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    Toffoli: ‘Atritos surgem quando poderes vão além de suas competências’

    Presidente do Supremo Tribunal Federal reputou aos partidos parte da judicialização da política

    Os atritos entre os poderes surgem quando há tentativa de interferência para além de suas áreas de competência. A avaliação é do ministro Dias Toffoli, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ao explicar as atribuições de cada poder: ao Legislativo cabe cuidar do futuro, elaborando leis; ao Executivo, do presente; e ao Judiciário, do passado.

    Toffoli, entretanto, reputa aos próprios partidos políticos a interferência da Justiça em assuntos que cabem aos demais poderes. “Muitas vezes nós temos uma alta judicialização: 20% das ações de inconstitucionalidade são propostas por partidos políticos. Eles perdem no Congresso a votação e vão tentar uma nova votação no Supremo Tribunal Federal, judicializando a política”, conclui.

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    A CNN Brasil conversou com representantes dos três Poderes. Assista às entrevistas com o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado; com o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal; e o ministro da Economia, Paulo Guedes, representante do Executivo.

    Nossa produção tentou gravar uma entrevista com o presidente da República, Jair Bolsonaro, na sexta-feira, dia 13. Entretanto, devido à suspeita de diagnóstico do coronavírus, o Palácio do Planalto não confirmou a disponibilidade do presidente na última semana e a gravação não foi possível. 

    Ministro Dias Toffoli, presidente do STF, em entrevista à CNN Brasil
    Ministro Dias Toffoli, presidente do STF, em entrevista à CNN Brasil
    Foto: Reprodução/CNN Brasil

    CNN Brasil: Há uma enorme ansiedade da população brasileira para o nosso país realizar o seu potencial. Estamos cansados de ser o país do futuro. As pessoas entendem que os poderes não estão cumprindo o que a Constituição determina, que se relacionem de forma independente e harmônica, e entendem que essa é uma das grandes causas dos atrasos notórios que a gente experimenta. Ao que se deve os poderes serem percebidos dessa maneira?

    Dias Toffoli: Primeiro, quais são as funções dos três poderes: poder Legislativo cuida do futuro, faz as leis, estabelece as políticas públicas, muitas vezes encaminhadas pelo Executivo; o Executivo cuida do presente; e do passado cuida o Judiciário. Esta é repartição dos poderes. Quando um poder quer cuidar do futuro e não tem a competência de cuidar do futuro ou quer cuidar do presente sem ter a competência de cuidar do presente, surgem atritos, mas o importante é dizer e mostrar para a população que o diálogo entre os Poderes é constante.

    O senhor descreveu a condição ideal. A condição real não é essa. A gente vê o poder, o seu poder, por exemplo, interferindo no poder Legislativo e cerceando o poder Executivo.

    Muitas vezes nós temos uma alta judicialização: 20% das ações de inconstitucionalidade são propostas por partidos políticos. Eles perdem no Congresso a votação e vão tentar uma nova votação no Supremo Tribunal Federal, judicializando a política.

    Como o senhor vê setores do Executivo apoiando, muitas vezes pedindo diretamente, para as pessoas irem às ruas contra o Supremo, contra o Congresso Nacional, estimulando uma certa incompreensão sobre qual é o papel do Supremo e qual é o papel do Legislativo? Como o senhor encara isso?

    A liberdade de expressão, a liberdade de manifestação, são garantidas pelo STF, porque é uma garantia da nossa Constituição. A nossa Constituição garante essa liberdade de manifestação e de expressão. Qualquer manifestação que seja do ponto de vista da expressão, da sua vontade, de crítica, é bem-vinda. Isso faz parte da democracia. E que bom que nós vivemos em uma democracia. O que não é possível é dizer o seguinte: “Vamos fechar o Congresso, vamos fechar o Judiciário”. O que vai pôr no lugar?

    Presidente, há um inquérito destinado a apurar de que setores surgem os ataques à instituição que o senhor encabeça. Aparentemente esses ataques vêm de setores da Justiça, de setores do Ministério Público e de setores parlamentares também. O que o senhor concluiu até agora?

