Queiroz lamentou morte de miliciano e citava falta de dinheiro, diz comerciante
Segundo o comerciante, o ex-assessor demonstrava incômodo ao falar de Bolsonaro e seus filhos, mas sempre defendeu o presidente e Flávio Bolsonaro
Durante mais de um ano em que viveu em Atibaia (SP), o ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz fez apenas um amigo. Eleitor declarado do presidente Jair Bolsonaro, sócio do Clube de Tiro de Atibaia, formado em publicidade e engenharia mecânica, Daniel Carvalho, 35 anos, mora em Campinas e é dono da loja de conveniência em um posto de combustíveis próximo à casa do advogado Frederick Wassef, onde Queiroz foi preso.
A loja tem um deck de madeira que funciona como bar e restaurante e era o ponto preferido do ex-assessor na cidade. O Jornal Nacional, da TV Globo, revelou na quinta-feira 2) um vídeo no qual Daniel, Queiroz e Márcia de Aguiar, mulher do ex-assessor, tomam cerveja juntos. O vídeo parece ter sido gravado no final do ano passado porque, nele, Queiroz deseja “um feliz 2020”.
Segundo Carvalho, Queiroz estava muito deprimido nos últimos meses, reclamava da falta de dinheiro e dizia estar ansioso para depor o quanto antes ao Ministério Público e tentar retomar sua vida.
No primeiro momento, antes de selarem a amizade, Queiroz se apresentou com nome falso, Felipe, que é como se chama um de seus filhos.
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Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Daniel disse que Queiroz demonstrou tristeza quando o amigo e também ex-policial Adriano Nóbrega, acusado de integrar uma milícia no Rio, foi morto na Bahia. “Mataram um cara muito bom que não merecia ser morto”, disse Queiroz.
De acordo com o amigo, o ex-assessor demonstrava incômodo ao falar de Bolsonaro e seus filhos, mas sempre defendeu o presidente e o hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) das acusações de prática de “rachadinha”.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como você conheceu Fabrício Queiroz?
Na loja de conveniência. No começo sempre iam os três, a Ana Flávia (Rigamonti, advogada que trabalhava para Frederick Wassef), a Márcia (mulher de Queiroz) e ele. A Márcia e a Ana bebiam. Ele tomava suco e refrigerante. Como sempre falavam do cara na televisão, eu sabia que era ele. Como acontece com ele e com muitos clientes a gente guarda para a gente, não fica espalhando nada. Até porque nunca teve pedido de prisão contra ele, nada. Como ele ia bastante, duas três vezes por semana, a gente fez amizade.
Quando foi isso?
Cerca de um ano atrás. Acho que julho do ano passado.
Aí vocês se aproximaram e ficaram amigos?
A loja é pequena, a gente conhece a maioria do pessoal pelo nome. Como eu ficava muito lá naquela época eu já sabia, por exemplo, que a Márcia gostava de Heineken e servia a cerveja que ela gostava. Eles também pediam marmita. Eu ia entregar e conversava um pouco. Assim foi aumentando a amizade. Quando eles não pediam a gente sabia que eles estavam viajando.
Eram períodos longos que ele viajava?
Duas, três semanas. Ele ia e voltava. Às vezes ele ficava mais tempo, um mês ou dois. Mas nunca teve uma data certa.
Antes de vocês ficarem amigos ele se apresentava como Fabrício?
Não, Felipe. Nome do filho dele. A primeira vez que ele se apresentou foi como Felipe.
Foi você que teve a iniciativa de dizer que sabia quem ele era?
Não. Nossa amizade ficou tão grande que, lá por setembro do ano passado, bebi umas duas ou três cervejas, estava muito à vontade ele não estava lá, estavam só a Ana Flávia e a Márcia e eu contei. A Márcia perguntou se eu sabia quem eles eram e eu disse que sabia. Foi espantoso, mas eles receberam com alívio, porque sabiam que ali tinham um alívio. Foi espantoso, mas foi bom. A Márcia falou pro Fabrício e quando ele me encontrou já sabia que eu sabia. No comércio a gente tem essas coisas. Lá na loja vai cliente com a amante, deixa a amante e volta com a mulher. É uma regra de restaurantes e bares. Tem aquela frase famosa, o que acontece em (Las) Vegas fica em Vegas. Como não tinha pedido de prisão nem nada, eu fiquei na minha. Só eu sabia. Inclusive, era por isso que eu fazia as entregas. Para ninguém ver ou achar alguma coisa.
