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    Vídeo não oferece desfecho a embate com Moro, mas tem implicações ao governo

    Políticos e juristas ainda avaliam os possíveis impactos do material da reunião ministerial divulgado pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal

    Daniela Limada CNN

    No dia seguinte à divulgação do polêmico vídeo da reunião ministerial que precedeu o pedido de demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, políticos e juristas ainda avaliam os possíveis impactos do filme.

    A gravação, de quase duas horas (assista à íntegra no vídeo acima), desnuda uma série de facetas da administração Jair Bolsonaro em seu conjunto e cada uma delas está sob análise e pode surtir efeitos em diferentes setores.

    Politicamente, é quase um consenso que o filme reagrupa os militantes mais radicais que apoiam o presidente, mas há dúvidas sobre os efeitos da divulgação da reunião entre setores da elite, do empresariado, dos lavajatistas e dos evangélicos, fatia importante da base de apoio do presidente.

    Juridicamente

    No que diz respeito ao embate central, entre Moro e Bolsonaro, o conjunto da obra, na avaliação de governadores, prefeitos e juristas, não oferece prova inconteste contra o presidente, mas indica que a versão do ex-ministro tem amparo fático. 

    Quase todas as intervenções de Bolsonaro são pontuadas por menções críticas ou cobranças à Justiça ou a Moro nominalmente. O agora ex-ministro chega a deixar a reunião antes do final, após a fala mais incisiva do presidente.

    Dado o contexto, em meio a cobranças sobre remessa de informações de órgãos de inteligência, será difícil sustentar a versão de que o presidente estava falando sobre a segurança pessoal de sua família ao mencionar o assunto, avaliam políticos de direta, de centro e da esquerda. 

    Bolsonaro reclama abertamente da qualidade das informações enviadas pela Polícia Federal e pela Abin, por exemplo, antes de chegar ao assunto.

    O fato de, após a demissão de Moro, Bolsonaro ter de fato trocado a direção da Polícia Federal, abrindo espaço para mudanças também no Rio de Janeiro, seu berço político, compõem o caldo jurídico para análise das acusações feitas pelo ex-ministro.

    Ninguém, porém, aposta, neste momento, que o procurador-geral da República, Augusto Aras, está disposto a oferecer denúncia contra o presidente.

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    Politicamente

    O impacto político é um outro capítulo. Por exemplo, ninguém espera que a cúpula das igrejas evangélicas se desprenda do presidente, mas o que está sendo cotejado é a repercussão entre os fiéis que podem se espantar com os termos usados não só por Jair Bolsonaro, mas também por parte expressiva de seu ministério.

    A reunião também confirmou a tensão em torno do debate sobre política de recuperação da economia a ser adotada diante da crise, descrita por integrantes do governo na reunião como sem precedentes na história.

    Paulo Guedes (Economia) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) travam uma disputa retórica a respeito da estratégia a ser adotada, confirmando a queda de braço que vinha sendo noticiada nos bastidores.

    O ministro da Economia explicita no vídeo seu entendimento sobre alguns temas, o que deve ter repercussão. Guedes afirma que a China, maior parceiro comercial do Brasil, “é aquele cara que você tem que aguentar” e mostra certo desprezo pela política tradicional ao dizer que “nós sabemos que nós somos diferentes” e que o governo só deve caminhar ao lado de aliados enquanto lhe for conveniente, para depois soltar as mãos e seguir sozinho.

    O ministro ainda dá margem para a interpretação de que a reivindicação do congelamento de salários pode prejudicar governadores e prefeitos politicamente. Ao tratar do tema, diz que “já botamos a granada no bolso do inimigo: dois anos sem reajuste de salários”. 

    Guedes ainda defende ajuda financeira a grandes empresas e menospreza as pequenas. “Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos para salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando as pequenininhas”, diz o ministro já na parte final do filme. 

    Setores como o de restaurantes têm reclamado sistematicamente da dificuldade de obter financiamentos para manter funcionários e estabelecimentos. A fala do ministro pode desencadear a percepção de que os obstáculos são, na verdade, uma política de Estado. 

    VEJA ABAIXO OS PRINCIPAIS PONTOS DA REUNIÃO 

    Bolsonaro x Moro

    Fica explícito no vídeo que o desconforto entre Bolsonaro e Moro ia além das questões envolvendo a Polícia Federal.

    Dirigindo-se diretamente ao ex-juiz, Bolsonaro lembra que decisão do Supremo proibiu o uso injustificado de algemas em prisões e indaga: “Por que estão botando algema [em pessoas que furaram ordem de governos locais de isolamento social] e a Justiça não fala nada? Vão ficar quietos até quando? Só eu me expondo”.

