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    CNN Sinais Vitais

    Cuidados paliativos: princípios, como funciona e como é a experiência

    Área da medicina tem como objetivo oferecer conforto, qualidade de vida e alívio do sofrimento a pacientes com doenças que ameaçam a continuidade de suas vidas

    Da CNN

    Adriana Farias e Lucas Rocha, da CNN, em São Paulo

    A medicina tem uma área específica com objetivo de oferecer conforto, qualidade de vida e alívio do sofrimento aos pacientes que recebem um diagnóstico que ameaça a continuidade de suas existências: os cuidados paliativos.

    Essa área busca amenizar impactos físicos, emocionais, sociais e até mesmo espirituais a partir do trabalho de equipes de saúde multidisciplinares.

    Além de oferecer suporte aos pacientes, a prática busca apoiar familiares durante o tratamento da doença e também no processo de luto, auxiliando com informações para lidar com esse momento.

    Entenda o conceito, como funcionam esses cuidados e o cenário da prática no Brasil.

    O que são cuidados paliativos?

    Os cuidados paliativos são um conjunto de práticas assistenciais na medicina, que trazem uma abordagem focada na melhora da qualidade de vida para pacientes com doenças que ameaçam a vida.

    Conhecido também como paliativismo, o conceito visa aliviar sintomas físicos, cuidar da saúde mental e oferecer apoio para pacientes e familiares.

    Para isso, conta com o auxílio de uma equipe multidisciplinar, composta por profissionais como fisioterapeutas, nutricionistas, enfermeiros e psicológicos.

    “É uma forma de olhar o indivíduo como um todo, entender que existe ali uma pessoa com toda uma história que antecede, inclusive, o processo de adoecimento”, explica Lucas Andrade, médico cardiologista e diretor da Clínica Florence, de Salvador.

    “De fazer um cuidado voltado para oferecer uma melhor qualidade de vida para essa pessoa e um fim de vida com mais dignidade”, continua o médico.

    Confira a entrevista completa do especialista ao CNN Sinais Vitais:

    Hospice é a mesma coisa que cuidados paliativos?

    Hospice e paliativismo estão relacionados, mas são termos diferentes. Hospice é o nome da filosofia que permeia o cuidado paliativo, normalmente relacionado a locais físicos que oferecem esse tipo de tratamento.

    Ou seja, é um conceito mais amplo, considerado um movimento social que, segundo artigo publicado pela Scimago Institutions Ranking, teve início no Reino Unido no final da década de 1960.

    No Brasil, o movimento chegou em 1944 no Rio de Janeiro, trazendo o desenvolvimento de espaços destinados aos cuidados específicos a pacientes paliativos.

    Quais são os princípios dos cuidados paliativos?

    Princípios dos cuidados paliativos
    Princípios dos cuidados paliativos / Imagem: Pexels/Matthias Zomer

    Definidos pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e publicados no Manual de Cuidados Paliativos, divulgado pela ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos), os princípios desse tipo de atendimento são:

    • promover o alívio da dor;
    • não acelerar ou adiar a morte;
    • deve ser iniciado o mais rápido possível;
    • oferecer suporte aos familiares durante a doença e o luto;
    • integrar perspectivas psicológicas e espirituais nos cuidados;
    • afirmar a vida e também considerar a morte um processo natural;
    • melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença;
    • oferecer suporte para que o paciente possa viver tão ativamente quanto possível;
    • abordagem multiprofissional com foco nas necessidades do paciente e familiares.

    Segundo o médico intensivista e paliativista Daniel Neves Forte, o cuidado paliativo não busca cuidar da morte, mas da vida.

    “As pessoas não querem morrer, elas querem viver bem. Acho que é isso que o cuidado paliativo busca: cuidar da vida, e vida só é vida porque tem morte”, diz.

    Como os cuidados paliativos funcionam?

    Na prática, existem uma série de cuidados, mas a equipe multidisciplinar é a responsável por definir o tipo de abordagem para cada paciente paliativo, de acordo com as necessidades e o quadro individual.

    Em geral, os tipos de suporte incluem as práticas abaixo.

