Como é feito o mapeamento para descoberta de novas cepas do Sars-CoV-2 no Brasil
O país sequenciou cerca de 2,2 mil genomas até o momento, o que corresponde a apenas 0,02% de todos os 7,6 milhões de casos confirmados da doença no território
Com a identificação de uma quantidade cada vez maior de linhagens de mutações do vírus Sars-CoV-2, causador da Covid-19, no Brasil e no mundo, aumentam as preocupações com relação à periculosidade da doença e à eficácia da vacina. Especialistas afirmam que a população não deve ter medo e garantem que os imunizantes seguem seguros.
Estudos preliminares indicam que algumas cepas, como a identificada dias antes do Natal no Reino Unido (B117) – e detectada no Brasil nessa quinta-feira (31) –, podem ser mais contagiosas, mas não necessariamente mais perigosas, letais ou resistentes à vacinação.
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Em entrevista à CNN, Paola Cristina Resende, pesquisadora em Saúde Pública do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pontuou que o surgimento dessas variações não pode ser algo que assuste a população.
“Não há indícios de que as cepas circulantes irão permitir o escape da resposta imune.”
Mas para chegar a essas conclusões, é preciso estudar o vírus e sua estrutura. Para isso, os pesquisadores realizam um sequenciamento genético dos genomas do novo coronavírus e mapeiam o surgimento de mutações.
Compartilhamento de informações
Resende conta que o laboratório da Fiocruz é uma referência para o Ministério da Saúde e para a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), um braço da Organização Mundial de Saúde (OMS) nas Américas, e que o local já analisava de forma semelhante os vírus Influenza (da gripe).
“Todos os anos, por volta de agosto, reportamos ao Ministério da Saúde e à OMS as cepas da Influenza que circulam pelo país”, disse ela.
“Com a Covid-19, nosso laboratório começou a se articular. Temos outros dois centros que também fazem sequenciamento de genoma, os institutos Evandro Chagas, em Belém, e Adolfo Lutz, em São Paulo.”
Um grande aliado dos pesquisadores do mundo todo nesse trabalho é a Iniciativa Global de Compartilhamento de Todos os Dados de Influenza (Gisaid, em inglês), uma plataforma de compartilhamento de informações genômicas sobre alguns vírus, como Influenza e Sars-CoV-2.
A Fiocruz passou a integrar a iniciativa no final de setembro. Na época, mais de 125 mil sequências genômicas virais do novo coronavírus já haviam sido compartilhadas na Gisaid.
Ranking de sequenciamento
As variações do SARS-CoV-2 são classificadas em linhagens conforme as diferenças que apresentam no material genético.
De acordo com o Centro Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (Cadde, em inglês), foram detectadas mais de 800 linhagens desde o início da pandemia em todo o mundo.
Por aqui, foram identificadas 48 linhagens provenientes de diversas partes do globo, principalmente da Europa.
Mas como o número de análises é muito pequeno em relação ao total de pacientes infectados, pode haver mais mutações do que se sabe circulando entre a população brasileira.
O Reino Unido é um dos líderes no sequenciamento de genomas. O país, que conta com mais de 2,4 milhões de casos confirmados de Covid-19, já sequenciou cerca de 157,4 mil amostras, informou o Consórcio de Genômica de Covid-19 do Reino Unido (COG-UK).
O valor corresponde a cerca de metade dos sequenciamentos realizados em todo o mundo, segundo a rede britânica BBC.
O Brasil, por sua vez, sequenciou cerca de 2,2 mil genomas até o momento, informou Resende – o que corresponde a quase 1,4% dos sequenciamentos feitos pelos britânicos e a apenas 0,02% de todos os 7,6 milhões de casos confirmados da doença no território brasileiro.
Um levantamento feito pelo jornal norte-americano The Washington Post e divulgado na semana passada (com base nos dados da Universidade de Medicina Johns Hopkins obtidos na ocasião) mostra que a Austrália é o país que sequenciou mais genomas em relação ao número de casos de Covid-19 registrados no país: 58,6% dos 28,3 mil diagnósticos positivos da doença.
