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    A história da mulher ‘ideal’ e onde isso nos coloca

    Obsessão com imagem alimenta as pressões sociais para se ter um certo tipo de aparência e de corpo

    Jacqueline Howard , da CNN

     

    Ilustração sobre figuras do corpo feminino
    Ilustração sobre figuras do corpo feminino
    Foto: Reprodução/CNN

    Escondidos nos corredores do Instituto de Tecnologia da Moda de Nova York estão tecidos históricos e roupas cheias de glamour, muitas das quais guardando segredos do passado. 

    No entanto, não importa quanto uma determinada peça de moda possa ser esteticamente exclusiva ou historicamente significativa, a maioria dos visitantes do museu costuma fazer uma pergunta, contou Emma McClendon, curadora associada de vestuário do museu. 

    “As pessoas vêm e sempre querem saber o tamanho de alguma coisa”, disse McClendon, que organizou a exposição “The Body: Fashion and Physique” (O Corpo: Moda e Físico), sobre a história do tipo de corpo idealizado na moda, em exibição até maio. 

    “Seja algo contemporâneo ou do século 19, elas querem saber qual é o tamanho, ou o tamanho equivalente ou a medida de alguma peça”, disse ela. “Nós, como cultura, como sociedade, somos obcecados por tamanho. Tornou-se parte da nossa identidade”. 

    Essa, especialmente entre mulheres jovens, resultado de uma construção cultural do corpo “ideal”, que, por sua vez, vem mudando ao longo do tempo – desde a pré-história. 

    Milhares de anos atrás, esculturas e obras de arte retratavam silhuetas curvilíneas e atarracadas. Mais recentemente, no final do século 20, modelos magras e franzinas preenchiam as páginas de revistas de moda. Agora, quadris bem torneados são festejados com “curtidas” nas redes sociais. 

    Para marcar o Dia Internacional da Mulher, exploramos como esse “ideal” está em constante mudança, construindo uma história complexa ao longo da arte e da moda – com impactos prejudiciais às mulheres que tentam se encaixar a cada época. 

    Pré-história – Século XX:

    Algumas das primeiras representações conhecidas do corpo de uma mulher são as “estatuetas de Vênus”, pequenas estátuas de 23.000 a 25.000 anos atrás na Europa. 

    As estatuetas – incluindo a “Vênus de Willendorf”, encontrada em 1908 em Willendorf, na Áustria – retratam corpos femininos redondos em forma de pera, muitas delas com seios grandes. Os especialistas debatem há muito tempo se essas figuras simbolizam atratividade ou fertilidade. 

    Na Grécia antiga, Afrodite, deusa do amor erótico e da beleza, era frequentemente retratada com curvas. 

    Uma estátua comumente atribuída à Afrodite, chamada Vênus de Milo, destaca seios pequenos, mas sua forma exibe uma figura retorcida e corpo alongado, característico desse período. 

    Artistas continuaram a retratar a mulher “ideal” como curvilíneas e voluptuosas até os séculos XVII e XVIII. 

    O pintor flamengo Peter Paul Rubens, do século XVII, deu origem ao termo “rubenesco”, que significa roliço ou arredondado, por muitas vezes retratar mulheres com corpos curvilíneos. 

    Para conseguir isso, o espartilho se tornou uma peça íntima popular entre as mulheres no mundo ocidental desde o final da Renascença até o século XX. Isso ajudou a acentuar as curvas de uma mulher, reduzindo a cintura e sustentando o peito. 

    À medida que as visões sociais do corpo de uma mulher mudavam ao longo do tempo, igualmente mudavam a forma e a construção do espartilho, chamado também algumas vezes de corpete.  

    O corpete do século XVIII copiava uma silhueta em forma de cone, mas na década de 1790 surgiram corpetes mais curtos, parecidos com os primeiros sutiãs, que complementavam a nova tendência da moda de vestidos de cintura alta. 

    “Havia uma ênfase em armações para modelar o corpo. Isso também valia para as saias”, disse McClendon. 

    “As armações, sejam de arcos, crinolina ou acolchoadas, eram usadas em volta da parte inferior do corpo para criar um volume específico”, disse ela. “Nos séculos 18 e 19, o corpo idealizado na moda – portanto, estamos nos referindo especificamente ao que é difundido na própria indústria da moda – era muito mais curvilíneo e muito mais voluptuoso.” 

