Queiroga busca equilíbrio entre juramento de Hipócrates e lealdade a Bolsonaro
Ministério terá à frente um profissional que fez o juramento de Hipócrates em 1988 e, agora, externa lealdade ao presidente Jair Bolsonaro



O jaleco voltará a ser o uniforme do titular do Ministério da Saúde, pasta lançada aos holofotes pela pandemia da Covid-19, que hoje faz do Brasil o epicentro da doença. Com a saída do general Eduardo Pazuello para dar lugar ao cardiologista Marcelo Queiroga, o ministério terá à frente um profissional que fez o juramento de Hipócrates em 1988 e, agora, externa lealdade ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao aceitar a missão de comandar a Saúde.
Nas primeiras declarações públicas após aceitar o convite para substituir Pazuello, Queiroga expôs como se equilibrará na tarefa. Defensor da vacinação em massa e da “adesão da sociedade civil às recomendações das autoridades competentes”, o futuro ministro afirmou que “não pode ser política de governo fazer lockdown” e que “política é do governo Bolsonaro, e não do ministro da Saúde“.
Em carta aos associados da Sociedade Brasileira de Cardiologia, da qual é presidente, Queiroga afirmou em janeiro que, “apesar do esforço da comunidade científica, ainda não há um tratamento específico para bloquear a replicação viral”.
Em entrevista na segunda-feira (15) à CNN, reafirmou não haver “tratamento específico”, mas defendeu a autonomia dos médicos. “Existem determinadas medicações que são usadas, cuja evidência científica não está comprovada, mas, mesmo assim, médicos têm autonomia para prescrever”, ponderou.
SUS fortalecido
Queiroga é o terceiro médico a ser indicado por Bolsonaro para comandar a Saúde. Se tantas mudanças em meio à pandemia refletem o caráter errático de condução da pasta pelo governo, deixam evidente o quanto o cenário poderia ser mais grave se não houvesse, desde a Constituição de 1988, um Sistema Único de Saúde (SUS) tripartite, universal e gratuito no país.
O primeiro titular da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), havia sido colega de Bolsonaro na Câmara e mais de uma vez foi citado pelo então candidato, na campanha de 2018, como sua referência para questões da área.
Antes da pandemia, Mandetta foi acusado de querer “privatizar o SUS”, depois de questionar em entrevista se seria “justo ou equânime uma pessoa que recebe 100 salários mínimos ter o atendimento 100% gratuito no SUS”.
A pandemia atropelou não só esse debate, mas se impôs como prioridade zero. Apesar das dificuldades na relação entre o governo federal, estados e municípios, como se observa na judicialização do financiamento de leitos de UTI, médicos e especialistas em saúde pública são unânimes em destacar a importância do SUS durante a pandemia, assim como os próprios titulares do ministério no governo Bolsonaro.
Ainda à frente da pasta, Mandetta adotou o colete do SUS como uniforme nas entrevistas coletivas sobre a pandemia – eventos que se tornaram motivo de desgaste com Bolsonaro. Seu sucessor, Nelson Teich, não manteve a indumentária, mas, quando provocado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se já tinha entrado em uma UBS, o então ministro respondeu que começou a carreira de médico no SUS.
Pazuello, sim, admitiu que não conhecia o sistema até se tornar ministro, pois contava com os equipamentos de saúde do Exército. Mas disse ter compreendido a “magnitude dessa ferramenta que o Brasil nos brindou”, em evento em outubro.
Antes de tomar posse de fato e de direito da pasta, Queiroga pediu aos futuros auxiliares um colete do SUS para usar no expediente. Pelo simbolismo, o novo ministro sabe que, para ser bem sucedido, precisa valorizar o sistema.