Ele não queria ser reconhecido?
Na verdade, ele usou esse nome (Felipe), mas nunca escondeu de ninguém quem ele era. Ele andava pela cidade, saía. Pouco mas saía. Antes de fazer as cirurgias. Minha companhia com ele era mais por problemas de saúde. Eu sempre levava ele para as consultas médicas em Bragança (Paulista). Ele fez muitos exames por causa do olho. Então, eu não saía com ele para lazer.
Qual problema ele tinha nos olhos?
Ele tinha uma bola em um olho. Não sei dizer o que era, mas estava muito feio. Ele estava enxergando muito mal. Aí ele marcou a cirurgia, foi pro Rio e quando voltou estava sem carro. Não sei como ele veio. Mas estava sem carro e sozinho e eu, por ser essa pessoa de confiança, ele, até meio sem jeito, me perguntou se podia levá-lo para fazer a cirurgia do olho. Eu levei. A cirurgia demorou demais. Lembro que, quando a gente saiu, eram umas 17h e ele me perguntou como estava o olho. Quando eu olhei era só sangue que caía. Era como se o sangue estivesse saindo do olho. Foi a cena mais horrível que eu vi na minha vida. Fomos na farmácia comprar os remédios e a moça quase desmaiou quando viu ele daquele jeito. Chegou a ser engraçado. Isso foi em fevereiro ou final de janeiro.
Ele também fez uma cirurgia na próstata?
Fez depois do olho. Ele já tinha marcado a cirurgia, não sei o que era, acho que câncer, e tinha que operar. Aí começou a história do coronavírus e eu falei pra ele não fazer a cirurgia mas ele quis fazer e fez. Quem estava com ele era a filha, Evelyn. Ela que o levou ao hospital. Ele ficou um tempão com sonda.
Queiroz gostava de Atibaia?
Ele estava com muita saudade da família dele. Muito preocupado com os filhos. Um dia, ele falou pra mim, quando estava almoçando, que tinha que encaminhar os filhos dele, garantir que eles estudassem. Ele estava com muito pouco dinheiro porque recebia só a aposentadoria da polícia e tem muitos filhos, paga as contas do apartamento e estava muito apertado financeiramente. Imagine o cara com problema financeiro, tendo que encaminhar os filhos e preocupado com tudo, aquilo começou a explodir o corpo dele.
Ele estava tomando antidepressivo?
Ele tomava antidepressivo e um remédio chamado Zolpidem para dormir. Ele estava tão preocupado com tudo que tomava o remédio, dormia e capotava. Realmente estava muito deprimido. Tanto é que um dia ele estava sozinho e foi pro Rio de Janeiro ver os filhos e voltou depois de dois ou três dias. Ele tinha muita saudade da família, preocupação com o futuro e com agora. Ele está na mídia e não sabe que tipo de maldade podem fazer com os filhos. Ele não comia, não tinha fome, estava ficando cada vez mais doente.
Ele dizia que podia ser preso?
Não. Isso ele nunca falou para mim. O que ele dizia, nesta última temporada, que estava esperando uma carta do Ministério Público para ir depor. Ele falou várias vezes: “está chegando a hora de ir lá depor”. Dizia que só estava esperando chamarem.
Mas ele foi intimado em 2018 e nunca compareceu.
Ele queria dia e hora. Nos últimos cinco dias antes de ser preso falou bastante disso. Um dia antes ele veio conversar comigo, disse que estava chegando a hora de falar ao Ministério Público, mas estava com a vista muito ruim e perguntou se poderia levá-lo ao Rio para depor. Eu disse que sim. Ele queria depor para poder retomar a vida.
Ele dizia o que poderia falar ao Ministério Público?
Ele falava que estava tranquilo, não cometeu crime nenhum, mas queria ir logo depor para ficar em paz e ter a vida dele de volta. Porque essa história tirou a vida do Fabrício. Ele não vivia. Era um cara do bem, sempre muito cortês, muito legal, os funcionários da loja gostavam muito dele. Essa história toda acabou com a vida dele. Ele desabafava comigo algumas coisas porque confiava em mim.
