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    Como o Brasil monitora e rastreia novas cepas e mutações do vírus da Covid-19

    Sequenciar genomas do SARS-CoV-2 permite identificar as variações e fornece informações sobre as rotas de circulação da doença no país

    Jéssica Otoboni, , da CNN, em São Paulo

    Mutações do vírus causador da Covid-19 estão se espalhando cada vez mais pelo mundo. Até o momento, mais de 30 países registraram casos da variante que foi detectada primeiro no Reino Unido pouco antes do Natal (identificada como B117), incluindo Dinamarca, Holanda, Espanha, Alemanha, França, Austrália, Canadá, Israel, Japão, Estados Unidos, entre outros. 

    Aqui no Brasil, pesquisadores da empresa de medicina diagnóstica Dasa anunciaram nessa quinta-feira (31) a chegada dessa variante a São Paulo. A companhia informou que analisou 400 amostras do exame RT-PCR de saliva e 2 delas apresentaram a mesma linhagem identificada no Reino Unido.

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    Pesquisadores do Laboratório de Bioinformática (Labinfo) do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, identificaram, na semana passada, uma outra linhagem caracterizada por até cinco mutações. Esta variante, chamada B1128, teria surgido em julho de 2020.

    A análise foi feita a partir do sequenciamento genético de 180 genomas do Sars-CoV-2 provenientes de amostras do estado do Rio de Janeiro. Desse total, 38 apresentaram a variante B1128. Além de poder identificar as mutações, sequenciar esse material permite ter mais conhecimento sobre as rotas de circulação do vírus no país.

    48 linhagens identificadas no Brasil

    Em entrevista à CNN, Paola Cristina Resende, pesquisadora em Saúde Pública do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), afirmou que cerca de 2,2 mil genomas do novo coronavírus foram sequenciados até o momento no Brasil.

    Dentre eles, já foram identificadas, segundo ela, 48 linhagens de Sars-CoV-2 no país, provenientes de diversas partes do mundo, principalmente da Europa. Apesar disso, somente duas delas estão mais em circulação: a B1128 e a B1133. Esta última, mais comum no Brasil no início da pandemia, já está em declínio, informou o LNCC. Resende pontuou que essas duas variantes são mais baixas nos outros países – abaixo de 1%.

    “Ao analisar os 2,2 mil genomas, de fevereiro até agora, podemos observar a circulação de duas principais linhagens. Elas compõem 71% dos genomas sequenciados no Brasil. As demais foram detectadas pontualmente ou circulam em determinados estados”, disse ela.

    Resende explica que essa diferença de linhagens de região para região ocorre pois o vírus evolui constantemente. “A partir do momento que ele se dissemina pelo mundo e segue circulando entre a população, novas mutações vão sendo incorporadas. O que acaba acontecendo é uma adaptação local, como a variante específica do Reino Unido.”

    Importância do sequenciamento

    Para Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos, pesquisadora do LNCC e responsável pelo Labinfo, a quantidade de genomas sequenciados no Brasil ainda é pequena. “É preciso sequenciar em várias regiões do Brasil e identificar as mutações que estão acontecendo no vírus”, disse à CNN.

    Ela lembra que essas variações são normais, a exemplo do vírus da gripe. “A taxa de mutação do Sars-CoV-2 é até baixa comparada a outros vírus. O importante é verificar se as mutações vão continuar persistindo”, disse. 

    Vasconcelos afirmou que também é necessário conduzir ensaios em laboratório para ver se o vírus está mais agressivo, analisar se a taxa de replicação dele está mais alta e acompanhar os próprios pacientes infectados.

    Para a pesquisadora, o ideal seria sequenciar o maior número de genomas do vírus possível, mas esse trabalho exige financiamento – o setor de ciências e tecnologia vem sofrendo sucessivos cortes do poder público – e acesso às amostras virais, as quais muitas vezes, segundo ela, ficam restritas a alguns órgãos públicos. Apesar disso, outros grupos pelo país já estão trabalhando nesse sequenciamento, o que deve aumentar a rede de pesquisa.

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    Brasil sequenciou 1,6% dos genomas sequenciados pelo Reino Unido

    Para fazer uma comparação, os 2,2 mil genomas sequenciados no Brasil correspondem a 1,6% dos sequenciamentos realizados no território britânico. Segundo o Consórcio de Genômica de Covid-19 do Reino Unido (COG-UK), o país sequenciou mais de 137 mil genomas.

    O grupo anunciou recentemente que recebeu um aporte de US$ 16,5 milhões do Fundo de Inovação em Testes do Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido e que vai expandir as operações. “Atualmente, estamos sequenciando cerca de 8 mil a 10 mil genomas de Sars-CoV-2 por semana, mas queremos dobrar esses números nos próximos meses”, declarou o consórcio no site oficial.

    Já em relação aos Estados Unidos, o Brasil sequenciou 4,3% dos genomas analisados por lá. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, em inglês) do país, 51 mil genomas foram sequenciados até o momento, dentre os mais de 19 milhões de casos de Covid-19 no território norte-americano. 

    Custos

    Para Paola Cristina Resende, ter financiamento é fundamental para realizar o sequenciamento em larga escala, dado que o processo é caro. Ela disse que não se pode citar com exatidão os valores, já que isso depende muito dos protocolos utilizados e do momento que se faz a importação dos materiais necessários, mas que custaria na faixa de R$ 500 para realizar um sequenciamento.

    “O que tentamos fazer desde o início é uma amostragem [da incidência do vírus] distribuída temporalmente, uma representação temporal em diferentes estados do país”, afirmou. “Não precisa ter um grande volume. O que o Reino Unido está fazendo é insano, impossível para qualquer outro país.”

    Resende trabalhou durante certo tempo em um hub de sequenciamento de genomas do COG-UK, e disse que os britânicos se prepararam antecipadamente para as pesquisas. “Eles se organizaram muito cedo. Logo que o vírus apareceu por lá, eles formaram centros de sequenciamento em todo o país. Nós também tivemos isso por aqui, mas com os recursos e da maneira que conseguimos.

    Sequenciamento e linhagens

    Para fazer o sequenciamento, os centros especializados recebem as amostras de hospitais e enviam uma porcentagem delas para os laboratórios. Mas para que os genomas sejam sequenciados, essas amostras precisam ser de qualidade. 

    Além do próprio trabalho de sequenciamento, Resende ressalta a necessidade de se fazer uma vigilância genômica pelo país. “Em março, criamos a rede genômica Fiocruz, com parcerias em todos os estados. Hoje, temos outros dois polos que também produzem genomas para auxiliar: Fiocruz Amazonas e Fiocruz Pernambuco”, contou ela. Com essa integração, os dados são reunidos e analisados para que se possa entender o que está acontecendo no Brasil em um panorama geral.

    Ela destaca ainda que o conceito de linhagem trata de uma classificação “muitíssimo refinada” e que há mais de 800 delas classificadas. De acordo com Resende, essas linhagens são determinadas com base nas alterações apresentadas, sendo as características gerais do vírus quase sempre iguais. “São as mutações ao longo do genoma de mais de 30 mil bases [que compõem o material genético do vírus] que determinam as linhagens.”

    Apesar disso, a pesquisadora ressalta que o surgimento dessas variações não pode ser algo que assuste a população. “Não há indícios de que as cepas circulantes irão permitir o escape da resposta imune.” Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos também sinaliza para a importância de continuar com a vigilância genômica, além de outros ensaios clínicos, e comentou a eficácia dos imunizantes, mesmo diante do surgimento das mutações. “As vacinas continuam seguras. A população tem que se vacinar.”

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