Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    “Transparência”, “perda de tempo”: juristas e políticos analisam fala de Lula sobre “voto secreto” no STF

    Ministros da Corte rechaçaram possibilidade de mudar a Constituição, mas admitem que avaliam internamente mudança no sistema de votação

    Da CNN , São Paulo

    Políticos e juristas repercutiram a fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta terça-feira (5) de que “ninguém precisa saber” como os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votam, questionando também o nível de exposição pública dos magistrados.

    Enquanto ministros da Corte rechaçaram a possibilidade de mudar a Constituição para instituir o “voto secreto”, alguns juristas debatem a forma que são publicizados os votos e que seria necessária “autocontenção” dos integrantes do STF.

    Veja também — Transparência dos votos no STF não vai mudar, mesmo com desejo de Lula, dizem ministros

    Juristas avaliam constitucionalidade do “voto secreto”

    Juristas ouvidos pela CNN também avaliaram a possibilidade de voto sigiloso pelos ministros do Supremo e qual seria o impacto da medida.

    Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em Direito Constitucional pelo IDP/DF, ressaltou que um dos pilares do Poder Judiciário é a publicidade das decisões judiciais, o que torna o voto sigiloso inconstitucional e incompatível com o ordenamento jurídico.

    Nesse ponto, o especialista citou o artigo 93 da Constituição Federal:

    Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

    Art. 93, inciso IX da Constituição Federal (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45)

    Por fim, ele ressaltou a importância da publicidade dos votos para que as decisões possam ser questionadas em esferas superiores, por exemplo, e que o responsável saiba quais são as razões pelas quais foi condenado.

    Gustavo Sampaio, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), disse que o modelo adotado no Brasil é o mais avançado e transparente, sendo que o voto dissidente pode servir, por exemplo, para que a Corte possa rever posições no futuro.

    “Conhecimento público do voto minoritário faz parte da essência da transparência pública e do princípio democrático”, disse, adicionando que, ainda assim, a discussão sobre a exposição dos ministros é válida e necessária.

    VÍDEO — Voto secreto no STF: juristas criticam fala de Lula e defendem transparência

    Ademario Neto, especialista em Direito Civil e Processo Civil, entende que a medida sugerida por Lula é inconstitucional, citando o artigo 37 da Constituição, reforçando que o princípio da publicidade é um dos pilares da administração pública.

    “Desse modo, todo ato de qualquer agente público, seja ele um policial militar, seja ele um ministro do Supremo, tem que ser tornado público. Ademais, por ser ato processual que julgará o mérito de uma ação, mesmo o processo estando em Segredo de Justiça, tem que ser de conhecimento público”, colocou.

    Um jurista com trânsito na cúpula petista e no Palácio do Planalto foi ouvido em caráter reservado por Pedro Venceslau, analista de Política da CNN, ressaltando que “o princípio da publicidade é inerente ao Estado de Direito nos termos da Constituição”.

    Esse mesmo jurista ressaltou, porém, que um debate recorrente no meio jurídico é se as transmissões das sessões devem ser ao vivo ou não.

    “Há críticas que dizem que isso estimula a falta de comedimento de magistrados nas discussões. Mas isso não significa voto secreto de magistrado. Isso seria inconstitucional e ofensivo ao Estado de Direito”, argumentou.

    Ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, o jurista Miguel Reale Júnior disse, por sua vez, que o espírito democrático não se instaura evitando saber como vota o ministro.

    “(Voto secreto) é reconhecer que não se sabe viver em uma democracia. Perda de tempo essa discussão”, ponderou.

    Integrantes do Supremo rechaçam voto secreto, mas avaliam mudanças

    Ministros do STF ouvidos pela CNN em caráter reservado rechaçaram a possibilidade de mudar a Constituição para instituir o voto secreto, mas admitiram que a Corte avalia internamente uma mudança no sistema de votação no plenário, conforme apuração de Thais Arbex, analista de Política da CNN, e Teo Cury, repórter da CNN.

