‘Rachadinha’, relação com família Bolsonaro e prisão: entenda o caso Queiroz
Ex-assessor de Flávio Bolsonaro foi preso em desdobramento da investigação sobre esquema criminoso na Alerj
O policial militar aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor e ex-motorista do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi preso preventivamente na manhã desta quinta-feira (18) em um imóvel de Frederick Wassef, advogado do senador e filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em Atibaia (SP).
Próximo da família Bolsonaro, Queiroz ficou conhecido nacionalmente por ser suspeito de participação no escândalo das “rachadinhas” — apelido dado à prática de ficar com parte do salário de servidores de um gabinete — na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), que veio à tona em dezembro de 2018. Depois disso, pouco se soube sobre seu paradeiro — até sua prisão.
De acordo com um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), em 2016, quando estava lotado no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, Queiroz movimentou cerca de R$ 1,2 milhão em saques e depósitos fracionados, considerados atípicos pelo órgão.
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Família Bolsonaro
A relação de Queiroz com a família Bolsonaro vem de muito antes de o ex-assessor ficar conhecido. O próprio presidente Jair Bolsonaro disse, no final de 2018, que era amigo do ex-policial há mais de 30 anos.
Na ocasião, Bolsonaro afirmou que havia inclusive ajudado Queiroz financeiramente algumas vezes, e que um depósito de R$ 24 mil feito por Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro se referia ao pagamento de parte de uma dívida de R$ 40 mil.
Queiroz trabalhou como assessor, motorista e segurança do filho mais velho do presidente, Flávio Bolsonaro, por mais de 10 anos, entre 2007 e 2018. De acordo com as investigações, além de Fabrício, suas filhas Nathália e Evelyn e a mulher do ex-assessor, Márcia Oliveira de Aguiar, também trabalharam no gabinete de Flávio na Alerj. Nathália também teve um cargo no gabinete de Jair Bolsonaro quando ele ainda era deputado federal, em 2018.
Márcia também foi alvo de um mandado de prisão expedido na mesma operação que levou Queiroz à cadeia, e é considerada foragida. Ela também é investigada por envolvimento nas “rachadinhas” da Alerj.
Coaf
No fim de 2018, vieram a público as primeiras investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro e o relatório do Coaf. Em dezembro daquele ano, o jornal O Estado de S.Paulo teve acesso ao relatório do Coaf que falava das movimentações bancárias atípicas de Queiroz — que já havia sido exonerado do gabinete de Flávio Bolsonaro em 15 de outubro do mesmo ano.
Segundo o jornal, o relatório apontou que as movimentações seriam incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica e a ocupação profissional de Queiroz.
De acordo com a versão do ex-motorista, o dinheiro identificado pelo Coaf foi destinado para a contratação de mais assessores para o filho do presidente, de maneira informal e sem o conhecimento de Flávio. Outra parte do valor corresponderia a vendas de carros realizadas por Queiroz.
O documento foi enviado ao Ministério Público e anexado à investigação que motivou a Operação Furna da Onça, realizada em 8 de novembro do mesmo ano, prendendo 10 deputados estaduais da Alerj.
Silêncio
Em dezembro, Queiroz foi duas vezes chamado a prestar depoimento pelo Ministério Público, mas não compareceu. Seus advogados primeiro alegaram que não tiveram tempo para estudar os autos da investigação, e expuseram ainda uma “inesperada crise de saúde” do investigado. Depois, a defesa alegou que Queiroz passava por problemas de saúde, e que teve de ser submetido à uma cirurgia invasiva.
Ainda naquele mês, Queiroz concedeu a sua primeira entrevista sobre o relatório da Coaf. Ao SBT, o ex-assessor ofereceu sua primeira versão sobre a origem do dinheiro que movimentava, alegando ser um “homem de negócios” que comprava e revendia carros. “Sempre fui assim”, afirmou.
Nos primeiros dias de 2019, Queiroz foi submetido a uma cirurgia para a retirada de um tumor maligno no intestino. O procedimento foi realizado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Em maio do mesmo ano, os jornais O Globo e Folha de S.Paulo noticiaram que o ex-assessor pagou R$ 133 mil em espécie por seu tratamento.
