-se altas doses aplicadas pela pulsoterapia”.
“Há dois meses, logo no início, era proibido o uso de corticoide no tratamento da Covid-19 porque os pacientes evoluíram mal e isso foi atribuído ao medicamento. Os protocolos vão sendo atualizados a todo momento conforme vamos tendo evidências. O tratamento está em construção. E qualquer outro método específico deve sempre ser feito com o consentimento do paciente e do familiar, de acordo com o protocolo de pesquisa da instituição médica”, completa Raquel.
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Luciano Cesar Azevedo, médico intensivista pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), tem pós-doutorado em pacientes críticos oncológicos pelo Instituto Nacional do Câncer e é professor da Universidade de São Paulo (USP). Ele lidera uma pesquisa brasileira sobre a ação dos corticoides no tratamento da Covid-19.
O projeto começou no dia 17 de abril e está previsto para apresentar os primeiros resultados em julho deste ano. Atualmente há 90 pacientes que participam da análise e a previsão é de que este número chegue a 300 pessoas infectadas estudadas.
“Como o estudo tem o seguimento de um mês, ainda não podemos publicar nenhum resultado, uma vez que não temos nem 30 dias desde que o primeiro paciente foi incluído. Sendo assim, não podemos afirmar ainda que o corticoide tem eficácia no tratamento da Covid-19. Em outras doenças infeciosas já sabemos o seu valor. No entanto, a expectativa é que o medicamento tire o paciente mais rápido dos ventiladores e assim, alivie a síndrome do desconforto respiratório aguda e, portanto, diminua a mortalidade”, conta Luciano.
O estudo é liderado pelo Hospital Sírio-Libanês, faz parte da rede Coalizão COVID Brasil: um grupo de hospitais de excelência que se uniram pra estudos do novo coronavírus. Entre as redes estão o Hospital Israelita Albert Einstein, o Hospital do Coração (HCor), o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a Beneficência Portuguesa, entre outros.