    Um dos magistrados disse à CNN considerar impossível que o Congresso Nacional mude o atual sistema de votação da Corte, que tem a transparência como um dos principais pilares, mas que há uma discussão interna para adotar uma medida que simplifique os julgamentos.

    Entre as propostas avaliadas dentro do Supremo, há a possibilidade de que o relator de cada processo trabalhe para construir um consenso com os colegas antes de o tema chegar no plenário físico.

    Além disso, o ministro Luís Roberto Barroso, que assume a presidência da Corte no fim do mês, chegou a propor que cada magistrado tenha, no máximo, 15 minutos de votos.

    Outro ministro ouvido pela CNN diz que, hoje, o plenário virtual já atende, em parte, o excesso de exposição da Corte. Na avaliação desse integrante do Supremo, poderia até ter uma discussão mais ampla — deixando alguns julgamentos, principalmente os casos criminais, fora da transmissão da TV Justiça.

    Flávio Dino diz que modelo é possível, “mas não é debate para agora”

    O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, também reagiu à fala de Lula. Ele destacou que, em sua opinião, o voto sigiloso para o STF é um “modelo possível”, mas que não é um debate para agora.

    “Para a gente não criar animosidade, eu acho que era preciso começar a pensar se não é o jeito da gente mudar o que está acontecendo no Brasil, porque do jeito que vai daqui a pouco um ministro da Suprema Corte não pode mais sair na rua, passear com a família, porque tem um cara que não gostou da decisão dele”, disse Lula em sua live semanal “Conversa com o Presidente”.

    Flávio Dino defendeu que o modelo de voto sigiloso não representa falta de transparência, apenas prioriza a decisão do colegiado sobre as decisões individuais.

    “É um modelo possível. Eu não tenho elementos a essa altura para dizer que um modelo é melhor do que o outro. Apenas acentuar que em ambos há transparência, em um se valoriza mais a posição transparente do colegiado, no outro se privilegia a ideia de cada um votando separadamente”, afirmou o ministro.

    E acrescentou: “Volto a dizer, não é um debate para agora, para este governo, para este Congresso, mas em algum momento eu acho que é um debate importante para a nossa nação”.

    Arthur Lira diz que princípio da transparência ficaria ofuscado

    O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), também repercutiu a fala de Lula, apontando que, com a medida, o “princípio da transparência seria ofuscado”.

    “Você já tem uma Suprema Corte com muita visibilidade. Agora, você vai ter ela com muita visibilidade sem saber como ela está votando? O princípio da transparência, que é tão exigido no televisionamento das decisões, vai ficar ofuscado”, disse, ponderando, entretanto, que não sabe os “motivos que foram tratados” para uma declaração como a de Lula.

    Mundo político reage à fala de Lula

    O deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) afirmou pelas redes sociais que “Lula é um autoritário que nem disfarça mais que odeia a democracia e a transparência”.

    O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, pontuou que “pensar em Justiça com voto secreto é completo absurdo”.

    Nikolas Ferreira (PL-MG), deputado federal, ironizou a fala do presidente, afirmando: “Viva a democracia relativa”.

    Já o ex-deputado federal Deltan Dallagnol, que teve o mandato cassado, publicou um vídeo dizendo estar “indignado” e que o petista “não tem compromisso com o povo”.

    A deputada federal Rosangela Moro (União Brasil-SP), esposa do ex-juiz Sergio Moro (União Brasil-PR), destacou que “democracia é o oposto disso”. “Seu pilar é a transparência. Conhecer como votam os ministros da Suprema Corte é crucial para a imparcialidade da justiça. A população tem o direito de saber as posições do nosso Judiciário”.

    O Partido Novo ressaltou também pelas redes sociais que “precisamos de mais, e não menos, transparência no STF”.

    *publicado por Tiago Tortella, da CNN

    *com informações de Lucas Schroeder, da CNN

    Tópicos