STF tem dois votos a favor de indenizar presos por encarceramento degradante
Propostas divergem na forma da indenização, se em dinheiro ou em abatimento de pena
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem dois votos a favor de determinar que o Estado deve reparar danos morais causados a presos que tenham sido submetidos a condições desumanas, degradantes, ou insalubres nos presídios brasileiros.
Até o momento, votaram neste sentido a relatora, ministra Rosa Weber, e o ministro Gilmar Mendes. Os magistrados divergem na forma que deve se dar essa reparação.
Para Weber, deve ser pelo abatimento de pena, pelo período passado em prisões com condições subumanas ou superlotadas.
A relatora propôs que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleça uma uniformização sobre como funcionaria os pedidos de abatimento e a sua efetivação. Weber defendeu como parâmetro o abatimento de um dia de pena para cada um dia passado encarcerado em condição degradante.
Pela proposta, caberia ao juiz da execução penal verificar caso a caso se os parâmetros que vierem a ser definidos estão presentes.
Já Gilmar entendeu que os presos devem ser indenizados em dinheiro, pago em parcela única e depois de análise “criteriosa” caso a caso das condições de cada unidade prisional.
O tema começou a ser julgado pela Corte nesta sexta-feira (22), em sessão do plenário virtual que vai até 29 de setembro. No formato, não há debate entre os ministros, que apresentam seus votos em um sistema eletrônico.
A ação foi proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em 2014. O órgão pede que o STF estabeleça que deve haver responsabilidade civil do Estado por danos morais causados aos detentos submetidos a condições subumanas, insalubres, degradantes ou de superlotação nos presídios.
Para a OAB afirmou que a pena cumprida em condições desumanas é incapaz de exercer sua função ressocializadora.
O Supremo reconheceu em 2015 que há o chamado “estado de coisas inconstitucional” nos presídios do país.
Isso significa que a Corte entende haver massiva e sistemática violação dos direitos fundamentais dos presos nas penitenciárias brasileiras, em virtude de problemas estruturais na área e da incapacidade de autoridades públicas solucionarem as péssimas condições das unidades prisionais.
O instrumento possibilita que o Judiciário possa intervir determinando medidas concretas para superar violações.
No país, havia 832.295 pessoas presas no final de 2022, número que excede em 230.578 as vagas nas unidades prisionais, segundo a 17ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O número leva em conta os presos condenados e provisórios, no sistema prisional e sob custódia das polícias.
Rosa Weber
Em seu voto, a ministra Rosa Weber disse que deve ser reiterada a jurisprudência do STF de que é dever do Estado de indenizar a pessoa que permanecer preso, de forma provisória ou definitiva, em condições degradantes.
Para a ministra, a indenização em dinheiro “produziria resultados” contrários ao que se espera. Ela defendeu, então, que a reparação se dê por meio da abreviação da pena.
“Tenho que a reparação pecuniária, para além da impossibilidade fática quando considerada à luz do quadro de violações massivas e generalizadas, está longe de ser uma medida efetiva contra o gravíssimo problema do sistema carcerário brasileiro”, afirmou.
Conforme Weber, a solução defendida se baseia nas restrições orçamentárias para indenizar milhares de pessoas, e na consequência prática da pena cumprida em condições violadoras da dignidade humana. Ela citou o estado de coisas inconstitucional dos presídios.
Segundo a ministra, “praticamente todas” as pessoas presas ou egressas do sistema prisional poderia receber a indenização.
“Não são apenas as pessoas atualmente presas as potenciais candidatas a receber reparação financeira: milhares de pessoas passaram pelo sistema e muitos mais ainda passarão, a julgar o aumento contínuo dos índices de encarceramento em quase todos os quadrantes do Brasil. Com pouca chance de errar, pode-se afirmar que praticamente todas as pessoas encarceradas no Brasil – no passado, presente e no futuro próximo -, fariam jus à indenização”.
“A abreviação da pena surge como uma alternativa mais eficaz para remover a situação lesiva, primeiro, ao reduzir a exposição às condições degradantes, e segundo, ao contribuir para conter o agravamento da superlotação”, declarou.
Gilmar Mendes
Segundo a votar, Gilmar divergiu parcialmente da relatora. O ministro entendeu ser imprescindível a comprovação, em cada caso concreto, de que a pena está sendo cumprida em condição degradante, para só então haver a possibilidade de indenização.
“É imprescindível que se demonstre, concretamente, a prisão em condições degradantes e a efetiva ocorrência de dano a direitos fundamentais ou de personalidade, o que poderá ser evidenciado a partir de elementos probatórios do excesso de presos na cela ou da existência de outras condições desumanas e cruéis, tais como a ausência de itens básicos de higiene, local para descanso, a proliferação de pragas e de doenças, a prática de violências físicas ou psicológicas”, afirmou.
Gilmar disse que o direito à indenização em dinheiro deve ser pago em parcela única e de acordo com a “análise criteriosa de cada caso concreto e das particularidades de cada unidade prisional”.
Ele também afirmou que sua posição não exclui a possibilidade de se aplicar, também, o abatimento de pena. Mas que essa questão deve ser tratada em outra ação.