Em janeiro de 2019, convidado pelo Ministério Público, Flávio Bolsonaro não compareceu para depor sobre as movimentações suspeitas envolvendo seu gabinete. Na época, o político disse que não havia tido acesso aos autos do processo.
Em julho de 2019, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, atendeu a pedido da defesa de Flávio Bolsonaro e decidiu suspender todas as investigações que tivessem como base dados sigilosos compartilhados pelo Coaf sem autorização prévia da Justiça. O caso ficou paralisado até 29 de novembro do ano passado, quando a decisão foi revogada pelo ministro Gilmar Mendes, também do STF.
Em 18 de dezembro, o juiz Flávio Itabaiana Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio, autorizou uma operação de busca e apreensão tendo como alvos ex-funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj, entre eles Fabrício Queiroz e sua mulher, Márcia. A autorização foi cedida depois que o Ministério Público do Rio de Janeiro observou uma movimentação suspeita de dinheiro em espécie em uma loja de chocolate da qual o filho do presidente é sócio.
Segundo o MP, a suspeita é de que o estabelecimento tenha sido usado para lavagem do dinheiro da “rachadinha” operada por Queiroz.
Denúncia de vazamento
Já em maio de 2020, mais de um ano depois da Operação Furna da Onça, o suplente de Flávio Bolsonaro no Senado, Paulo Marinho (PSDB-RJ), afirmou que ele foi avisado pela Polícia Federal de que Queiroz seria alvo da operação — o que teria apressado a exoneração de Queiroz e a manipulação de provas.
Flávio afirmou que a acusação de Marinho era uma “invenção” com a intenção de prejudicá-lo, já que seu suplente, pré-candidato do PSDB à prefeitura do Rio, pode assumir o cargo no Senado caso a investigação termine em uma cassação de seu mandato.
Em 26 de maio, depois de o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), afirmar que Flávio Bolsonaro “deveria estar preso”, o senador carioca respondeu às acusações lamentando “ter ajudado” o ex-juiz a se eleger como chefe do Executivo estadual e disse que Queiroz era “um cara correto”.
“Onde eu ia você ficava ligando para o Queiroz, botava assessor para ligar para ele para saber onde eu estava, para ir atrás de mim na campanha, porque sabia que o Queiroz estava do meu lado, trabalhando. Um cara correto, trabalhador, dando sangue por aquilo que ele acredita”, falou o senador durante uma transmissão ao vivo em seu Instagram.
Prisão
Um ano e meio depois da Furna da Onça, Fabrício Queiroz foi preso em Atibaia (SP) na manhã desta quinta-feira (18). Ele foi transferido para o Rio de Janeiro e está detido no complexo penitenciário de Gericinó, em Bangu, na zona oeste.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que a prisão de Fabrício Queiroz foi “espetaculosa”. Ele afirmou não estar “envolvido nesse processo”, e disse esperar “que a Justiça siga o seu caminho”. “Parecia que estavam prendendo o maior bandido da face da Terra”, afirmou o presidente.
Flávio se manifestou sobre a prisão de Queiroz em mensagem publicada em sua conta no Twitter. O senador disse ter recebido com tranquilidade a notícia e afirmou que “a verdade prevalecerá”.
O advogado do ex-assessor parlamentar, Paulo Emílio Catta Preta, afirmou que Queiroz não pensa em fazer delação premiada e “sempre esteve à disposição da Justiça”.
Relação com Wassef
Catta Preta não soube dizer qual a relação do cliente com o advogado de Flávio Bolsonaro, Frederick Wassef — dono do imóvel no qual Queiroz foi encontrado nesta manhã.
“Ele [Queiroz] falou que estava em São Paulo porque tem ido com alguma alguma regularidade por conta do tratamento [médico]. Mas ele não me disse e eu também não perguntei porque estava na casa do Frederick”, falou.
A assessoria jurídica de Bolsonaro negou que o presidente seja representado por Frederick Wassef. A advogada Karina Kufa afirma que seu escritório é o único a representar o presidente em ações na Justiça, tendo uma sociedade com o escritório Moraes Pitombo Advogados em processos criminais.
Wassef representou Bolsonaro, no entanto, em processos sobre o atentado cometido por Adélio Bispo contra o presidente durante a campanha eleitoral de 2018. O advogado também é figura constante no Palácio do Planalto, tendo sido nesta semana um dos convidados da posse do novo ministro das Comunicações, Fábio Faria.