    Na década de 1890, o artista americano Charles Dana Gibson desenhou imagens de mulheres altas, de cintura fina, mas voluptuosas, em ilustrações para as principais revistas, sendo essas representações do novo ideal feminino chamadas de “Garota Gibson”. 

    Entrando no início do século XX, o retrato do corpo feminino na arte estava em constante evolução, como visto nas pinturas a óleo do artista francês Henri Matisse, exibindo corpos ágeis e fluidos, e as pinturas do artista espanhol Pablo Picasso, exibindo corpos nus roliços e retorcidos em detalhes expressivos. 

    “Então, no século 20, há uma mudança bem definida em direção a um corpo cada vez mais jovem, atlético e esbelto”, disse McClendon. 

    Não se sabe exatamente o que desencadeou essa mudança, mas o interesse em corpos magros continuaria até os dias modernos.

    Décadas de 1920 a 1950: 

    A ascensão das flappers dos anos 20 refletiu essa mudança pelo mundo ocidental, que desejava um físico mais magro. 

    À medida que o corpo esbelto das mulheres começava a aparecer em revistas em meados da década de 1920, verificava-se também uma epidemia de transtornos alimentares entre as mulheres jovens, segundo alguns estudos. 

    “A maior prevalência registrada de transtornos alimentares ocorreu nas décadas de 1920 e 1980, os dois períodos em que a ‘mulher ideal’ foi a mais magra da história dos EUA”, escreveram pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison em um artigo no Journal of Communication em 1997. 

    As proporções entre busto e cintura entre as mulheres retratadas nas revistas Vogue e Ladies Home Journal diminuíram em cerca de 60% entre 1901 e 1925, de acordo com uma análise em um estudo publicado na revista Sex Roles em 1986. 

    “Tais descobertas dariam um suporte empírico à hipótese de que a mídia de massa desempenha um papel na promoção do padrão esbelto de atratividade corporal como moda entre as mulheres”, escreveram os pesquisadores. “Talvez os transtornos alimentares que se tornaram cada vez mais comuns tenham se originado a partir desse padrão”. 

    No final da década de 1940, o estudo constatou que essa proporção voltou a subir, aumentando em cerca de um terço nas duas revistas. 

    Naquela época, tipos mais encorpados de modelos pinups e atrizes como Marilyn Monroe cresciam em popularidade, e a primeira edição da revista Playboy foi publicada em 1953. 

    A proporção então caiu novamente.Até o final da década de 1960, a proporção havia retornado aproximadamente ao mesmo patamar da década de 1920, segundo o estudo. 

     

    Décadas de 1960-70:

    A guinada histórica de um corpo arredondado para uma preferência por um mais magro levou ao surgimento da modelo britânica Lesley Lawson, conhecida como Twiggy, e de outros modelos esbeltos. 

    Eles pareciam simbolizar um afastamento dos espartilhos e das pinups dos anos anteriores. Ao mesmo tempo, surgia a “segunda onda” do movimento pelos direitos das mulheres. 

    Em 1960, o FDA, órgão de administração de alimentos e medicamentos dos EUA, aprovou a pílula anticoncepcional. Em 1963, a ativista dos direitos das mulheres Betty Friedan publicou seu livro “A Mística Feminina” (The Feminine Mystique). Em 1966, foi fundada a Organização Nacional da Mulher nos EUA. 

    “As pessoas falam sobre os anos 60, mesmo os anos 70, como o momento em que o corpo da mulher é libertado”, disse McClendon. “Mas essa noção de que as mulheres, de repente, estavam completamente livres em seus corpos após esse momento é crença totalmente falsa”. 

    Embora as mulheres não estivessem mais se espremendo em espartilhos, as mensagens da mídia e a pressão social para aderir a um corpo “ideal” ainda continuavam. Esse “ideal” era um tipo de corpo muito jovem e magro. 

    “Cintas modeladoras foram substituídas por dieta e exercício”, disse McClendon. 

    O que restou foi a “noção de que, para que seu corpo estivesse realmente na moda, você provavelmente tinha que mudar de alguma forma”, disse ela. “Você tinha que mantê-lo de alguma forma.” 

