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    Entenda como a linguagem que você utiliza pode reduzir o estigma sobre o HIV

    "Portador", "paciente", "vítima da Aids", "coquetel de medicamentos": conheça alguns termos que não devem mais fazer parte das referências ao HIV e à Aids, segundo especialistas

    Utilização ponderada de linguagem apropriada pode fortalecer a resposta global à epidemia, diz Unaids
    Utilização ponderada de linguagem apropriada pode fortalecer a resposta global à epidemia, diz Unaids Breno Esaki/Agência Saúde DF

    Lucas Rochada CNN

    em São Paulo

    A linguagem é um dos pilares fundamentais da existência humana e da construção da sociedade como conhecemos. Com poder de moldar crenças e de influenciar comportamentos, ela também sofre modificações ao longo do tempo, conforme evolui o pensamento.

    Do ponto de vista da área da saúde, terminologias utilizadas para descrever doenças ou pacientes são alvo de análise pelas comunidades médica e científica com o objetivo de se evitar o estigma e a discriminação em relação às pessoas acometidas.

    Um dos casos em evidência neste ano é a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) de um novo nome para a doença conhecida como “varíola dos macacos” – ou monkeypox, em inglês. A OMS anunciou um nome neutro, “mpox”, para prevenir o preconceito contra indivíduos infectados além de situações de maus tratos contra os animais, que não estão envolvidos no surto atual da doença no mundo.

    Voltando um pouco no tempo, chegamos à palavra “hanseníase”, adotada no Brasil desde 1976 para designar uma das doenças mais antigas da humanidade, que conta com relatos bíblicos e que até meados da década de 1970 era chamada de “lepra”.

    Quando não tratada, a doença causada por uma bactéria pode provocar deformidades e incapacidades físicas. O desconhecimento de uma forma de tratamento levou ao isolamento dos pacientes em grandes espaços chamados leprosários por décadas no país.

    Hoje, o diagnóstico precoce e a adesão ao tratamento podem prevenir as complicações e a transmissão da doença, que depende de contato próximo e prolongado.

    Desafios do HIV e da Aids

    Em relação ao HIV e à Aids (síndrome da imunodeficiência adquirida), a linguagem também contribui para reforçar o estigma e a discriminação. De acordo com Programa das Nações Unidas sobre HIV e Aids (Unaids), a utilização ponderada de linguagem apropriada pode fortalecer a resposta global à epidemia.

    “No início, toda a divulgação da doença, o enfoque que foi dado pela imprensa na comunicação de massa eram os ‘aidéticos’, era a ‘peste gay’. O que acabou trazendo um grande estigma e discriminação para todas as pessoas que vivem com HIV e Aids até hoje”, afirma a pesquisadora Angela Carvalho Freitas, médica infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo.

    O mês de dezembro é dedicado à conscientização sobre o HIV e a Aids, com campanhas no mundo todo incentivando a prevenção, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado.

    O Unaids desenvolveu diretrizes de terminologias que podem ser adotadas ou evitadas pela imprensa, por estudantes, pelas empresas, por profissionais de saúde e pela população em geral.

    Pessoa que vive com HIV

    Em substituição a “portador” ou “paciente”, a terminologia recomendada é “pessoa que vive com HIV”.

    A ideia principal é você tirar do foco o vírus e trazer o foco para a pessoa. É não despersonificar, mas fazer com que as pessoas entendam que o mais importante ali é o ser humano, que é mãe, pai, filho, avô, avó, que tem sonhos, que tem planos, que tem projetos e que tem direitos, que devem ser respeitados

    Angela Carvalho Freitas

    A médica infectologista do Hospital das Clínicas faz uma ressalva de que, ao se utilizar o termo “pessoa vivendo com HIV” também se abra espaço para “pessoa vivendo com Aids”, de modo a evitar o apagamento social da parcela da população que desenvolve o quadro clínico da síndrome.

    Embora não haja um consenso em relação ao termo “soropositivo”, ativistas defendem que o termo seja evitado.

    Em publicação no Instagram, o ator Evandro Manchini, que usa as redes sociais para propor reflexões sobre a vivência com o vírus, comenta sobre a importância da linguagem para a redução do estigma.

    “Portador do vírus? Não. Deixe para portar seu CPF, seu RG, seu passaporte. Soropositivo? Não. Deixe que o soro, que faz parte do sangue fique lá no lugar dele, que é o laboratório. Aidético? Se você usa essa expressão, para se referir a uma pessoa que vive com HIV ou vive com Aids, além de estar sendo uma pessoa preconceituosa, está muito desinformada. Então é importante que você se atualize”, afirma.

    A linguagem humaniza e ajuda na redução dos estigmas e dos preconceitos. ‘Pessoa que vive com HIV: a pessoa vem antes, a vida vem antes, e o HIV vem depois

    Evandro Manchini, ator

    O avanço na medicina permite que aconteçam relacionamentos entre casais sorodiferentes, em que uma pessoa vive com HIV e a outra não sem que haja a transmissão do vírus.

