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    Como funcionam as medidas sanitárias para conter a circulação de novas variantes

    Entrada da cepa da Índia ao Brasil reforçou a adoção de medidas sanitárias com o objetivo de evitar a sua disseminação

    Lucas Rocha, da CNN, em São Paulo

    A chegada da variante da Índia ao Brasil, no mês de maio, quando foram registrados os primeiros casos em passageiros de um navio ancorado na costa de São Luís, no Maranhão, levou à implantação de medidas sanitárias pelo governo federal, estados e municípios, com o objetivo de reduzir as chances de disseminação da cepa pelo país. 

    As ações de vigilância de novas variantes do SARS-CoV-2 no Brasil são orientadas pelo Ministério da Saúde. A nota técnica mais recente sobre o tema, publicada no dia 02 de fevereiro, faz referências às variantes do Reino Unido, da África do Sul e de Manaus (P.1), mas não cita a da Índia.

    Desde o início da pandemia, em março de 2020, a recomendação é que, após a detecção de novas variantes, sejam intensificadas as ações de monitoramento de casos e contatos para interromper a transmissão. O Brasil conta com três laboratórios de referência nacional para essa identificação – o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), no Rio de Janeiro, o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, e o Instituto Evandro Chagas, no Pará.

    O resultado do sequenciamento das amostras deve ser acompanhado pelos serviços de saúde. Caso alguma apresente uma cepa considerada variante de preocupação, o paciente deve ser identificado para que sejam caracterizados o histórico de viagem, quadro clínico e desfecho da doença. Também deve ser realizado o rastreamento de contatos em busca de casos secundários, com o objetivo de interromper a cadeia de transmissão. 

    Falta de coordenação 

    A vigilância do SARS-CoV-2 envolve a participação de profissionais da saúde, virologistas, gestores das secretarias estaduais e municipais de saúde, além dos governos municipais, estaduais e federal. Segundo especialistas consultados pela CNN, fazer com que todas essas instâncias atuem de forma coordenada é um dos principais desafios para conter o espalhamento do vírus e das novas variantes.

    Um dos primeiros passos para a vigilância da Covid-19 acontece nos serviços de saúde, que realizam a triagem e o atendimento de pacientes com suspeita da doença. Os médicos investigam os sintomas, avaliam a necessidade de testes de diagnóstico para confirmar a infecção, recomendam os cuidados e orientam os pacientes sobre a necessidade de isolamento.

    Parte das amostras de pacientes com suspeita de Covid-19 coletadas é enviada aos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACENs) dos estados. Desse conjunto, uma parcela ainda menor é encaminhada para um dos três laboratórios de referência nacional, onde são realizadas análises como o sequenciamento genômico, que revela a origem da cepa e as principais informações genéticas do vírus presente em cada amostra.

    Segundo o pesquisador Fernando Motta, do Instituto Oswaldo Cruz, uma das principais dificuldades para conter a circulação de variantes é fazer com que todas as instâncias envolvidas atuem de forma coordenada. “As medidas de contenção existem, o problema é fazer com que elas sejam operacionalizadas”, disse. 

    Fernando diz que os casos identificados devem ser isolados para evitar que ocorra uma rápida disseminação da nova linhagem, mas nem sempre é o que acontece na prática. “O estado de São Paulo fez a identificação de um paciente positivo de procedência da Índia. Ele foi liberado e viajou para o interior do Rio de Janeiro, em Campos [dos Goytacazes], onde houve uma outra coleta de amostra e confirmamos a linhagem da Índia”, exemplifica.

    De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, o caso positivo para Covid-19 foi informado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, responsável pelo monitoramento do aeroporto de Guarulhos, quando o passageiro já havia embarcado para o Rio de Janeiro. Segundo a secretaria, a amostra positiva foi enviada ao Instituto Adolfo Lutz e o sequenciamento finalizado no dia 26, confirmando a variante da Índia.

    As medidas de isolamento e quarentena, que têm como objetivo evitar a propagação da infecção e a transmissão local foram definidas pelo Ministério da Saúde em março de 2020. O documento dispõe sobre o isolamento de pessoas com ou sem sintomas, em investigação clínica laboratorial, por um prazo máximo de 14 dias, que pode se estender pelo mesmo período. Segundo o texto, a determinação do isolamento só pode ser feita por prescrição médica ou recomendação de agente de vigilância epidemiológica.

