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    Temendo “polarização”, Uerj adia cancelamento de homenagem a general da ditadura

    Documentos mostram que revogar título concedido a Emílio Garrastazu Médici em 1974 poderia, a 4 meses das eleições, "suscitar avaliações equivocadas"

    Leandro Resende

    A polarização e o crescimento da violência política no país, somadas à proximidade das eleições foram as razões da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) para não revogar o título de doutor honoris causa concedido em 1974 a Emílio Garrastazu Médici, terceiro presidente do Brasil durante a ditadura militar, e governante do país naquela que é considerada a fase mais dura do regime – os chamados “anos de chumbo”, entre 1969 e 1974.

    Documentos localizados pela CNN revelam que uma proposta para revogação do título a Médici foi apresentada em agosto de 2021, mas rejeitada em junho deste ano “diante da extrema polarização política em que se encontra o país e da corrida eleitoral que se aproxima”, conforme trecho de voto submetido à apreciação do Conselho Universitário.

    Em reunião no dia 10 de junho deste ano, os conselheiros decidiram adiar a decisão sobre revogar a homenagem a Médici pois, naquele momento, isso poderia “muito provavelmente, suscitar avaliações equivocadas”. “Dessa forma, julgamos mais adequado apresentar o relato em momento futuro oportuno, com a tranquilidade e isenção que o tema merece”, diz o documento do Conselho Universitário.

    No pedido para revogação da homenagem apresentado ao Conselho Universitário em agosto do ano passado, dois conselheiros sublinharam que Médici esteve à frente do país durante o período em que ocorreram o maior número de mortes e desaparecimentos durante o regime militar.

    “A anulação do título configura reparação moral a toda a comunidade acadêmica da Uerj, pelas torturas, mortes e desaparecimentos ocorridos durante esse período, como foi o caso do estudante de Medicina, Luiz Paulo da Cruz Nunes, fuzilado na frente do Hospital Universitário Pedro Ernesto, por agentes da repressão da ditadura militar, no dia 22 de outubro de 1968”, diz o texto

    O título de doutor honoris causa é, de acordo com o regimento geral da Uerj, concedido a “personalidade eminente, nacional ou estrangeira, que tenha se destacado singularmente por sua contribuição à causa da cultura ou da humanidade”.

    Entre os que já receberam a honraria da universidade estão o escritor Ariano Suassuna, a carnavalesca Rosa Magalhães, o compositor e escritor Nei Lopes, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o jurista alemão Claus Roxin, a escritora Rachel de Queiroz, o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela, dentre dezenas de outras personalidades.

    Médici teve seu título de doutor honoris causa concedido pela então Universidade da Guanabara em 25 de janeiro de 1974. Dois anos antes, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) concedera a mesma homenagem ao então presidente do país. Em 2015, a UFRJ revogou o título.

    Para o historiador Lucas Pedretti, da Comissão da Memória e Verdade da UFRJ, revogações de títulos e mudanças de nomes de rua de envolvidos com o regime militar, por exemplo, que já ocorreram em diversas partes do país, são atos de pouco efeito prático, mas de muito valor simbólico, como “demonstração que não há mais espaço para autoritarismos”.

    “O receio de revogar a homenagem ao Médici é muito significativo dos tempos que a gente está vivendo, de que a polarização não é apenas de visões políticas diferentes, mas de gente que defende a democracia e se preocupa com reações de quem defende a ditadura. É muito grave”, avaliou.

    A CNN procurou a Uerj. Em nota, a universidade confirmou que o processo está paralisado e não há previsão de reunião do Conselho para deliberar sobre o assunto.

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