Cientistas criam “dieta da saúde planetária” que pode salvar vidas e o planeta
Regime sustentável conta com uma série de estratégias que incluem mudanças na alimentação, melhoria na produção de alimentos, mudanças tecnológicas e redução do desperdício de comida
Uma equipe internacional de cientistas desenvolveu uma dieta que, segundo eles, pode melhorar a saúde e garantir a produção sustentável de alimentos para reduzir ainda mais os danos ao planeta.
A “dieta de saúde planetária” baseia-se em cortar o consumo de carne vermelha e açúcar pela metade e aumentar a ingestão de frutas, legumes e nozes.
O relatório do estudo, publicado na revista científica The Lancet, mostra que o regime pode prevenir até 11,6 milhões de mortes prematuras sem prejudicar o planeta.
Os autores alertam que é necessária uma mudança global na dieta e na produção de alimentos, já que 3 bilhões de pessoas em todo o mundo estão desnutridas — o que inclui aqueles que estão sub e supernutridos — enquanto a produção de alimentos está ultrapassando as metas ambientais, causando mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição.
A população mundial deverá atingir 10 bilhões de pessoas em 2050, e o crescimento, somado a nossa dieta atual e hábitos de produção de alimentos, “exacerbarão os riscos para as pessoas e o planeta”, dizem os autores.
“Os riscos são muito altos”, avalia o Dr. Richard Horton, editor-chefe do The Lancet, sobre as descobertas do relatório, observando que um bilhão de pessoas vivem com fome e outras duas bilhões comem muito dos alimentos errados.
Horton acredita que “a nutrição ainda não conseguiu obter o tipo de atenção política que é dada a doenças como Aids, tuberculose e malária”.
“Usando as melhores evidências disponíveis” de estudos de alimentação controlada, ensaios randomizados e grandes estudos de corte, os autores apresentaram uma nova recomendação, explicou o Dr. Walter Willett, principal autor do artigo e professor de epidemiologia e nutrição na escola de saúde pública de Harvard.
O relatório sugere cinco estratégias para garantir que as pessoas possam mudar suas dietas e não prejudicar o planeta ao fazê-lo: incentivar as pessoas a comer de forma mais saudável, mudar a produção global para culturas variadas, intensificar a agricultura de forma sustentável, regras mais rígidas sobre as políticas dos oceanos e terras e reduzir desperdício de comida.
A “dieta da saúde planetária”
Para possibilitar uma população global saudável, a equipe de cientistas criou uma dieta de referência global, que eles chamam de “dieta de saúde planetária”, que é um plano alimentar diário ideal para pessoas com mais de dois anos, que eles acreditam que ajudará a reduzir doenças crônicas como doença cardíaca coronária, acidente vascular cerebral e diabetes, bem como a degradação ambiental.
A dieta divide a ingestão diária ideal de grãos integrais, vegetais ricos em amido, frutas, laticínios, proteínas, gorduras e açúcares, representando uma ingestão diária total de 2.500 calorias.
Eles reconhecem a dificuldade da tarefa, que exigirá mudanças “substanciais” na dieta em nível global, necessitando que o consumo de alimentos como carne vermelha e açúcar diminua em mais de 50%. Por sua vez, o consumo de nozes, frutas, verduras e legumes deve aumentar mais de duas vezes, diz o relatório.
A dieta aconselha as pessoas a consumirem 2.500 calorias por dia, o que é um pouco mais do que as pessoas estão comendo hoje, afirmou Willett. As pessoas devem comer uma “variedade de alimentos à base de plantas, baixas quantidades de alimentos de origem animal, gorduras insaturadas em vez de saturadas e poucos grãos refinados, alimentos altamente processados e açúcares adicionados”, disse ele.
As diferenças regionais também são importantes. Por exemplo, os países da América do Norte comem quase 6,5 vezes a quantidade recomendada de carne vermelha, enquanto os países do sul da Ásia comem 1,5 vezes a quantidade necessária de vegetais ricos em amido.
“Quase todas as regiões do mundo estão excedendo substancialmente” os níveis recomendados de carne vermelha, disse o professor de Harvard.
Os benefícios para a saúde e o meio ambiente com mudanças na dieta como essas são conhecidos, “mas, até agora, o desafio de obter dietas saudáveis a partir de um sistema alimentar sustentável foi dificultado pela falta de diretrizes baseadas na ciência”, pontuou Howard Frumkin, chefe do departamento biomédico do Reino Unido.
“A pesquisa fornece aos governos, produtores e indivíduos um ponto de partida baseado em evidências para trabalhar juntos para transformar nossos sistemas e culturas alimentares”, disse ele.
Se a nova dieta fosse adotada globalmente, 10,9 a 11,6 milhões de mortes prematuras poderiam ser evitadas todos os anos — o que equivale de 19% a 23,6% das mortes de adultos. A redução do sódio e o aumento de grãos integrais, nozes, vegetais e frutas foram os que mais contribuíram para a prevenção de mortes, segundo um dos modelos do relatório.
