Como o Instagram levou duas jovens a terem distúrbios alimentares
Após quase morrerem em consequência da anorexia, duas jovens alertam sobre a "obsessão insalubre" causada pela pressão estética na rede social de Mark Zuckerberg
Aos 14 anos, Ashlee Thomas sofria com os sintomas da anorexia. Ela pesava 38 quilos e estava no hospital. Seu coração havia parado duas vezes. Os médicos achavam que ela não iria sobreviver.
Mas ela viveu. E, agora, a moradora da cidade de New South Wales, na Austrália, dedica sua vida para ajudar outras meninas. O seu alerta é direcionado para pais, crianças e adolescentes sobre os perigos do Instagram, onde, segundo ela, sua jornada em direção ao que poderia ter sido sua morte começou.
Na rede social, Thomas começou a seguir influenciadoras de alimentos in natura. Ela era uma esportista que procurava ter o corpo mais atlético que conseguisse, e os corpos que considerava ideais apareciam em sua linha do tempo todos os dias, com as curtidas e comentários incentivando-a a buscar o que aparecia nas imagens.
“Eu só queria ser amada e admirada como elas eram”, disse Thomas, agora com 20 anos. “Eu queria sentir como era viver aquilo”.
Porém, o oposto aconteceu. Ela passou a se odiar.
Uma pessoa comentou que sua barriga estava saliente em uma de suas fotos. Depois disso, em algum ponto, ela deixou de comer. Thomas afirmou que seus pais tentavam de tudo para fazê-la se alimentar. Até mesmo o conselho tutelar foi chamado para que ajudar a fazer com que a garota comesse.
“Eu me lembro de estar sentada com meu pai segurando minha mandíbula e minha mãe inserindo comida na minha boca porque eu simplesmente me recusava a comer”, recorda.
“Não há uma cura rápida para isso”
O que Ashlee Thomas viveu é um dos exemplos do efeito “tóxico” do Instagram em meninas jovens, descrição feita pela ex-funcionária do Facebook Frances Haugen em um depoimento no Senado americano.
“Eu acredito que os produtos do Facebook ferem as crianças, alimentam divisões e enfraquecem a nossa democracia”, disse Haugen, denunciante que trabalhou com assuntos de integridade cívica na empresa.
Uma pesquisa interna do próprio Facebook, citada em um dos relatórios enviados por Haugen, mostrou que “13,5% das adolescentes presentes no Instagram disseram que a plataforma fez com que pensamentos suicidas e de autoflagelo piorassem”, e 17% afirmou que sentimentos relacionados a “distúrbios alimentares”, como a anorexia, também ficaram mais intensos.
O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, fez uma declaração de 1.300 palavras se defendendo contra as alegações de Haugen. Ele disse que a pesquisa envolvendo o impacto do gigante tecnológico nas crianças estava sendo deturpada.
“Nós nos preocupamos profundamente com questões como segurança, bem-estar e saúde mental”, escreveu Zuckerberg.
E acrescentou: “Muitas das afirmações não fazem nenhum sentido. Se quiséssemos ignorar a pesquisa, por que criaríamos um programa líder da indústria para entender estas questões importantes”?
Em uma declaração, o Facebook contestou a interpretação da pesquisa e insistiu que as porcentagens são muito menores. A empresa também disse que se adequa à regulamentação.
Ainda assim, aqueles familiarizados com o funcionamento do mundo da tecnologia dizem que será preciso muito mais para salvar os adolescentes.
“O modelo de negócios deles está colocando as crianças neste tipo de ciclo de engajamento”, disse Tristan Harris, co-fundador do Center for Humane Technology. “E é com isso que estou realmente preocupado… que não haja uma solução rápida para isso. É a natureza intrínseca do produto”.
O conteúdo de contas de dietas rigorosas pode atuar como validação para usuários já predispostos a comportamentos não-saudáveis, dizem especialistas.
Pamela Keel, diretora da Clínica de Pesquisa de Comportamentos Alimentares da Florida State University, disse que a postagem de fotos na Instagram aumentou a preocupação com o peso e a forma, bem como as preocupações e a insatisfação com a aparência.
“Esse é, na verdade, um dos fatores de risco mais robustos para o desenvolvimento de um distúrbio alimentar”, disse ela.
O amplo alcance da Instagram entre mulheres jovens e meninas significa que tal conteúdo colocado em sua plataforma pode ser especialmente perigoso, diz Keel.
“Era para você estar morta”
Em vídeo de sua família, Thomas é vista gritando e chorando quando seus pais exigem que ela coma. “Eu não posso fazer isso”, exclamava.
“Venha, abra a boca e simplesmente coloque e engula”, dizem para ela em outro vídeo.
“Quando fui internada no hospital, o médico me disse: ‘Não entendemos porque você está aqui’. Você deveria estar morta'”, lembrou Thomas. “Na verdade, no hospital, meu coração falhou duas vezes”.
Thomas admite que ela era “muito viciada” na Instagram.
Anastasia Vlasova, uma sobrevivente de distúrbios alimentares que vive em Nova York e frequenta a Universidade Gallatin de Nova York, disse que teve uma experiência semelhante. “Eu era definitivamente viciada em Instagram”, disse.
Vlasova foi atraída pelas imagens de mulheres com corpos esculpidos e abdominais perfeitos. Quanto mais tonificados os corpos, pior ela se sentia em relação a si mesma, relatou.
“Eu só fui bombardeada com todas estas mensagens de que você tem que fazer exercícios todos os dias, ou você tem que fazer estes tipos de exercícios ou você tem que fazer este tipo de dieta e evitar estes alimentos”, disse ela.
Vlasova, agora com 18 anos, chamou de “obsessão insalubre” o que afligia muitos jovens de sua idade.
O Instagram colocou suas vidas em perigo não apenas por não conseguir reprimir os relatos que promoviam dietas extremas e distúrbios alimentares, mas por promover ativamente esses discursos, argumentam as jovens.
“Não deveríamos ter que acabar em camas de hospital ou não ter que ser alimentados pelo nariz ou tubo gástrico, ou dizer adeus aos nossos pais porque uma plataforma está nos encorajando a passar fome ou a comer pouco”, disse Thomas.
(Esta matéria foi traduzida. Leia a original em inglês)