    Moro sempre deu indicações de que era favorável ao isolamento social, política que irrita Bolsonaro. Ao tomar a palavra, o ex-ministro ignora as cobranças, não faz qualquer comentário a respeito delas. 

    Em outro momento, Bolsonaro reclama de nota da Polícia Rodoviária Federal em solidariedade a um policial que havia morrido de Covid-19. O presidente se queixa de menção específica à infecção, sem menção a outras comorbidades. 

    E pede “a quem de direito, no respectivo ministério”, que dê orientação que contemple aspectos mais amplos nesse tipo de caso. A PRF era subordinada a Moro.

    Em outro momento de exaltação, Bolsonaro cobra que o ministro da Defesa e Moro assinem portaria que facilitaria o armamento da população. 

    O presidente coloca a queixa em meio à reclamação da ação de governos estaduais e municipais para garantir o isolamento social prevendo punições a quem furasse o confinamento. Bolsonaro classifica a atitude –tomada de maneira muito mais incisiva em países como França e Itália, por exemplo– como ditatorial e defende armar a população para garantir a insurreição contra essas medidas.

    Ele depois diz que quem não estivesse de acordo com suas bandeiras, família e armamento entre elas, estava no governo errado. Moro sempre demonstrou resistência ao tema.

    Guedes x Rogério Marinho

    Logo no início do filme o ministro da Economia rechaça o uso do termo Plano Marshal para designar o plano Pró-Brasil, que previa investimento público para a retomada da economia. Guedes isiste que a retomada virá pelo investimento privado. 

    Marinho, ao tomar a palavra, pede o abandono de “dogmas” e diz que a crise atual é inédita. Ele usa a palavra “catástrofe”. 

    Marinho lembra que o governo fala em R$ 600 bilhões para socorrer empresas e pessoas físicas e pergunta por que motivo não se destina 10% desse valor para obras públicas, para incentivar empregos e investimentos. 

    O ministro do Desenvolvimento Regional diz que o mundo todo está revendo seu receituário. “As coisas não são como eram antes.”

    Guedes responde ao final, sem nominar Marinho, mas referindo-se diretamente a temas mencionados por ele. Diz: “Se não existe algo aqui é dogma”. Ele reafirma que o governo precisa manter a bússola nas reformas e na retomada do investimento privado. 

    Governadores

    Governadores e prefeitos são atacados em diversos pontos da reunião. Além das críticas feitas pelo próprio presidente, com menções explícitas e também genéricas, outros ministros, como Damares Alves (Direitos Humanos), fazem ofensivas.

    O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, diz que a percepção do mercado financeiro é a de que destinar recursos para prefeitos e governadores é “dinheiro jogado fora”.

    Damares diz que há violações aos direitos humanos, novamente mencionando medidas tomadas para reduzir a mobilidade social em meio à pandemia, e diz que “estamos inclusive pedindo a prisão de alguns governadores”. Ela cita cinco ações. 

    Weintraub prega “acabar com essa porcaria que é Brasília”, pede “esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF (Supremo Tribunal Federal)”. Diz que o governo foi eleito “para acabar com isso” não para negociar com políticos. 
    A declaração teve forte impacto no STF e deve reforçar os esforços pela demissão do ministro. 

    STF

    O linguajar e o discurso usado pelo presidente e por seus ministros durante a reunião ampliou o fosso entre a corte e o Executivo.

    O presidente do Supremo, Dias Toffoli, que vinha tentando fazer pontes entre o STF e o presidente Jair Bolsonaro tende a ficar isolado se insistir na missão.

    China

    Apesar de o Supremo ter mantido sob sigilo citações mais polêmicas a autoridades e governos da China e do Paraguai, a indisposição de setores do Executivo com a China fica explícita no vídeo. 

    Guedes diz que “a China é aquele cara que você tem que aguentar” porque de cada dólar que se vende para os Estados Unidos são três para os chineses. 

    Weintraub afirma: “Odeio o Partido Comunista Chinês, que quer transformar a gente em colônia”.

    Já o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, diz que a globalização vigente é cega e tem “no centro um país que não é democrático e não respeita os direitos humanos”.

    Repercussão internacional

    Governadores e prefeitos acompanharam com atenção, neste sábado (23), a repercussão internacional do vídeo desta polêmica reunião ministerial. 

    Segundo eles, a percepção do Brasil no exterior tende a piorar e pode reverter já no início da próxima semana a avaliação do mercado financeiro nacional sobre os impactos do filme. 

    Segundo um governador com trânsito no empresariado, as cenas tendem a aumentar a desconfiança sobre os modos e os rumos do governo, em meio à uma pandemia que já matou mais de 21 mil brasileiros.

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