    A incidência de anorexia nervosa grave, com necessidade de internação, aumentou significativamente nas décadas de 1960 e 1970, atingindo um platô, de acordo com um estudo publicado no Current Psychiatry Reports em 2012. 

    Décadas de 1980-90:

    Embora imagens de mulheres magras ainda predominassem nos anos 80, houve uma ênfase maior em tipos físicos fortes, atléticos e tonificados.

    “Vemos de fato um interesse em um corpo em forma, tonificado e forte – ainda magro, mas atlético. Então é aqui que você dá ênfase às top models clássicas, como Cindy Crawford e Naomi Campbell”, disse McClendon. 

    Embora ainda houvesse uma ênfase em um corpo magro, havia também uma ênfase em um corpo mais saudável e em forma. 

    Então, nos anos 90, essa ênfase voltou para tipos de corpo mais franzinos e frágeis (waif). 

    “O termo se associa tanto a essa década que os anos 90 se tornam o momento waif”, afirmou McClendon. “Kate Moss é o símbolo disso. Seu apelido era “a waif”, se tornando um nome conhecido dos anúncios da Calvin Klein no início dos anos 90″. 

    A anorexia nervosa foi associada à maior taxa de mortalidade entre todos os transtornos mentais durante os anos 90, de acordo com um estudo no Current Psychiatry Reports. 

    Por volta da mesma época, a Organização Mundial da Saúde começou a soar o alarme sobre a crescente epidemia mundial de obesidade. 

    Obesidade significa que uma pessoa tem gordura corporal demais, podendo aumentar o risco de problemas de saúde, incluindo diabetes, doenças cardíacas, acidentes vasculares cerebrais, artrite e até alguns tipos de câncer. 

    A prevalência de obesidade aumentou acentuadamente nos anos 90. Estima-se que 200 milhões de adultos em todo o mundo eram obesos, tendo esse número aumentado para mais de 300 milhões até 2000, segundo a OMS. 

    Enquanto imagens da obesidade apareciam em telas da mídia como parte de esforços da saúde pública para sua divulgação, imagens de modelos magricelas eram também exibidas, criando um contraste, disse McClendon. 

    “Começamos a ver uma grande divisão na maneira como os corpos são apresentados na mídia, com uma extrema magreza festejada nas imagens de moda, enquanto corpos maiores são destacados como ‘não saudáveis’ e ruins em comunicados sobre obesidade. E começamos a julgar nosso próprio corpo através da mesma lente binária”, disse ela. 

    Portanto, ao que parece, os impactos psicológicos disso compreendiam impactos na imagem corporal. 

    Década de 2000: 

    Quase um terço das crianças de 5 a 6 anos nos EUA selecionam um tamanho corporal ideal mais magro que o que entendem ser seu próprio tamanho atual, quando é dada a opção e,  aos 7 anos de idade, uma em cada quatro crianças já apresentou algum tipo de comportamento alimentar, de acordo com um relatório da Common Sense Media publicado em 2015. 

    O relatório, baseado em uma revisão de estudos existentes sobre imagem corporal e mídia, também apurou que entre 1999 e 2006, as hospitalizações por transtornos alimentares nos EUA aumentaram 119% entre as crianças com menos de 12 anos de idade. 

    No Reino Unido, quase um quarto, 24%, dos profissionais de assistência à infância relataram ter visto sinais de problemas relacionados à confiança com o corpo em crianças de 3 a 5 anos, de acordo com uma pesquisa da Professional Association for Childcare and Early Years (Associação Profissional de Puericultura e Primeiros Anos) publicada em 2016. 

    Outro estudo constatou que a taxa de incidência de transtornos alimentares em pessoas de 10 a 49 anos no Reino Unido aumentou de 32,3  para cada 100.000 pessoas em 2000 para 37,2 para cada 100.000 pessoas em 2009. No entanto, a idade de pico de início para um diagnóstico de transtorno alimentar em mulheres foi na adolescência, entre 15 e 19, segundo esse estudo. 