Fazendo acontecer
Alguns cientistas são céticos quanto à possibilidade de mudar a população global para essa dieta.
A dieta recomendada “é um choque”, em termos de quão viável é e como deve ser implementada, disse Alan Dangour, professor de alimentação e nutrição para a saúde global da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.
O que “imediatamente torna a implementação bastante difícil” é o fato de que departamentos intergovernamentais precisam trabalhar juntos, disse ele. Dangour não estava envolvido na produção do relatório.
No nível atual de produção de alimentos, a “dieta da saúde planetária” não é alcançável, disse Modi Mwatsama, líder científico sênior de sistemas alimentares, nutrição e saúde do Instituto Wellcome Trust.
Alguns países não são capazes de cultivar alimentos suficientes porque podem, por exemplo, carecer de culturas resistentes, enquanto em outros países, alimentos não saudáveis são fortemente promovidos, disse ela.
Mwatsama acrescentou que, a menos que haja mudanças estruturais, como subsídios que se afastem da produção de carne e mudanças ambientais, além de limites de quanto fertilizante pode ser usado, “não veremos as pessoas atingindo essa meta”.
Para permitir que as populações sigam a dieta de referência, o relatório sugere cinco estratégias, das quais os subsídios são uma opção.
Estes se enquadram em uma recomendação para garantir a boa política dos sistemas terrestres e oceânicos, por exemplo, proibindo o desmatamento e removendo os subsídios à pesca mundial, pois levam ao excesso de capacidade da frota pesqueira global.
Em segundo lugar, o relatório descreve ainda estratégias como incentivar os agricultores a mudar a produção de alimentos de grandes quantidades de algumas culturas para a produção diversificada de culturas nutritivas.
A alimentação saudável também deve ser mais acessível, e grupos de baixa renda devem ser ajudados com proteções sociais para evitar uma nutrição inadequada contínua, sugerem os autores, e as pessoas devem ser incentivadas a comer de forma saudável por meio de campanhas de informação.
Uma quarta estratégia sugere que, quando a agricultura é intensificada, deve-se considerar as condições locais para garantir as melhores práticas agrícolas para uma região, produzindo assim as melhores colheitas.
Por fim, a equipe sugere reduzir o desperdício de alimentos, melhorando o planejamento da colheita e o acesso ao mercado em países de baixa e média renda, enquanto melhora os hábitos de compra dos consumidores em países de alta renda.
Louise Manning, professora de resiliência agroalimentar e da cadeia de suprimentos da Royal Agricultural University, disse que cumprir a meta de redução do desperdício de alimentos é uma “coisa muito difícil de alcançar” porque exigiria que governo, comunidades e famílias individuais se unissem.
No entanto, “isso pode ser feito”, disse Manning, que não esteve envolvida no relatório, observando a reversão do uso de plástico em países como o Reino Unido.
A saúde do planeta
O Acordo Climático de Paris de 2015 visava limitar o aquecimento global a 2ºC acima dos níveis pré-industriais. Atingir esse objetivo não é mais apenas descarbonizar os sistemas de energia reduzindo os combustíveis fósseis, mas também uma transição alimentar, disse Johan Rockström, professor de ciências ambientais do Centro de Resiliência e Sustentabilidade da Universidade de Estocolmo, na Suécia, que co-liderou o estudo.
“Isso é urgente”, disse ele. Sem adaptação global da dieta de referência, o mundo “não terá sucesso com o Acordo Climático de Paris”.
Um sistema de produção de alimentos sustentável requer que as emissões de gases não-estufa, como metano e óxido nitroso, sejam limitadas, mas o metano é produzido durante a digestão do gado, enquanto os óxidos nitrosos são liberados das terras agrícolas e pastagens.
No entanto, os autores acreditam que essas emissões são inevitáveis para fornecer alimentos saudáveis para 10 bilhões de pessoas. Eles destacam que a descarbonização do sistema energético mundial deve progredir mais rápido do que o previsto para acomodar isso.
No geral, garantir uma população e um planeta saudáveis requer a combinação de todas as estratégias, conclui o relatório — grandes mudanças na dieta, melhoria na produção de alimentos e mudanças tecnológicas, bem como redução do desperdício de alimentos.
“Projetar e operacionalizar sistemas alimentares sustentáveis que possam fornecer dietas saudáveis para uma população mundial crescente e mais rica apresenta um desafio formidável. Nada menos do que uma nova revolução agrícola global”, disse Rockström, acrescentando que “as soluções existem”.
“Trata-se de mudança comportamental. Trata-se de tecnologias. Trata-se de políticas. Trata-se de regulamentos. Mas sabemos como fazer isso” conclui o cientista.