    Controle dos sintomas

    Uma das principais formas de suporte é o alívio dos sintomas. Após avaliação do quadro, a equipe identifica o que afeta o paciente e, com isso, define opções para amenizar dores ou sinais físicos e psicológicos, como ansiedade e depressão.

    Esse planejamento é realizado em conjunto com o paciente e os familiares, com o objetivo de oferecer conforto e bem-estar.

    “No caso de um paciente com muitas dores por conta de um câncer, por exemplo, temos muitos caminhos para aliviar o sofrimento em paralelo ao tratamento da doença”, destaca a médica geriatra Ana Claudia Quintana.

    “Você vai ver um paciente que tem condição de superar todas as adversidades do tratamento e alcançar um tempo de vida muito maior do que se ele não tivesse esse cuidado”, completa.

    Ana também é autora do bestseller “A morte é um dia que vale a pena viver”.

    Home care e internação

    Home care é uma modalidade do tratamento realizada na casa do paciente e pode trazer alguns benefícios em relação aos cuidados, conforme elenca o manual desenvolvido pela ANCP.

    Entre essas vantagens estão a sensação de proteção e conforto, a autonomia e o atendimento das necessidades de cada paciente de acordo com suas preferências.

    No entanto, o manual destaca que as situações devem ser avaliadas de forma individual para entender os prós e contras de realizar o acompanhamento no ambiente domiciliar.

    Em alguns casos, os cuidados precisam ser feitos no hospital ou em Hospices. Nessas situações, a equipe multidisciplinar acompanha o processo de internação.

    Cuidado espiritual

    Segundo o manual da ANCP, a definição de espiritualidade se refere ao modo como as pessoas buscam e expressam sentido, assim como a maneira que elas experimentam a conexão com si, com o momento, com os outros e o sagrado.

    Tratamentos paliativos
    Tratamentos paliativos / Imagem: Pexels/ Kaique Rocha

    O Manual destaca que essa abordagem deve ser realizada no início do acompanhamento e que a equipe deve estar preparada para aceitar diferentes valores religiosos, respeitando e incentivando o paciente a entrar em contato com sua espiritualidade.

    Reuniões familiares

    As reuniões, realizadas entre a equipe multidisciplinar, o paciente e seus familiares, têm como objetivo fornecer uma visão atualizada do quadro e dos cuidados realizados.

    Esse também é um momento de acolhimento dos sentimentos e das dúvidas, bem como de compartilhamento de informações sobre o processo de lidar com a finitude da vida.

    Onde os cuidados paliativos são realizados?

    O paciente em cuidados paliativos pode ser atendido em diferentes locais, conforme suas necessidades, preferências e possibilidades.

    No manual publicado pela ANCP, existem três opções: o home care, o atendimento hospitalar e os hospices. Conheça as características de cada um.

    Em casa

    Para o atendimento domiciliar, o manual destaca a necessidade de uma política de medicamentos bem controlada, equipe preparada para o home care e um sistema de comunicação 24 horas para situações de emergência.

    Além disso, as visitas em caso de internações em domicílio devem ser realizadas diariamente pelos profissionais de enfermagem para acompanhamento do quadro.

    No hospital

    Os cuidados também podem ser realizados nos hospitais. Nesses casos, o manual esclarece que existem unidades ambulatoriais específicas para esse tipo de atendimento.

    Além da equipe multidisciplinar, o espaço também pode oferecer salas para as reuniões familiares, consultórios e local para realização de procedimentos básicos, que devem ser acessíveis para locomoção de pacientes em cadeira de rodas e macas.

    Em casas de repouso

    As casas de repouso, nursing homes ou hospices são outra opção de local para atendimento paliativo. Esses são espaços desenvolvidos especialmente para essa finalidade.

    Segundo o manual, as hospedarias costumam receber pacientes que poderiam optar pelos cuidados domiciliares, mas não podem por algum motivo, como falta de cuidador ou dependência de auxílio.

    Esses locais oferecem toda a infraestrutura necessária para aplicação dos tratamentos paliativos, desde a equipe médica especializada até insumos e medicamentos.

    A experiência de familiares com pacientes paliativos

    O CNN Sinais Vitais acompanhou os cuidados para pacientes paliativos em dois serviços de saúde, um público e outro privado.

