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    Alucinações e sonambulismo: veja os riscos do uso indevido do Zolpidem

    Medicamento não deve ser prescrito por um longo prazo e apresenta riscos se usado sem seguir as recomendações médicas

    Segundo estudo, dormir pouco pode aumentar risco de desenvolver diabetes tipo 2
    Segundo estudo, dormir pouco pode aumentar risco de desenvolver diabetes tipo 2 Foto: Ems Forster Productions/Getty Images

    Fernanda Pinottida CNN

    em São Paulo

    Por volta de seus 15 anos, Manuela Belardi, de 26 anos, estava viajando com uma amiga na praia. As duas já estavam deitadas, mas seguiam conversando, até que sua amiga pergunta confusa: “Manu, você tá rindo ou tá chorando?”.

    Ela não entendeu bem a pergunta da amiga e decidiu levantar da cama para tomar água. Já na cozinha, se lembra de ter derrubado água no chão e decidido escrever um bilhete avisando para tomar cuidado com o chão molhado. Olhou pela janela e viu um tigre passando na rua do condomínio.

    “Aí nisso eu percebi que o Zolpidem não tinha batido muito bem. Percebi que eu estava alucinando mesmo”, conta Manuela. “Eu não tinha nem derrubado água nenhuma e óbvio que não passou nenhum tigre.”

    Mudar os móveis de lugar, mandar mensagens de texto sem pé nem cabeça, fazer compras absurdas pela Internet, decidir cozinhar uma refeição completa no meio da madrugada e até mesmo ver um tigre atravessando a rua são só algumas das “histórias de Zolpidem” relatadas por quem toma o medicamento indicado no combate à insônia.

    O Zolpidem é um medicamento da família dos hipnóticos, que age no organismo induzindo o sono e deve ser usado apenas por um curto prazo de tempo.

    As vendas do medicamento cresceram no Brasil, principalmente durante a pandemia de Covid-19 — momento no qual os quadros de ansiedade e depressão, que apresentam a insônia como um dos sintomas, também dispararam.

    Em 2018, a Anvisa (Agência Nacional da Vigilância Sanitária) estima que tenham sido vendidas 13,1 milhões de caixas de Zolpidem no Brasil. Já em 2022, a estimativa disparou para 21,9 milhões de caixas, um aumento de 67% nas vendas.

    “Houve um aumento significativo no número de usuários no último ano, e mais significativo no Brasil se comparado com o resto do mundo. A gente pode dizer que o consumo aumentou quase em uma progressão geométrica. [Os médicos] passaram a prescrever devido à falsa sensação de segurança, de que não geraria dependência ou abuso”, diz Dalva Poyares, pesquisadora do Instituto do Sono, à CNN.

    De acordo com a pesquisadora, não apenas o acesso ao medicamento aumentou após a onda de prescrições, como também, principalmente, aumentou a “prescrição não monitorada”, facilitando a ocorrência de efeitos colaterais como sonambulismo, apagões de memória, alucinações, entre outros.

    Sono imediato

    Para Elton Kanomata, psiquiatra do Hospital Albert Einstein, uma das razões para o crescimento no uso do medicamento é o seu efeito quase imediato em induzir o sono: uma forma de contornar a insônia sem tentar contornar questões comportamentais, como hábitos e rotinas que possam contribuir com uma noite mal dormida.

    Por isso, seu uso é mais indicado para aqueles com insônia ocasional ou transitória.

    “Para aquelas pessoas com insônia crônica, ou seja, de longa data, [Zolpidem] pode até ser utilizado inicialmente, mas o uso não é recomendado por mais de um mês. Isso exatamente por entender que nesses casos seria necessário um tipo de tratamento que envolva mudanças comportamentais, que seria o padrão ouro para tratamento de insônia crônica”, afirma Kanomata à CNN.

    Poyares concorda. “Muitas vezes as pessoas querem dormir correndo e dormir não é algo que se faz correndo.”

    Segundo Kanomata, a prescrição do remédio por mais de um mês não é adequada, pois apresenta risco de dependência.

    O paciente vai se tornando cada vez mais resistente ao medicamento e decide, por conta própria, tomar doses maiores do que as recomendadas para tentar atingir o mesmo efeito.

    O uso indiscriminado do remédio pelos pacientes, sem seguir as orientações médicas, está entre os fatores que podem desencadear alguns dos efeitos colaterais mais comuns e preocupantes da classe médica em relação ao Zolpidem.