Ele se queixava de ter sido demitido pelo Flávio?
Não. Estes detalhes da vida pregressa ele nunca comentou. Ele falou muito pouco para mim de Flávio, de Jair. Sobre o gabinete ele nunca falou nada para mim. Acho que nunca se sentiu à vontade e eu também não perguntei. A gente era amigos dali para a frente.
Nestes poucos comentários, o que ele disse?
Falou que conhecia os filhos do Jair desde pequeno, viu as crianças pequenininhas, que conhece o Jair da época do Exército. Disse que é um homem muito bom, honesto, e que o Flávio também é honesto. Ele só elogiava.
Queiroz disse para o Ministério Público que pegava o dinheiro dos colegas de gabinete para fazer negócios. Ele não ganhou dinheiro com isso? Não tinha uma reserva?
Ele nunca comentou isso comigo. Nunca falou nada disso.
Como ele pagou as cirurgias?
Acho que foi o plano de saúde. Por isso ele fez em Bragança. Porque ele me contou que pagou a cirurgia do Einstein. Como estava com muito problema financeiro, ele disse que fazia dois anos que não trabalhava e estava apertado, então foi onde o convênio cobria.
Sobre o Adriano Nóbrega ele comentou alguma coisa?
Só uma vez ele ficou triste e disse que mataram um cara muito bom que não merecia ser morto e comentou o nome dele aqui no deck.
Vocês não falavam sobre política? Sobre o governo Bolsonaro?
Na verdade, ele odiava falar disso porque não se sentia bem justamente por causa do que aconteceu com ele. Às vezes eu comentava alguma coisa mas ele não puxava este assunto. A gente falava muito de futebol. Acho que ele não tinha ainda a liberdade toda de falar para mim sobre política.
Ele falava sobre Wassef?
Eu já conhecia o Fred. Ele era meu cliente antes disso tudo. Ele usava o lava-rápido e tomava café na loja. Eu não sabia que ele é advogado, nunca soube disso, muito menos que era advogado do Bolsonaro. O Fabrício não falava do Fred, só que eu sabia que a casa era dele porque tinha a placa lá na frente, e soube que a Ana Flávia trabalhava para ele. Eu sou uma pessoa inteligente e já entendi a situação sem ninguém me falar nada. Eu pressupus que aquela casa era do Fred e a moça era funcionária.
Como você descobriu o elo entre os dois?
Teve um dia que a Ana Flávia veio sozinha aqui no deck. Um domingo. E ela falou que tinha emprestado o carro para eles irem para o Rio porque deu algum problema com uma das filhas dele. Nesse dia a gente acabou conversando que o Fred tomava conta dela, que ela era funcionária dele. Depois disso, ela comentou que teve um problema de família, voltou para a cidade dela e nunca mais a vi. Foi aí que o Fabrício ficou sem carro, não tinha como se locomover, estava sozinho e de vez em quando me pedia um favorzinho. Aí começou a ficar depressivo, mas saiu em janeiro, fevereiro e março.
Alguma vez você viu Wassef e Queiroz juntos?
Nunca.
Você já viu Wassef na sua loja enquanto Queiroz estava na cidade?
Sim e não. A maioria das vezes não, mas acredito que pode ter coincidido alguma vez. Não tenho certeza, melhor dizer que não. O Fred não tinha um tempo preciso para vir aqui. E sempre vinha sozinho. O Fabrício pode ter mencionado o Fred, mas não lembro. Pode ter dito, “conheço”, mas nunca contou nenhuma história.
Queiroz demonstrava preocupação com o fato de a mulher e a filha Nathalia, terem entrado na mira do Ministério Público?
Não. Ele dizia que o negócio era com ele e elas não tinham nada a ver.
Sobre a questão da “rachadinha” ele falava?
Nunca. A única coisa que falou é que não fez nada de errado.
Ele era uma pessoa desconfiada?
Ele nunca contou as histórias do passado. Acho que não tinha ainda tanta intimidade. Ele sabia em quem podia confiar. Era um homem discreto. Um homem muito bom, admirável, diferente do que estão falando na TV. Estão acabando com a vida dessa família e é por isso que estou falando com você.