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    Eles foram voluntários de pesquisas científicas, mas ficaram sem respostas

    Discussões sobre as melhores formas de informar os voluntários sobre os resultados dos estudos dividem opiniões

    Lucas Rochada CNN , em São Paulo

    O vírus Zika, transmitido aos humanos pelo mosquito Aedes aegypti, foi introduzido no Brasil em 2014. Na época, os impactos causados pela infecção ainda eram pouco conhecidos pelas comunidades médica e científica.

    Em outubro de 2015, a médica Adriana Melo, da maternidade pública de Campina Grande, na Paraíba, identificou aumento no número de crianças nascidas com microcefalia.

    Para esclarecer os motivos das malformações, a especialista enviou para análise no Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), no Rio de Janeiro, amostras do líquido amniótico de duas gestantes, cujos fetos foram diagnosticados com microcefalia durante o pré-natal.

    A análise realizada pela Fiocruz revelou a presença do material genético do vírus Zika nas amostras. Naquele momento, teve início uma grande investigação por cientistas brasileiros e estrangeiros da associação entre o vírus e a malformação de fetos.

    Com os avanços nos estudos, os cientistas descobriram que o vírus é capaz de atravessar a placenta e provocar danos às crianças em desenvolvimento, levando a uma condição chamada Síndrome Congênita do Zika.

    A pequena Hickelly nasceu em 2016, durante a epidemia de Zika no Brasil / Acervo pessoal

    Para chegar a este conhecimento, no entanto, além dos cientistas foi necessária a colaboração de inúmeras mães e crianças afetadas pela doença. Entre elas estão a publicitária Rochelle Alves dos Santos, 32, de Goiânia, e a pequena Hickelly, 5.

    Rochelle teve a filha em 2016, durante a epidemia de Zika no Brasil. Ela conta que, assim que a filha foi diagnosticada com a microcefalia, foi convidada a participar de diversos estudos científicos como voluntária.

    “Eu lembro que no começo era tudo muito novo, muito complicado, então aceitávamos participar das pesquisas na ilusão e expectativa de ter uma resposta. Acho que esse era o objetivo principal de todas as mães, ter uma resposta para essa nova síndrome e como as nossas crianças ficariam no futuro”, conta.

    Hoje, Rochelle está à frente da Associação de Microcefalia e outras malformações por Zika Vírus (AMIZ Goiás), que oferece auxílio às famílias afetadas pela síndrome. Segundo ela, a criação do espaço, que agrega pessoas de todo o país, teve como objetivo aproximar indivíduos com vivências semelhantes, estimular a troca de experiências e ampliar o apoio às crianças com a síndrome.

    A publicitária conta que, na maior parte dos casos, não recebeu retorno por parte dos cientistas dos resultados dos estudos dos quais participou, e que relatos semelhantes são compartilhados por várias outras mães.

    “Quando falamos sobre pesquisas, a maioria das mães fala que estão cansadas de serem cobaias. Parece que nossos filhos são ratinhos de laboratório e estão ali apenas para ser estudados”, diz. “Eu entendo que a ciência por si só necessária pensando no futuro e no coletivo, mas se tratando de uma síndrome nova e dessa dificuldade de informação que tínhamos e ainda temos sobre o assunto, acho que faltou um pouco de humanidade nessa devolutiva”, completou.

    Desde os primeiros meses de vida, a filha de Rochelle precisou fazer sessões de fisioterapia, com o objetivo de melhorar a coordenação motora e os movimentos. Para Rochelle, o atendimento, que integrava um estudo científico, foi uma das experiências mais positivas como voluntária.

    “A fisioterapeuta da minha filha fez a defesa de mestrado girando em torno da vivência das mães e das crianças com a síndrome. Ela acompanhava e fazia o tratamento com as crianças, em uma pesquisa qualitativa. Eu e a Hickelly tivemos a felicidade de ir até a apresentação dela, fomos homenageadas e foi muito bonito e muito importante pra mim”, destaca.

    Amanda conta que, desde o nascimento da filha, Alice, foram voluntárias de diferentes pesquisas / Acervo pessoal

    A psicomotricista Amanda Mota da Silva, 39, teve Zika com 13 semanas de gestação. Na ultrassonografia morfológica, exame de imagem que permite observar o bebê dentro do útero, foram apontadas a microcefalia e sinais de calcificação cerebral na pequena Alice ainda em desenvolvimento.

    Amanda conta que, desde o nascimento da filha, foram voluntárias de diferentes pesquisas. Hoje, aos cinco anos, Alice enfrenta um dos mais severos quadros da Síndrome Congênita do Zika.

    “A minha filha tem um dos piores quadros do Rio de Janeiro, isso segundo o Instituto do Cérebro e a Rede Sarah, com uma epilepsia que não conseguimos controlar. Ela já usou 14 anticonvulsivos diferentes, hoje em dia utiliza cannabis para diminuir a epilepsia, mas permanece convulsionando diariamente”, afirma.

    Em relação ao retorno dos estudos, a psicomotricista afirma que sentiu falta de explicações mais detalhadas das descobertas e que não teve acesso aos resultados dos exames realizados.

    “Nós não temos a devolutiva da maioria das pesquisas. Chegamos a receber uma vez uma cartilha que tinha o link do artigo científico publicado, mas quem teve a possibilidade de acessar o artigo viu que estava em outra língua. Realmente não tínhamos acesso ao resultado do que faziam com os exames dos nossos filhos”, conta.

    Segundo Amanda, a participação em um grupo de pesquisa na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foi um dos poucos momentos em que ela se sentiu confortável para falar sobre o assunto com os especialistas.