    Efeitos colaterais

    Dentre os possíveis efeitos colaterais do Zolpidem estão o sonambulismo, as alucinações e a amnésia — que também pode ser definida como um apagão, no qual o indivíduo não se lembra de nada depois de tomar o remédio, mas continua interagindo com o mundo e pode apresentar um comportamento estranho ou incomum.

    São esses os principais efeitos responsáveis pelas inúmeras “histórias de Zolpidem” que invadem as redes sociais ocasionalmente e que podem até parecer engraçadas, mas são evidências do uso descontrolado do remédio sem acompanhamento e sem seguir as recomendações médicas.

    “A orientação que nós damos aos nossos pacientes é que a pessoa deixe todo o ambiente já apropriado para induzir o sono e que ela tome o remédio já ao se deitar, com tudo pronto para dormir. Luzes apagadas, ambiente silencioso”, recomenda Elton Kanomata. “Caso isso não seja feito e a pessoa continue realizando suas tarefas e atividades, a medicação faz com que ela tenha essa indução do sono, podendo gerar um estado de sonambulismo e a pessoa continua realizando as atividades sem tomar ciência disso.”

    O psiquiatra acrescenta: “O Zolpidem, assim como qualquer outro medicamento, é seguro quando bem indicado. Sabendo prescrever bem e seguindo as orientações adequadas com relação ao uso, diminui substancialmente qualquer risco que essa medicação possa apresentar.”

    A pesquisadora do Instituto do Sono ressalta que, caso o paciente esteja sofrendo com os efeitos colaterais recorrentemente ou esteja sentindo sua tolerância ao medicamento aumentar, o caminho mais seguro é procurar um médico para trocar de remédio, já que existem várias outras opções de tratamento atualmente.

    “Existem algumas red flags (bandeiras vermelhas, em tradução livre). Por exemplo, eu tomava um, estava indo bem, de repente começo a acordar no meio da noite e passo a tomar dois para evitar [acordar]. Isso já é um sinal de que você tem que trocar a medicação”, completa Poyares.

    Higiene do sono

    Para todos que apresentam quadros de insônia ou não, cuidar dos hábitos antes de dormir é fundamental para uma boa noite de sono.

    A chamada higiene do sono consiste em hábitos que podem ajudar os indivíduos a terem um sono de qualidade e até mesmo a evitar a insônia.

    Confira alguns:

    • Mantenha uma rotina: estabeleça horários para o sono, a alimentação, os exercícios físicos, o lazer, o trabalho e as atividades com a família.
    • Não leve o notebook ou celular para cama: eletrônicos provocam aumento do estado de alerta, além da luminosidade dificultar o início do sono.
    • Desacelere antes de dormir: pelo menos uma hora antes de se deitar, faça uma atividade relaxante: tome banho, leia, ouça música, faça meditação ou qualquer outra atividade que ajude a desacelerar.
    • Evite permanecer na cama trabalhando, lendo e-mails, assistindo TV. Reserve este momento para atividades que provoquem relaxamento. Deite-se somente quando estiver com sono.
    • Evite alimentos pesados e bebidas com cafeína: faça refeições leves até duas horas antes de deitar. Não tome café, energéticos e chá preto e outras infusões que contenham cafeína no período da noite.
    • Atividade física é uma boa, mas não próximo ao momento de dormir: pratique exercícios com regularidade, mas respeite um intervalo de pelo menos quatro horas antes do horário de dormir.
    • Mantenha o local de dormir ventilado, silencioso e escuro. Procure deixar numa temperatura adequada e confortável. Ambientes muito quentes ou frios podem dificultar o início do sono ou provocar despertares noturnos.
    • Verifique seu travesseiro e colchão, pois a vida útil da maioria deles é de oito a dez anos.
    • Evite as bebidas alcoólicas: elas podem causar um relaxamento nas primeiras horas de ingestão, entretanto, ao longo da noite, provocam fragmentação do sono e redução de fases mais profundas de sono. Além disto, o relaxamento do álcool pode agravar o ronco. O tabagismo também é vilão de uma boa noite de sono.
    • Para aqueles que preferem um cochilo durante o dia, este deve ser curto, no máximo 20 a 30 minutos e após o almoço.
    • Evite o uso de medicações para o sono sem a prescrição médica, pois podem causar efeitos indesejáveis e negativos. A ajuda de um profissional é fundamental.

    *Com informações de Agência Brasil