    Toda aquela manifestação que é de ódio, que é caluniosa, que é mentirosa, ela é do ponto de vista legal um ilícito, é contra a lei. Este inquérito é para apurar. O que houve a partir da abertura do inquérito, que vai completar um ano? Diminuiram principalmente as notícias que eram produzidas por robôs.

    Muitos afirmam que nós perdemos a Corte Suprema e ganhamos 11 Supremos Tribunais, com cada um dos seus integrantes com interpretações próprias a respeito do que são os preceitos constitucionais. O senhor concorda com essa crítica?

    Os números mostram que isso é completamente falacioso. Não é verdade. O STF em 2019 julgou 17.600 processos colegiadamente. Sabe quantos processos julgou a Suprema Corte da Alemanha? Oitenta. A dos Estados Unidos, 110.

    Alguns dos que se dedicam a analisar o papel do Supremo dizem que o pecado original está em não ser uma Corte constitucional no fundo, mas preocupada em fazer justiça. E a partir daí seus integrantes começam a operar em função do que eles acham que seria benéfico do ponto de vista da opinião pública. É uma crítica severa à atuação dos integrantes da instituição que o senhor preside.

    Os juízes e nós, na Suprema Corte, não podemos ter desejo. Quem quer ter desejo que vá para a política. Tivemos recentemente juízes que saíram da magistratura e foram para a política. O Sergio Moro foi ser ministro da Justiça. O Wilson Witzel foi ser candidato e se elegeu governador do Estado do Rio de Janeiro. O juiz está adstrito à Constituição e às leis. É óbvio que tanto à Constituição quanto às leis cabem interpretações e visões de mundo. Por isso que somos 11.

    O ex-juiz Sergio Moro acabou influenciando uma legião de outros juízes. Recentemente, Marcelo Bretas, que é o titular da Lava Jato no Rio de Janeiro, da Justiça Federal, foi a um palanque com o presidente da República, o prefeito do Rio de Janeiro. Era um ato para um determinado setor, um ato evangélico. Cantou, pulou, fez saudações, posou para foto. Isso foi parar no CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Faltou um pouco o Supremo agir antes de a Justiça ter tanto contato com a política como ela tem hoje?

    Em primeiro lugar, o diálogo entre os poderes é sempre bom, é fundamental, e é exatamente a primeira pergunta que foi feita. A população quer que o Estado dê soluções.

    Mas era um ato político, ministro.

    Segunda questão: ali era um ato religioso. A pessoa tem a sua liberdade de religião, que é garantida também pela Constituição e pelo Judiciário brasileiro.

    Há por parte da sociedade um imenso apoio à campanha anticorrupção. Boa parte da discussão política em torno da campanha anticorrupção se dá em identificar aqueles que, aos olhos de alguns movimentos políticos, acabam sendo identificados como obstáculo à campanha anticorrupção. Isto acabou sendo colocado aos pés do Supremo. O senhor considera essa crítica injusta?

    Também é injusta, porque todas as leis que geraram a delação premiada, a criminalização da organização criminosa, elas tiveram origem em participação do Supremo Tribunal Federal na sua elaboração com sugestões ao Congresso Nacional.

    Onde foi que o Supremo falhou? Falhou na comunicação, falhou porque as pessoas seguem não entendendo direito o impacto das decisões? Por que as pessoas veem o Supremo ao contrário, como um agente leniente?

    Não é leniente de maneira nenhuma. O STF garante que o processo tenha sido feito dentro das regras do jogo.

    Mas a pergunta não é essa. Por que não é essa a percepção?

    Porque vocês não divulgam os 99,9% de decisões que vocês acham que é o correto. O 0,01% que vocês acham que é o incorreto, dá o destaque, vira manchete.

    Que legado o senhor gostaria de deixar na presidência do Supremo? Porque o senhor entrega o cargo em setembro.

    São tantas as coisas que nós estamos fazendo que não dá para dizer. É você ter cumprido o seu papel. Ter feito exatamente aquilo que é pautar as coisas difíceis para deixar a pacificação da sociedade.