Dominância da cepa Gamma no Brasil pode impedir proliferação de outras variantes
Segundo especialistas, a variante originária de Manaus estaria impedindo que outras linhagens tenham grande transmissão no país
Especialistas estudam a hipótese de que a ampla disseminação de uma variante possa, de forma natural, criar uma espécie de “barreira biológica” e dificultar, ou até mesmo impedir, a invasão e proliferação de outras variantes.
Pode ser o caso da variante Gamma (também chamada P.1 e identificada inicialmente em Manaus), que é a variante predominante em circulação no Brasil. Segundo os especialistas, ela estaria dificultando a proliferação da variante Delta, originária da Índia. Apesar da velocidade aparente da disseminação da Delta no país, a P.1 ainda é a responsável pela grande maioria dos casos de Covid-19 nos estados.
Para Margareth Dalcomo, pesquisadora e pneumologista da Fiocruz, os vírus estão em constante “competição biológica”, e uma variante biologicamente mais forte pode impedir que outra avance em determinada região.
“A Gamma é muito forte biologicamente e muito predominante. Ela responde por cerca de 90% dos casos atualmente. Isso de certa maneira cria uma barreira biológica para entrada da variante Delta. Mas nada nos assegura que a variante Delta possa se tornar predominante no Brasil. Nossa expectava é de que as vacinas protejam e evitem essa disseminação”, disse Dalcomo à CNN.
Segundo o pesquisador da Fiocruz Marcelo Gomes, essa barreira “é uma das possíveis explicações para o bloqueio de invasão de certas variantes observado em países com situações epidemiológicas distintas ao longo da pandemia”.
Em linhas gerais, aquelas cepas que têm maior capacidade de disseminação e que se proliferam mais rápido e causam menos danos ao organismo dos humanos, tendem a se estabelecer de forma mais ampla em relação aos outros. Assim funcionam como uma seleção natural em relação ao desenvolvimento de novos vírus.
“Quanto mais habilidade o vírus tiver de se transmitir, mais ele vai se sobrepor aos anteriores. Quanto menos letal e mais assintomático forem seus efeitos, mais chances ele tem de se proliferar. Isso ajuda um vírus a se sobrepor a outros que estão circulando em um mesmo momento”, explicou o infectologista Marcos do Lago.
A lógica é: quanto menos sintomas uma pessoa desenvolver, maiores são as chances de ela não cumprir o isolamento. Sendo assim, crescem as possibilidades dessa pessoa transmitir o vírus para outras. O epidemiologista Luiz Augusto Facchini, professor titular do departamento de Medicina Social da Universidade Federal de Pelotas, destaca que as variantes do coronavírus estão em permanente competição e a tendência é prevalecer aquela com maior capacidade de contaminação, favorecendo, portanto, a disseminação da doença.
Segundo o especialista, há um grande interesse dos pesquisadores em conhecer a real capacidade de uma variante amplamente disseminada em bloquear a proliferação de outras. Porém, ele ressalta que essa barreira é uma hipótese em estudo e citou o exemplo das variantes nos Estados Unidos.
“Nos Estados Unidos ainda predomina a variante alfa (B1.1.7), mas ainda assim houve disseminação de outras linhagens, como a P1 ou Gamma e a Delta, que cresceram muito nas últimas semanas. Então o bloqueio ainda é uma hipótese e estamos em busca de comprovação”, disse ele, acrescentando que a “baixa cobertura vacinal, por escassez de vacina e um ritmo lento de imunização completa, facilita a disseminação do vírus e de suas variantes”.
Para Luiz Henrique, mesmo que haja o predomínio de uma variante, não há como afirmar que uma outra (com maior capacidade de transmissão) não possa tomar seu lugar e tornar-se predominante em determinada região. Segundo ele, as variantes estão em constante competição. A Delta, portanto, pode se mostrar mais transmissível em relação à Gamma e tornar-se a variante predominante no país. Sendo assim, a Delta é aquela que poderia criar esse tipo de barreira a dificultar a ascensão de uma nova variante.
“Cabe lembrar que as variantes dos vírus, e em nosso caso do novo coronavírus, estão em permanente competição e a tendência é prevalecer aquela com maior capacidade de contaminação, favorecendo, portanto, a disseminação da doença”, conclui o pesquisador.
Segundo os especialistas, mesmo que haja uma barreira que impeça a proliferação de outras linhagens, a melhor maneira de conter o coronavírus é respeitando as medidas de distanciamento social, uso da máscara e ampla adesão à campanha de vacinação.