    “Quando as crianças estão entrando na adolescência, estão desenvolvendo sua própria identidade e tentando descobrir o que é socialmente aceitável; portanto, quando são inundadas com imagens de um tipo específico de corpo em cenários atraentes, elas estão mais propensas a absorver a ideia de que aquele tipo específico de corpo é o ideal”, disse Sierra Filucci, editora executiva de conteúdo para pais e de distribuição da Common Sense Media, uma organização sem fins lucrativos focada em ajudar crianças, pais e educadores a navegar no mundo da mídia e da tecnologia. 

    Entre uma amostra de 6.411 sul-africanos com 15 anos ou mais, 45,3% relataram estar geralmente insatisfeitos com o tamanho do corpo, de acordo com um estudo publicado no BMC Public Health em 2015. 

    Os participantes acima do peso e obesos subestimaram seu tamanho corporal e desejavam ser mais magros, enquanto os participantes normais e abaixo do peso superestimaram seu tamanho corporal e desejavam ser mais gordos, de acordo com o estudo. Apenas 12% e 10,1% dos participantes tentaram, respectivamente,  perder ou ganhar peso, segundo o estudo. 

    2010: abraçando a diversidade 

    Desde o início do século 21, tem havido uma mudança no sentido de celebrar a diversidade de tipos de corpos na mídia e na moda. Essa tendência parece se correlacionar com o uso das redes sociais, onde a diversidade é representada por usuários comuns on-line. 

    É claro que as redes sociais também podem dar a alguns adolescentes uma imagem corporal negativa. Uma pesquisa da Common Sense Media descobriu que mais de um quarto dos adolescentes que estão ativos on-line se estressam com sua aparência nas fotos postadas. 

    Por outro lado, a ascensão das redes sociais permitiu que mulheres reais comemorassem tipos de corpos reais. McClendon chegou a chamar as redes sociais de “fronteira para uma expressão positiva do corpo (body-positive)”. 

    “Ao longo dos últimos 50 e poucos anos, o ideal americano mudou de curvilíneo para andrógino e para muscular e tudo mais dentro desse espectro”, disse Filucci. 

    “À medida que esses ideais mudam,  são refletidos e reforçados na cultura por meio da mídia – seja na arte, publicidade ou em videoclipes”, disse ela, acrescentando que, não importa como esses ideais sejam apresentados, eles ainda podem influenciar a imagem corporal de mulheres jovens e até de crianças. 

    Em 2007, o primeiro episódio de “Keeping Up With the Kardashians” foi ao ar nos EUA e, desde então, os corpos das irmãs Kardashian têm se tornado atração frequente de revistas semanais de celebridades, inaugurando novos ideais de corpos curvilíneos. 

    Em 2015, Robyn Lawley foi a primeiro modelo plus size exibida na edição de maiô da Sports Illustrated. 

    Em 2016, o estilista Christian Siriano apresentou cinco modelos plus size em seu desfile durante a Semana de Moda de Nova York. Nesse mesmo ano, a empresa de fabricação de brinquedos Mattel estreou uma linha de bonecas Barbie representando diversos tipos de corpos, incluindo o curvilíneo. 

    No ano passado, o reality show Project Runway incluiu modelos de tamanhos que variavam do 3P ao 6G pela primeira vez em sua história. 

    Quanto ao atual estado da beleza, alguns especialistas em saúde estão alertando para os perigos da cultura do “selfie” e das redes sociais como algo que exerce influência sobre a imagem corporal, já que a ascensão do Instagram e do YouTube permitiu que o corpos de pessoas comuns fossem idealizados, e não apenas os corpos das top models. 

    No entanto, “quando esse tipo de corpo é diferente daquele das meninas e mulheres jovens, elas podem ficar vulneráveis à baixa auto-estima”, disse Filucci, acrescentando que os pais podem ajudar as crianças a desenvolverem imagens corporais positivas por meio de exemplos a serem seguidos. 

    “Isso significa não falar negativamente sobre o corpo, tanto para si como para os outros, e falar positivamente sobre o próprio corpo, enfatizando especialmente as habilidades do seu corpo, como força, flexibilidade, resiliência e adaptabilidade, ao invés de atratividade”, disse ela. “Os pais também podem buscar uma mídia que reforce imagens corporais positivas e evite estereótipos de gênero”. 

     

     

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