Reunião delatada por Mauro Cid configura crime se for comprovada, dizem especialistas
Tenente-coronel disse à Polícia Federal que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) se reuniu com as Forças Armadas para discutir plano que o manteria no poder
“Reunir os comandantes das Forças Armadas com uma minuta de intervenção em busca de adesão é, decididamente, uma tentativa de golpe”, avalia o advogado criminalista e professor de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Davi Tangerino.
Em delação à Polícia Federal, o tenente-coronel Mauro Cid relatou a cena descrita pelo professor. Cid disse que Jair Bolsonaro (PL) recebeu em mãos uma minuta golpista e se reuniu com as cúpulas de Aeronáutica, Exército e Marinha para discutir detalhes de um plano para se manter no poder.
A CNN procurou especialistas em Direito para entender se a suposta reunião configura uma tentativa de golpe de Estado. Para ser comprovado e as condutas dos envolvidos investigadas, o relato do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro precisa da corroboração de outras evidências.
O Código Penal determina que “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído” é crime, sujeito à pena de reclusão de quatro a doze anos.
“Basta a tentativa”
A advogada criminalista e juíza federal aposentada do Tribunal Regional Federal (TRF) Cecilia Mello destaca a primeira palavra do artigo 359-M: tentar. “É indiferente conseguir ou não consumar o golpe. Para que exista o tipo penal, basta a tentativa”, explica.
A descrição do delito menciona um “governo legitimamente constituído”. De acordo com a delação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estava eleito quando o suposto encontro ocorreu.
“Chamamos de dolo direto essa vontade consciente de depor um governo por meio da força”, diz a especialista. Ao arregimentar as Forças Armadas para permanecer no Palácio do Planalto, o ex-presidente atuaria deliberadamente para impedir a posse de seu sucessor.
Segundo Mauro Cid, a cúpula da Marinha colocou suas tropas à disposição para o plano de Bolsonaro enquanto o Exército não aderiu.
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“Culpabilidade exacerbada”
Para Tangerino, mesmo os militares que não aderiram poderiam ser acusados de prevaricação pela participação, que não gerou denúncias. O caso do comandante da Marinha, ressalta, “é mais complicado”, já que a concordância “pode ser entendida como uma soma à tentativa de golpe”.
Aeronáutica, Exército e Marinha, no entanto, estão sob o guarda-chuva da Presidência da República. Na avaliação de Cecilia Mello, o cargo oferece uma posição “privilegiada” para cometer o crime descrito: “Ele tem conhecimento, acesso e poder sobre as Forças Armadas, o que facilita a execução de uma tentativa de golpe”.
“Justamente por essa condição de poder, sua culpabilidade é exacerbada”, diz.
Além do fato em si, personalidade, motivos e circunstâncias, eventualmente agravantes e atenuantes, são analisados pelas autoridades.
A juíza menciona os recentes julgamentos dos réus pelos atos criminosos do 8 de Janeiro no Supremo Tribunal Federal (STF).
Como exemplo, o primeiro julgado pela Corte, Aécio Lucio Costa Pereira, foi condenado a 17 anos de prisão em regime inicial fechado por cinco crimes que incluíram, além do golpe de Estado, a abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Em sua percepção, tomando a decisão como parâmetro, a pena para Jair Bolsonaro poderia ser agravada, em caso de comprovação do relato, pois aquele réu “não tinha, absolutamente, as condições reunidas por um presidente da República” para executar um golpe.
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