    Na rede do Sistema Único de Saúde (SUS), a imersão foi no Hospital do Câncer IV, que é a unidade de Cuidados Paliativos do Instituto Nacional do Câncer (INCA), no Rio de Janeiro.

    Lá, a equipe mostra as modalidades de internação e atendimento domiciliar e a experiência pessoal com o tema de Ana Cristina Pinho, diretora-geral da instituição.

    O marido de Ana Cristina, médico anestesista do INCA, morreu em casa recebendo esse tipo de tratamento. Do diagnóstico de câncer de pulmão, em 2014, até a morte, decorreu um ano.

    A médica conta que foi realizada a tentativa de tratamento, mas a doença evoluiu. “Nós demos tudo o que podíamos dar, principalmente muito amor, muito afeto, muito respeito, muita dignidade”, compartilha Ana.

    “Inclusive, deixá-lo até o último momento perto da gente, ouvindo as músicas que ele gostava de ouvir, comendo enquanto ele conseguia comer, tomando sorvete de chocolate, ter o prazer até quando fosse possível. Essa é aplicação prática do conceito de cuidado paliativo”, conta.

    Paciente em cuidados paliativos
    Paciente em cuidados paliativos / Imagem: Pexels/Sena Yıldırım

    Na rede particular, a equipe apresenta a primeira unidade no Brasil criada exclusivamente para pacientes em fim de vida.

    Na Clínica Florence, em Salvador, as irmãs Quézia e Rebeca vivenciaram a perda da mãe, Maria Lícia, em 2019, por conta de um câncer de pulmão com metástase no cérebro.

    Elas alertam para a importância da união entre o tratamento convencional e o paliativismo.

    “A gente teve uma despedida digna, uma família acolhida e a dor amenizada”, relata Quézia, que tira da bolsa cor-de-rosa o livro da médica geriatra Ana Claudia Quintana e lê um trecho para a equipe.

    “Para estar ao lado de alguém que está morrendo, precisamos saber como ajudar a pessoa a viver até o dia em que a morte dela chegar. Apesar de muitos escolherem viver de um jeito morto, todos têm o direito de morrer vivos”, compartilha.

    “Quando chegar a minha vez, quero terminar minha vida de um jeito bom, quero estar viva nesse dia. E minha mãe estava viva nesse dia”.

    “E na piscina de bolinhas”, complementa a irmã Rebeca.

    A bancária Maria Lícia faleceu no dia 25 de julho de 2019 realizando um sonho: ao lado da família, dos amigos e dos médicos que possibilitaram a divertida imersão dela em bolinhas coloridas de plástico.

    Para o filósofo Mario Sergio Cortella, também um dos entrevistados do episódio, esse é o universo do paliativismo: quando o paciente está no cerne do cuidado, em que se respeita e se entende sua biografia.

    “Vou usar a expressão de um médico mineiro, Guimarães Rosa, a pessoa que sabe que há momentos em que a vida parece um grande sertão, mas tem veredas, e essas veredas são, em larga escala, aquilo que cabe aos cuidados paliativos”.

    Como é o cenário de cuidados paliativos no Brasil?

    Apesar de ser um tratamento fundamental, o tratamento paliativo ainda não é uma realidade difundida e com acesso para a população brasileira.

    Segundo o Atlas 2019 produzido pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos, o Brasil possui cerca de 2.500 hospitais com mais de 50 leitos cada, porém apenas 5% deles disponibilizam uma equipe especializada em paliativismo.

    Quando se trata da modalidade de Hospice, existem apenas 12 instituições do tipo em todo o país – uma das principais localizada no INCA, no Rio de Janeiro, de acordo com o artigo publicado pela Scimago Institutions Ranking.

    O Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) em parceria com o Hospital Sírio-Libanês atuam em um projeto nacional para implementação desse tipo de atendimento na rede pública.

    Entre os anos de 2021 e 2023, serão realizados treinamentos e implementação de protocolos da área em um conjunto de serviços do SUS (um hospital, um ambulatório de especialidades e um atendimento domiciliar) em cada um dos 27 estados brasileiros.