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    Doses são suficientes, mas vacina atrasada obriga seleção de grupos prioritários

    Enquanto Brasil teria quantidade suficiente para imunizar a população uma vez (com duas doses), alguns países ricos já têm excedentes da substância

    Jéssica Otoboni e Murillo Ferrari, da CNN, em São Paulo

    O Plano Nacional de Imunização (PNI), lançado na semana passada pelo governo federal, prevê a compra de 350 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 para 2021.

    Essa quantidade, de acordo com o texto, seria suficiente para vacinar cerca de 175 milhões de pessoas, dentre os mais de 210 milhões de brasileiros, considerando que a imunização deve exigir duas aplicações em cada pessoa – e que há uma pequena perda, esperada, de doses nos frascos.

    Veja abaixo, em detalhes, o que o PNI prevê sobre a aquisição de vacinas contra o novo coronavírus:

    AstraZeneca e Universidade de Oxford, em parceria com Fiocruz
    • 100,4 milhões de doses até julho de 2021, a partir de ingrediente farmacêutico ativo (IFA) importado
    • 110 milhões de doses entre agosto e dezembro de 2021, fabricadas nacionalmente (com o IFA produzido na Fiocruz)
    Total: 210,4 milhões de doses

    Covax Facility (consórcio Acesso Global de Vacinas Covid-19, da OMS)
    • 42,5 milhões de doses (cronograma de entrega ainda está em negociação).

    Pfizer, em parceria com a BioNTech*
    • 8,5 milhões até junho de 2021
    • 32 milhões no terceiro trimestre
    • 29,5 milhões no quarto trimestre 
    Total: 70 milhões de doses

    Janssen (Johnson & Johnson)* 
    • 3 milhões no segundo trimestre de 2021
    • 8 milhões no terceiro trimestre de 2021
    • 27 milhões no quarto trimestre de 2021
    Total: 38 milhões de doses

    * Memorandos de entendimento (intenção de acordo)

    Além disso, considerando também os acordos fechados por governos estaduais com laboratórios, o Brasil poderia chegar a 446 milhões de doses de imunizantes previstas (veja os números abaixo), suficientes para vacinar todos os 211 milhões de habitantes ao menos em uma rodada de campanha – com duas doses por pessoa.

    Coronavac (Sinovac em parceria com o Instituto Butantan) – São Paulo
    • 120 mil doses – recebidas em novembro
    • 600 litros de insumos, suficientes para produzir 1 milhão de doses – recebidos em dezembro
    • 2 milhões de doses – recebidas em novembro
    Total entregue: 3,12 milhões de doses
    Total acordado: 46 milhões

    Sputnik V (Instituto Gamaleya em parceria com o Fundo Russo de Investimento Direto – RDIF) – Bahia
    • 50 milhões de doses

    Apesar de, em teoria, isso significar que o PNI prevê a compra de doses para imunizar cerca de 83% da população, há um desafio implícito nesses números: as doses não vão chegar todas de uma vez, o que pode obrigar o governo a tomar decisões sobre aqueles que, mesmo dentro dos grupos prioritários, serão imunizados primeiro.

    “Nós pedimos tarde [as vacinas], assinamos os contratos de intenção de compra com alguns laboratórios, como a Pfizer-BioNTech, muito depois de outros países”, disse à CNN Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e presidente da Comissão de Revisão de Calendários Vacinais da SBIm.

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    “Só na primeira fase de vacinação são 15 milhões de pessoas, que demandam mais de 30 milhões de doses. A própria Pfizer prevê a entrega de 8,5 milhões de doses no primeiro trimestre de 2021, então vamos precisar de todas as vacinas que forem aprovadas pela Anvisa, seja de Oxford, seja a Coronavac ou qualquer outra, mas que também não chegarão de uma vez.”

    Considerando o público-alvo das três primeiras fases de vacinação, o PNI estima que o país precisaria de ao menos 104 milhões de doses.

    “Alguns desses acordos, como o da AstraZeneca/Oxford com a Fiocruz e da Sinovac com o Butantan, envolvem a transferência tecnológica, então a complementação de doses necessárias poderá ser produzida nacionalmente por esses laboratórios”, ressaltou a especialista.

    Ela observa que, em teoria, se o Butantan conseguir mesmo produzir 1 milhão de doses por dia, somado à capacidade da Fiocruz – que ainda não foi divulgada – o país pode se tornar autossuficiente na produção da vacina contra a Covid-19.

    “Poderíamos ter mais de 350 milhões de doses por ano só com o Butantan, ampliando muito com a produção da Fiocruz, chegando em algum momento a termos capacidade até para exportar, como acontece hoje com a vacina da febre amarela”, afirmou Levi.

