Relatório da PEC do Estouro facilita mudança do teto de gastos em 2023
No texto, senador Alexandre Silveira (PSD-MG) determina que o governo eleito deverá apresentar uma proposta que estabeleça um novo regime fiscal no país
O relatório apresentado pelo senador Alexandre Silveira (PSD-MG) sobre a PEC do Estouro facilita a substituição do teto de gastos e mudança na âncora fiscal do país por parte do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Esta é uma das alterações feitas por Silveira em seu relatório, divulgado na manhã desta terça-feira (6), minutos antes de a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado começar a analisar a proposta.
No texto, Silveira determina que o governo eleito deverá apresentar em 2023 uma proposta que estabeleça um novo regime fiscal no país.
O senador, porém, estabeleceu que essa mudança seja feita por um projeto de lei complementar –que tem tramitação mais simples que uma proposta de emenda à Constituição (PEC). Na prática, este trecho do relatório da PEC do Estouro facilitaria a mudança do regime fiscal brasileiro por parte do governo Lula, uma vez que seriam necessários menos votos para a sua aprovação.
“O Presidente da República deverá encaminhar ao Congresso Nacional, até 31 de dezembro de 2023, projeto de lei complementar com objetivo de instituir regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico. Após a sanção da lei complementar prevista no caput deste artigo, revogam-se os arts. 106, 107, 109, 110, 111, 112 e 114 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”, estabeleceu o senador em seu relatório.
Para que uma PEC seja aprovada, é preciso haver mais de 3/5 dos votos dos deputados (o equivalente a 308) e senadores (o equivalente a 49). Um projeto de lei complementar demanda menos votos: apenas a maioria absoluta dos votos –o que na Câmara significa 257 votos e no Senado, 41 votos.
Em entrevista coletiva pouco antes do início da sessão da CCJ, Silveira disse que acredita que essa proposta seja enviada no primeiro semestre de 2023 por parte do governo eleito.
“Eu coloquei o exercício 2023 como prazo para que eu tenha todas as indicações do governo, no primeiro semestre do ano que vem será apresentado ao congresso nacional arcabouço fiscal. Mas eu preferi ser prudente e colocar o exercício 2003 como prazo máximo para que o governo apresente todo o arcabouço fiscal para que nós possamos aí sim termos um novo parâmetro de de uma política econômica progressista”, disse o senador.
Novo formato para ampliar auxílio
A PEC tem como principal objetivo viabilizar o pagamento do Auxílio Brasil (ou Bolsa Família, caso o nome do benefício venha a ser alterado) em R$ 600 no ano que vem. Para isso, é preciso driblar o teto de gastos públicos, que impede o crescimento das despesas ano a ano para além da inflação.
Em seu relatório, Silveira estabeleceu que R$ 175 bilhões sejam ampliados no teto de gastos em vez de retirar o programa Auxílio Brasil do teto –como estava previsto inicialmente no texto original da PEC protocolado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI).
“Reconhecemos a importância do socorro à população em situação de vulnerabilidade social com o programa de transferência de renda atualmente denominado ‘Auxílio Brasil’, que, segundo a justificação da proposta, com as alterações que o novo governo pretende implementar (manutenção do benefício em R$ 600,00, mais adicional de R$ 150,00 por criança até 6 anos), está estimado em R$ 175 bilhões para 2023. Optamos por acrescer R$ 175 bilhões por ano ao limite do Teto de Gastos referente ao Poder Executivo nos anos de 2023 e 2024, em vez de excetuar o programa do Teto de Gastos”, afirmou Silveira, em seu relatório.
Desta forma, o espaço fora do teto de gastos não necessariamente seria o equivalente ao valor do Auxílio Brasil (ou Bolsa Família), mas ao cálculo feito por economistas estimado do impacto fiscal do aumento do benefício de R$ 400 para R$ 600 e o pagamento de R$ 150 a mais para cada criança de até seis anos na família. Caso o gasto com o programa seja inferior a R$ 175 bilhões, por exemplo, ainda assim o governo teria recursos fora do teto para gastar.
Nova brecha no teto em 2022
Outra mudança feita por Silveira no texto da PEC é a retomada da brecha para que haja um espaço fiscal no teto de gastos ainda neste ano. Esta brecha, revelada pela CNN após a apresentação do anteprojeto (ou seja, o esboço) da PEC, havia sido retirada na versão final da proposta apresentada por Marcelo Castro.
O relator da PEC estabeleceu, em seu texto, que os recursos de receitas extraordinárias sejam retirados do texto, sem especificar a partir de quando isso se dará. Como a proposta deve ser aprovada e promulgada ainda em 2022, essa nova regra se aplicaria ainda ao exercício financeiro de 2022 –o que possibilitaria ao governo Bolsonaro o desbloqueio de uma série de despesas limitadas pelo teto, como emendas do Orçamento Secreto, por exemplo.
O relatório também retira do cálculo do teto de gastos outras despesas, como investimentos financiados com recursos de organismos multilaterais e outros voltados a atender às obras do batalhão de engenharia do Exército.
Segundo técnicos do Congresso ouvidos pela CNN, essa modificação incluída no relatório teria como principal efeito a indução à captação de novos recursos, assim como se espera acontecer com os recursos de doações para instituições federais de ensino e para projetos socioambientais.
Despesas “carimbadas”
O relatório de Silveira está sendo lido na CCJ do Senado neste momento. Há expectativa de que haja um pedido de vista (ou seja, quando senadores pedem mais tempo para analisar a proposta).
Senadores aliados ao governo eleito esperam que, caso o presidente da comissão, Davi Alcolumbre, conceda esse pedido, que deve ser feito por congressistas aliados ao atual governo, de Jair Bolsonaro (PL), a PEC poderia ser votada na manhã de quarta-feira (7) na CCJ e, à tarde, no plenário do Senado.
Segundo fontes ouvidas pela CNN, a ideia de senadores é que o texto final defina no orçamento qual será o destino do valor que, em tese, já está previsto para o Auxílio Brasil no Orçamento deste ano (algo em torno de R$ 105 bilhões). Ou seja, que o texto final estabeleça se esses recursos serão usados para gastos em saúde, educação, infraestrutura ou outras políticas públicas.