    Pessoas vivendo com HIV em tratamento e com carga viral indetectável há pelo menos seis meses não transmitem o vírus por via sexual. O conceito Indetectável = Intransmissível (I = I) é adotado por cientistas e instituições de referência sobre o HIV em abrangência mundial.

    As relações entre casais com sorologia distinta já foram chamadas de “sorodiscordantes”. Com a mudança na linguagem, hoje o termo “sorodiferente” contextualiza esse tipo de relacionamento sem causar estranhamento por uma suposta discordância como na palavra anterior.

    Veja outras nomenclaturas que não devem ser utilizadas segundo o Unaids:

    “Vírus da Aids”: Não existe o vírus da Aids. O vírus que causa a Aids é o vírus da imunodeficiência humana (HIV). Note que a palavra ‘vírus’ na frase ‘vírus do HIV’ é redundante. Utilize apenas ‘HIV’.

    “Aidético”: Jamais utilize este termo. Além de incorreto, é estigmatizante e ofensivo. Prefira “pessoa vivendo com HIV”, pessoa soropositiva, HIV positiva ou positiva.

    “Infectado com Aids”: Ninguém é infectado com Aids, a Aids não é um agente infeccioso. O termo Aids descreve uma síndrome de infecções e doenças oportunistas que podem se desenvolver à medida que a imunossupressão aumentar durante a evolução da infecção pelo HIV, da infecção aguda até a morte. Evite o termo ‘infectado com HIV’ e prefira pessoa vivendo com HIV ou pessoa HIV positiva (no caso de saber o estado sorológico).

    “Teste da Aids”: Não existe um teste para Aids. Utilize o termo teste de HIV ou teste de anticorpos do HIV. Utilizam-se testes de detecção de antígenos em crianças recém-nascidas.

    “Vítima da Aids”: Utilize o termo pessoa vivendo com HIV. A palavra ‘vítima’ desempodera e estigmatiza. Utilize a palavra Aids apenas ao se referir a uma pessoa com diagnóstico clínico de Aids. É aconselhável dizer que a pessoa foi acometida por infecções ou doenças oportunistas decorrentes da síndrome da Aids.

    “Paciente de Aids”: Utilize o termo ‘paciente’ apenas ao se referir a um contexto clínico. Neste caso, utilize paciente com doença relacionada ao HIV porque abrange toda a gama de condições clínicas associadas ao HIV.

    “Risco de Aids”: Utilize ‘risco de infecção pelo HIV’ ou ‘risco de exposição ao HIV’.

    Coquetel x Tratamento antirretroviral

    O tratamento do HIV é realizado a partir do uso de medicamentos antirretrovirais, que impedem o processo de replicação viral no organismo humano. Ao bloquear a produção de novas cópias do vírus, os medicamentos agem na redução da carga viral no sangue.

    O controle da infecção aumenta a qualidade de vida e permite que pessoas vivendo com HIV tenham uma sobrevida semelhante à de quem não vive com o vírus.

    Os primeiros medicamentos antirretrovirais surgiram ainda na década de 1980. Os primeiros remédios apresentavam fortes efeitos colaterais, o que tornava difícil a adesão ao tratamento.

    “Caminhando no desenvolvimento dos medicamentos, foi entendido que na verdade se precisava de mais de um remédio para que fosse possível controlar a replicação de vírus e o impacto dela no organismo dos indivíduos que vivem com HIV”, explica Angela.

    “Eram tantos comprimidos e remédios que surgiu a alcunha de que era um ‘coquetel’. E assim ficou ‘coquetel’ pra lá, ‘coquetel’ pra cá. E dá para entender que coquetel é o que tem um monte de coisa misturada ali, que se precisa de muita coisa”, completa.

    Com o avanço da tecnologia em áreas como a medicina, a virologia e a farmacologia, além de reduzir a carga viral e preservar as funções do sistema imune, também se tornou possível diminuir a quantidade de medicamentos envolvidos no tratamento.

    “Atualmente, com os novos medicamentos que tem uma potência do controle da replicação viral, da reprodução do vírus no organismo melhor, a gente já tem a possibilidade de uso de menos comprimidos, de menos classes de medicamentos em conjunto para que seja possível ter o controle do vírus e uma vida plena de quem vive com HIV”, afirma a médica.

    Atualmente, a infecção pelo HIV e seu tratamento são entendidos como o acompanhamento de uma doença crônica, como o diabetes ou a hipertensão arterial, que também não são curáveis, mas podem ser controladas com medicação.

    A evolução do termo é importante para que as pessoas hoje entendam que esse é um tratamento muito simples, muito mais simples do que já foi. É tão simples quanto tratar uma hipertensão, quanto tratar um diabetes, que tudo bem, nem sempre é fácil nenhum desses tratamentos, mas não é algo tão complexo

    Angela Carvalho Freitas