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    Como as mudanças climáticas afetam as pandemias

    Pesquisas mostram que anomalias no clima em 1918 podem ter contribuído com a pandemia da gripe espanhola, e que esses padrões podem se repetir na pandemia atual

    Soldados afetados pela gripe espanhola em hospital no estado do Kansas, EUA, em 1918
    Soldados afetados pela gripe espanhola em hospital no estado do Kansas, EUA, em 1918 Foto: Divulgação/US National Museum of Health

    Lauren Kent, da CNN

    Diversos cientistas estudaram como o espalhamento da gripe espanhola em 1918 se tornou a pandemia mais mortal da história e quais intervenções funcionaram, pesquisas que têm se tornado cada vez mais relevantes durante a crise atual do coronavírus. 

    Mas poucas pesquisas haviam sido feitas sobre como as condições do meio ambiente afetaram a pandemia em 1918 — até agora.

    A gripe espanhola coincidiu com os últimos anos da Primeira Guerra Mundial, e foi amplamente documentado que chuvas intensas e temperaturas baixas impactaram muitas batalhas. Agora, um novo estudo revela que a temperatura fria e chuvosa foi parte de uma anomalia climática que ocorre aproximadamente uma vez por século, e foi registrada entre 1914 e 1919, e contribuiu para a severidade da pandemia em 1918.

    “Nós sabíamos antes, é claro, por fotos e testemunhas, que os campos de batalha na Europa eram muito lamacentos e chuvosos, e os soldados morriam de toda sorte de exposição, até mesmo afogamento na lama. A novidade é o fato de que havia uma anormalidade climática por seis anos e não apenas em uma ou duas instâncias”, disse o líder da pesquisa Alexander More, um pesquisador associado ao departamento de História da  Harvard University e professor assistente no Instituto de Mudanças Climáticas na Universidade do Maine.

    Um time de vários cientistas coletou e analisou um registro no gelo dos Alpes para reconstruir as condições ambientais da Europa durante a Primeira Guerra. O processo envolveu o uso de um laser que derrete uma pequena parte da superfície congelada e a análise dos químicos liberados por cada camada de vapor. É uma técnica tão precisa que pode apontar as temporadas exatas de cada camada de gelo.

    Pesquisadores então compararam os dados do gelo com registros históricos de mortes durante o período e de chuvas e temperaturas de cada mês.

    Os pesquisadores descobriram que a persistência do frio e da umidade no clima durante os invernos de 1915, 1916 e 1918 foram causadas por lufadas intensas de ventos do Atlântico Norte. As mortes na Europa atingiram o pico três vezes durante a Guerra, e todas as vezes ocorreram durante ou pouco depois de grandes chuvas e temperaturas frias, de acordo com o estudo.

    “A chuva basicamente se equipara a quantas pessoas morreram. Há uma alta dupla no outono europeu de 1918, que é quando a segunda e mais letal onda da gripe espanhola aconteceu”, disse More. “Então é claro que estamos olhando para a segunda onda de Covid-19 agora e o que irá acontecer… isso é um aviso do que pode vir a ser.

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    O estudo também mostra que essa anomalia atmosférica pode ter alterado o padrão migratório de várias espécies de pássaros durante os anos da Guerra, incluindo dos patos-reais, que são os principais hospedeiros do vírus que causa a gripe H1N1.

    Isso significa que mais patos-reais permaneceram na Europa, onde podiam continuar a transmitir a gripe para os humanos através de água contaminada pelos dejetos dos animais.

    “É interessante pensar que cada chuva intensa pode ter acelerado o contágio do vírus”, disse Philip Landrigan, diretor do Programa de Saúde Pública da Boston College, que não está ligada ao novo estudo.

    “Uma das coisas que aprendemos na pandemia da Covid-19 é que o vírus tende a continuar ativo por mais tempo no ar úmido do que no ar seco. Faz sentido que o ar da Europa estivesse carregado de umidade durante os anos da Primeira Guerra Mundial, e a transmissão do vírus pode ter sido acelerada.”

    Mudanças climáticas e a Covid-19

    Profissionais de saúde em posto de coleta para testes da Covid-19
    Profissionais de saúde em posto de coleta para testes da Covid-19
    Foto: Raquel Portugal/Fiocruz (22.mai.2020)

    A pesquisa sobre 1918 tem estranhas similaridades com a crise atual, pois muitos lugares do mundo parecem estar entrando em uma nova onda da Covid-19, ou se mantendo em uma primeira onda prolongada do vírus.

    Não somente muitos lugares do Hemisfério Norte estão começando a ver dias menos quentes e ensolarados, na transição para o outono, mas também outras partes do planeta começam a sentir impactos das mudanças climáticas. Por exemplo, o Atlântico está enfrentando uma de suas temporadas mais intensas de furacões já registrada.

    “É a convergência de duas crises importantes da humanidade — as mudanças climáticas causadas pelo homem e uma doença infecciosa”, disse More. “Com certeza as alterações no clima vão afetar as probabilidades de surtos de doenças infecciosas. Já aconteceu no passado e acontecerá no futuro.”

    De acordo com More, os mesmos padrões criados por anomalias no clima que afetaram a severidade e o espalhamento da pandemia da gripe espanhola em 1918 estão acontecendo agora. E a Covid-19 não é a única doença impactada pelas mudanças climáticas. 

    “Muitas outras epidemias recorrentes são afetadas pelo clima e especialmente pelas mudanças climáticas causadas pelo homem. Por exemplo, a zika e a dengue são transmitidas por mosquitos, e agora esses insetos estão chegando em lugares em que nunca alcançaram”, ele disse. “O mesmo pode ser dito sobre outras bactérias e doenças pelo mundo”.

    Em um ano sem precedentes, que aparenta trazer uma crise após a outra, estudiosos do clima afirmam que é importante observar as conexões entre elas. Problemas relacionados ao clima, como temperaturas extremas, tempestades, incêndios florestais e o desabrigamento causados por desastres naturais podem criar condições adversas que facilitam a transmissão de doenças infecciosas. 

    “Não há dúvidas que as questões estão conectadas”, disse More, adicionando que mais pesquisas interdisciplinares são necessárias para entender o elo entre as mudanças climáticas e as pandemias.

    (Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).