    “Eu fiz parte do projeto de 120 anos da Fiocruz, que contou com uma exposição virtual sobre o Zika. Quando a pessoa participa de determinados projetos lá dentro, ela tem a devolutiva e esse retorno”, disse. Ela conta que, neste projeto, contribuiu para a elaboração de cartilhas e materiais informativos sobre o tema a partir da própria vivência.

    “Eles tiveram preocupações em saber se o conteúdo estava bom, de fácil acesso, se dava para entender a linguagem. Eles queriam trazer para o público que realmente era alvo daquilo. Os artigos científicos, quando conseguimos ter acesso e até mesmo traduzir de outra língua, não conseguimos entender”, afirma.

    O que dizem as orientações do Conselho Nacional de Saúde sobre devolutivas de estudos

    No Brasil, a condução de pesquisas científicas com a participação de seres humanos depende da aprovação dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e, em última instância, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que está diretamente ligada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS).

    A resolução nº 466/2012 do CNS trata das diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos no país. O parágrafo terceiro, que aborda as questões éticas envolvendo as pesquisas, reúne orientações que incluem o retorno devido aos participantes dos estudos.

    “Assegurar aos participantes da pesquisa os benefícios resultantes do projeto, seja em termos de retorno social, acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da pesquisa”, diz a resolução.

    O texto ressalta que a ética em pesquisa deve buscar sempre a prevalência dos benefícios esperados sobre os riscos. Além disso, os pesquisadores devem garantir o bem-estar dos participantes e que as pesquisas em comunidades, sempre que possível, sejam traduzidas em benefícios após a conclusão.

    “Quando, no interesse da comunidade, houver benefício real em incentivar ou estimular mudanças de costumes ou comportamentos, o protocolo de pesquisa deve incluir, sempre que possível, disposições para comunicar tal benefício às pessoas e/ou comunidades”, diz o texto.

    A resolução também destaca a necessidade de assegurar aos participantes das pesquisas as condições de acompanhamento, tratamento, assistência integral e orientação, conforme o caso, enquanto necessário, inclusive nas pesquisas de rastreamento de doenças.

    “Há necessidade de que os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido deixem muito claro quais são os riscos que envolvem a participação naquela pesquisa, quais as formas de minimizar os riscos, mas também é fundamental pensar quais são os benefícios ao participante da pesquisa”, afirma o professor Diego Freitas Rodrigues, coordenador do Programa de Pós Graduação em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas do Centro Universitário Tiradentes (Unit), de Maceió (AL).

    Segundo o pesquisador, que já atuou como coordenador de Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), os benefícios das pesquisas devem priorizar os participantes envolvidos e não necessariamente os autores dos estudos.

    “Quando o pesquisador ou a pesquisadora não dá esse feedback, esse retorno, estão ferindo um dos princípios éticos que regulamentam a atuação da pesquisa científica no país. Existe normatização a respeito”, afirma.

    Respeito aos participantes das pesquisas

    A pesquisadora Heloisa Pait, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), considera fundamental reconhecer a capacidade da ciência brasileira em fazer pesquisas de grande importância para a população e com respeito aos participantes das pesquisas.

    “No consentimento, os objetivos da pesquisa são explicados de modo acessível, os possíveis riscos e benefícios devem estar claros, assim como a informação de que a pessoa pode sair da pesquisa quando quiser”, afirma.

    Em geral, os resultados das pesquisas são publicados em periódicos científicos ou livros. Para a pesquisadora, esta também é uma forma de retorno à sociedade do investimento feito na ciência.

    “Quanto à divulgação, a maioria das pesquisas é publicada em revistas acadêmicas, para as quais há acesso relativamente livre. Há pesquisadores que usam linguagem mais acessível, outros que usam linguagem mais técnica; há pesquisadores que investem mais tempo com a divulgação científica, outros que investem menos tempo. É uma questão de escolha pessoal, mas o compromisso do cientista é fazer ciência relevante com respeito aos participantes”, disse Heloisa.

    Divulgação e formação científica

    A divulgação científica é uma das estratégias para popularizar o conhecimento de pesquisas das mais diversas áreas, por meio da transformação de conteúdos técnicos, produzidos com linguagens específicas, em materiais acessíveis à compreensão pelo público geral.

    Para Rodrigues, da Unit, o entendimento da importância da divulgação científica por parte dos pesquisadores ainda é um movimento recente que esbarra na dissociação entre a pesquisa e a extensão.

    “A divulgação científica entraria muito como uma extensão, numa nova linguagem. A linguagem de um artigo traduzido em uma linguagem que possa ser disseminada. Começa-se a mudar a escala de prioridade muito recentemente”, afirmou Rodrigues.

    A professora da Unesp, Heloisa Pait, defende que a ciência seja incorporada de forma mais intensificada aos conteúdos programáticos do ensino básico ao superior, auxiliando na construção de um público mais familiar com a área.

    “A divulgação da ciência é responsabilidade da imprensa, de cientistas dedicados à divulgação e de publicações especializadas, tais como a Revista Pesquisa Fapesp e a Revista Unesp Ciência. Minha avaliação é que a divulgação de ciência no Brasil é bem feita por essas instituições e na pandemia ela foi feita de modo excepcional, com enorme dedicação dos cientistas”, destaca Heloisa.

    Para o professor da Unit, existem lacunas na formação dos cientistas no que diz respeito às estratégias de divulgação científica.

    “Nossa educação científica foi voltada apenas para os nossos pares, ou seja, fazer um bom artigo científico, ver se a revista científica tem um bom fator de impacto, publicar e ver se recebe um convite para publicação de um livro”, afirma.

    “Do ponto de vista do feedback para a sociedade civil, e principalmente daqueles participantes que são a sua amostra, que estiveram envolvidos na pesquisa, não há uma prioridade”, conclui.

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