    Diferentes tipos de barreiras sanitárias

    A introdução da cepa da Índia no Brasil levou o Ministério da Saúde a avaliar a possibilidade de implementação de um plano nacional de barreira sanitária com o objetivo de impedir a entrada de novas variantes no país. O projeto, ainda em estudo, envolve a testagem de sintomáticos e assintomáticos a partir de uma busca ativa em locais de grande circulação de pessoas e profissionais mais expostos ao risco.

    No fim de maio, o ministro da Saúde Marcelo Queiroga afirmou que a pasta pretende apostar em uma estratégia para aumentar a testagem no Brasilpara até 20 milhões de testes realizados por mês. A informação foi divulgada durante apresentação no Fórum de Investimento Brasil 2021, em São Paulo.

    Barreira sanitária é todo obstáculo à circulação de pessoas de forma livre, com base em critérios sanitários, segundo o pesquisador José Eduardo Levi, da Universidade de São Paulo (USP). As medidas implementadas com o objetivo de conter a circulação do vírus são diversas, podem ser mais ou menos rígidas e geralmente são centradas nas principais portas de entradas do país, como portos e aeroportos. 

    Uma delas é a restrição de voos com origem em locais com grande circulação de variantes, adotada por diversos países ao longo da pandemia. Para o pesquisador da Fiocruz, Júlio Croda, a medida pode não ser suficiente. Ele cita como exemplo o Reino Unido, que possui as mais rígidas restrições de viagens. “A variante da Índia já é predominante no país apesar de todos esses esforços que incluem isolar até mesmo pessoas sem sintomas”, ponderou.

    Outros países adotaram a exigência de resultado negativo do teste de diagnóstico molecular (RT PCR) para o novo coronavírus, medida que vale como requisito obrigatório para embarque ou após a chegada ao país. A regra foi estabelecida pelo Brasil e por inúmeros países, incluindo Estados Unidos, Espanha, África do Sul, Alemanha, Argentina, Canadá, Chile e Coreia do Sul.

    Além do teste negativo, diversas localidades exigem o cumprimento de quarentena obrigatória, que pode variar de 7 a 14 dias. A restrição já foi imposta a viajantes que desembarcaram em países como França, Reino Unido, Israel, Suíça e Uruguai.

    Medidas efetivas

    Segundo os pesquisadores, monitoramento, testagem e isolamento de pessoas infectadas são as formas mais eficazes de impedir a introdução de novas variantes no país. 

    Croda avalia que essas medidas nunca foram adotadas de forma sistemática no Brasil. “Estamos entre os países que menos testam por 100 mil habitantes. Não conseguimos monitorar, testar em tempo oportuno e nem fazer o isolamento de sintomáticos”, diz. 

    O especialista atribui diversos fatores às falhas na vigilância. “Nunca fizemos isso, no início por falta de testes, depois por falta de capacidade de pessoal para a busca ativa e por falta de consciência da população”, ressaltou. 

    José Eduardo Levi afirma que para que a estratégia funcione de forma eficaz é necessário realizar o acompanhamento de voos com origem em localidades com grande circulação de variantes. Segundo ele, logo após o pouso, todos os passageiros devem ser testados, ainda no aeroporto, independentemente da apresentação de sintomas.

    “Em uma situação como essa, de barreira sanitária, compensa fazer o teste de PCR [diagnóstico molecular] em todo mundo, com resultado em 15 minutos. É preciso ter um esquema de coleta, processamento e liberação dos resultados em um prazo curto”, disse. 

    O pesquisador da USP explica que diante de testes positivos, as pessoas devem ser conduzidas para o isolamento por 14 dias, com acompanhamento médico, se necessário. Para aqueles que apresentarem teste negativo, a recomendação é que seja feito o registro dos dados pessoais pelas autoridades sanitárias e solicitada a notificação em caso de aparecimento de sintomas.

    Para Júlio Croda, a forma como as barreiras sanitárias são estabelecidas no país, com foco em pessoas sintomáticas, abre brechas para a introdução de novas variantes. “Perdemos uma grande proporção de pessoas que podem estar infectadas de forma assintomática e transmitir a doença”, afirma.

    Os especialistas destacam ainda que, além das barreiras sanitárias, pelo menos três ações podem contribuir para mitigar os impactos da possível introdução de uma variante: ampliar a vacinação na região onde foram identificados os primeiros casos, aumentar a testagem da população e intensificar a vigilância genômica do vírus.

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