Conheça o distúrbio raro que leva as pessoas a amputar os próprios membros
Pessoas com transtorno de identidade e integridade corporal (TIIC) só se sentem completos se removerem ou amputarem alguma parte do próprio corpo
Para algumas pessoas, o desejo humano universal de completude só pode ser cumprido por um ato de amputação. Novos estudos mostram como partes específicas do cérebro podem diferir no comportamento de portadores de um distúrbio raro, conhecido como transtorno de identidade e integridade corporal (TIIC).
Pelos padrões objetivos, pacientes com TIIC parecem ter corpos saudáveis. No entanto, eles têm uma sensação insaciável de incompletude: para se sentirem totalmente completos, devem remover ou amputar uma parte do corpo.
Acredita-se que a condição seja motivada por uma incompatibilidade entre a imagem mental de alguém sobre o próprio corpo e o físico real.
Uma maneira de explicar fisiologicamente o transtorno é que, no TIIC, a parte do cérebro associada à imagem corporal tem menos conectividade funcional com outras partes do cérebro, de acordo com um estudo publicado quinta-feira (8) na revista Current Biology.
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Usando um site de um grupo de apoio para pessoas com o transtorno, os pesquisadores recrutaram 16 homens que desejam amputar as pernas esquerdas saudáveis. Os cientistas compararam as tomografias de seus cérebros com as de 16 homens sem a doença.
Menos conectividade cerebral em certas áreas
“Mostramos associações claras entre um estado mental e alterações na estrutura e funcionalidade do cérebro”, disse Peter Brugger, professor de neurologia e neuropsiquiatria da Universidade de Zurique, na Suíça.
Pessoas com TIIC tinham uma arquitetura neural visivelmente diferente no lóbulo paracentral, a parte do cérebro que controla como sentimos e interpretamos o sinal de resposta dos membros inferiores. Nessas pessoas, a área reduziu a conectividade com outras áreas do cérebro.
O lóbulo parietal superior direito, uma região cerebral usada para construir a imagem corporal total de uma pessoa, também tinha conectividade reduzida e menor densidade de massa cinzenta, indicando menor atividade neuronal.
“A sensação de que um membro nos pertence depende da extensão em que a área sensório-motora do membro está funcionalmente conectada a todas as outras regiões do cérebro”, explicou o principal autor do estudo, Gianluca Saetta, doutorando na Universidade de Zurique.
Ter massa cinzenta suficiente na região parietal direita do cérebro é necessário para criar uma percepção saudável do corpo no espaço. “Curiosamente, descobrimos que, quanto menos matéria cinzenta estiver na região parietal direita do cérebro, mais forte será o desejo de amputação e mais os indivíduos com TIIC agem como se fossem amputados”, detalhou.
Distúrbio é raro
Existem apenas cerca de 200 casos de TIIC registrados na literatura médica, mas espera-se que o transtorno seja incluído na 11ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), como um “distúrbio de angústia ou experiência corporal”. A nova revisão deverá entrar em vigor em janeiro de 2022.
O professor Brugger se interessou pelo distúrbio depois de observar um fenômeno semelhante no qual as pessoas têm sensações de membros que nunca se desenvolveram completamente.
“No caso de uma mulher nascida sem braços e pernas, conseguimos mostrar que os braços e pernas dela estavam representados no cérebro. Se isso é possível – o cérebro ter a assinatura de um membro que nunca esteve lá –, pensamos que também seria possível que um cérebro não tivesse essa assinatura, apesar do desenvolvimento físico regular.”
No momento, não há cura ou tratamento conhecido. O doutorando Saetta contou que aqueles que conseguiram amputar seus membros “se arrependem só de uma coisa: não ter feito isso antes”.
Muitos não têm a opção de amputação e vivem com desconforto. “Alguns sentem um alívio temporário ao fingir serem amputados, usando muletas ou cadeiras de rodas, por exemplo”, relatou.
Pacientes com TIIC geralmente omitem o transtorno. Além dos grupos e fóruns online de apoio, é difícil encontrá-los para ter uma noção exata da extensão do distúrbio.
“Qualquer estimativa da quantidade de pacientes de TIIC exige primeiro a definição de critérios de diagnósticos precisos. Nossas descobertas serão úteis para a definição desses critérios. Por sua vez, isso ajudará o desenvolvimento de possíveis tratamentos de reabilitação”, afirmou o professor Brugger.
Os dois cientistas esperam encontrar formas não cirúrgicas de tratar pessoas com TIIC, como estimulação magnética transcraniana ou estimulação cerebral profunda com eletrodos implantados.
A estimulação das células cerebrais mostrou sucesso na depressão resistente ao tratamento, ativando partes do cérebro com atividade reduzida, de acordo com a Mayo Clinic.