O Reino Unido estaria em oitavo lugar, sequenciando 7,4% dos 2,1 milhões de casos, e os EUA, em 43º, sequenciando 0,3% dos 18,2 milhões de casos.
Importância do sequenciamento
Especialistas ressaltam que é importante seguir com os sequenciamentos, e quanto mais deles forem feitos, mais detalhes se terá sobre o vírus.
Além de poder identificar as mutações, sequenciar esse material permite ter mais conhecimento sobre as rotas de circulação do vírus nos países, por exemplo.
O diretor médico da rede de medicina diagnóstica Dasa, Gustavo Campana, exemplifica a importância desse trabalho ao citar o caso da variante do Reino Unido que foi detectada em São Paulo nessa quinta-feira (31).
Ele explica que, após as primeiras análises das amostras colhidas, os pesquisadores identificaram que duas delas apresentaram uma alteração relacionada ao gene S (proteína spike), o qual o vírus utiliza para infectar células humanas, o que levantou suspeitas dos cientistas.
Diante disso, a Dasa, que faz parceria com o Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-USP), realizou o sequenciamento completo e comprovou a presença da mutação.
Das 400 amostras do exame RT-PCR de saliva analisadas, 2 delas apresentaram a variante. Um desses pacientes teve sintomas da doença e não viajou ao exterior, porém teve contato com parentes que estiveram no Reino Unido.
“Sequenciamos por completo o vírus e comparamos o dado genético com as linhagens já identificadas. Verificamos que era igual à linhagem do Reino Unido”, afirmou Campana à CNN.
“Agora estamos cultivando o vírus no IMT para fazer exames e determinar os impactos, fazer testes de sorologia para verificar como o vírus vai se comportar e entender se ele pode apresentar perda de sensibilidade no diagnóstico, que é o chamado falso negativo.”
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Dados de institutos britânicos mostram que a variante apresenta um aumento de 0,4 no índice de transmissibilidade.
“Até agora foram identificadas 23 mutações nessa linhagem, 8 delas no gene S. Essa variante tem uma afinidade maior à célula, como se ela conseguisse intensificar a entrada na célula. Com isso, o vírus se replica mais, mas não significa que ele seja mais perigoso”, explicou Campana.
“Pode haver outras dessas linhagens circulando por aqui, mas [para comprovar] é preciso fazer o sequenciamento”, disse o diretor.
Segundo ele, a Dasa realizou mais de 2 milhões de testes de diagnósticos em pacientes e, até agora, só encontrou mutações em 2 deles.
Amostras de qualidade
Aqui no Brasil, outro instituto que também realiza o sequenciamento é o Laboratório de Bioinformática (Labinfo) do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
Na semana passada, pesquisadores do grupo identificaram uma outra variante (B1128) caracterizada por até cinco mutações.
A análise foi feita a partir do sequenciamento genético de 180 genomas do Sars-CoV-2 provenientes de amostras do estado do Rio de Janeiro. Desse total, 38 apresentaram a mutação.
Para fazer o sequenciamento, os centros especializados recebem as amostras de hospitais e enviam uma porcentagem delas para os laboratórios. Mas para que os genomas sejam sequenciados, essas amostras precisam ser de qualidade.
À CNN, Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos, pesquisadora do LNCC e responsável pelo Labinfo, afirmou que apesar do trabalho contínuo, a quantidade de genomas sequenciados no Brasil ainda é pequena.
“É preciso sequenciar em várias regiões do Brasil e identificar as mutações que estão acontecendo no vírus”, disse ela.
Vasconcelos afirmou que também é necessário conduzir ensaios em laboratório para ver se o vírus está mais agressivo, analisar se a taxa de replicação dele está mais alta e acompanhar os próprios pacientes infectados.