    Desigualdade

    Enquanto o Brasil teria um volume para imunizar a população uma vez, os países mais ricos do mundo vêm estocando imunizantes e, hoje, conseguiriam vacinar três vezes as suas populações. 

    Recentemente, o People’s Vaccine Alliance, que monitora as vacinas e atua em colaboração com grupos como Anistia Internacional e Oxfam, fez um alerta para isso e destacou que algumas nações em desenvolvimento estão sendo deixadas para trás na corrida global pelo fim da pandemia.

    Segundo o grupo, nas 67 nações do mundo consideradas pobres, apenas 1 em cada 10 pessoas pode esperar receber uma vacina até o final de 2021. Enquanto isso, os países desenvolvidos já acumulam um excedente do produto: os que representam apenas 14% da população mundial já compraram mais da metade das doses de vacinas mais promissoras em desenvolvimento atualmente.

    Estocando vacinas

    Segundo um cálculo de uma equipe da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg, dos Estados Unidos, cerca de um quarto da população mundial não poderá ser vacinada até 2022. Países como EUA, Japão e Austrália já encomendaram mais de 7,5 bilhões de doses de vacinas, o suficiente para vacinar 3,76 bilhões de pessoas – quase 18 vezes a população do Brasil.

    O relatório apresentado pelo grupo da Johns Hopkins Bloomberg mostra que só os EUA, os quais respondem por um quinto de todos os casos globais de Covid-19, reservaram 800 milhões de doses. 

    Japão e Austrália, responsáveis por menos de 1% das infecções globais, teriam reservado até 1 bilhão de doses. O Canadá também já teria garantido doses suficientes para vacinar cinco ou seis vezes a população do país.

    “Claro que eles não vão usar todo esse volume de doses. Mas lá atrás, em junho/julho, quando alguns desses países assinaram esses contratos as vacinas ainda estavam nas fases 1 ou 2 de testes, então os governos não tinham como saber quais dariam certo, quais seriam aprovadas”, explicou Levi.

    “Considerando que alguma delas pudesse não estar pronta ou ser rejeitada pelos órgãos reguladores, eles assinaram contratos com várias empresas, exatamente o oposto do que o Brasil fez ao apostar, praticamente, em uma úncia vacina, o que nos coloca em uma situação difícil hoje”, completou.

    A especialista afirma ainda que é muito provável que esses países ricos repassem seu excedente para outras nações ou para consórcios internacionais.

    É preciso acumular vacinas?

    Em uma entrevista ao programa “Democracy Now”, transmitido em diversas redes de TV e rádio norte-americanas e canadenses, Krishna Udayakumar, diretor do Centro de Inovação para Saúde Global da Universidade Duke, nos EUA, disse que essas compras foram feitas muito antes da divulgação dos resultados dos testes clínicos avançados dos imunizantes.

    “Não acho que eles estejam interessados em tentar estocar vacinas além do que precisam, mas muitas dessas aquisições foram feitas antes de termos qualquer ideia de quais vacinas iriam funcionar”, afirmou ele. 

    Kendall Hoyt, professora de Medicina na Universidade de Dartmouth, nos EUA, lembra que essas nações estabeleceram contratos de compra, mas grande parte do produto ainda não está disponível para aplicação.

    “Só porque você comprou 100 milhões de doses não significa que você terá 100 milhões de doses até dezembro”, disse ela, que acompanha o lançamento global de vacinas, em entrevista ao jornal The New York Times. Alguns contratos indicam que as doses vão chegar no começo de 2021, mas outros são mais vagos quanto a prazos.

    Futuro

    Em um comunicado à imprensa, Steve Cockburn, chefe de Justiça Econômica e Social da Anistia Internacional, criticou a postura das nações desenvolvidas em estocar imunizantes. “O acúmulo de vacinas acaba com os esforços globais para garantir que todos possam ser protegidos da Covid-19”, declarou.

    “Países ricos têm claras obrigações de direitos humanos de não apenas se abster de ações que possam prejudicar o acesso a vacinas em outros lugares, como também de cooperar e fornecer auxílio aos países que precisam.”

    Contudo, mesmo que as nações mais favorecidas doem o excedente que possuem aos países mais pobres, muitas partes do globo podem não ter as doses necessárias até o fim de 2021. 

    Alguns especialistas ouvidos pelo NYT projetam que talvez só haja imunizantes suficientes para todo o mundo em 2024. Outros defendem que se mais pessoas ficarem doentes e adquirirem a chamada imunidade de rebanho, a necessidade de vacina deve diminuir e o fornecimento estará adequado no fim de 2022.

    E isso tudo considerando que será necessário imunizar a população somente uma vez (com duas doses). Se os cientistas e pesquisadores descobrirem que a vacinação deverá ser feita todos os anos, assim como ocorre hoje com a gripe, essas projeções serão completamente alteradas.

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