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    Quantidade de mandioca plantada já elegeu parlamentares no Brasil

    Segundo especialistas, requisito estava relacionado à manutenção da elite agrária

    Maria Clara Matosda CNN , São Paulo

    Diferente de hoje, em que é preciso ter nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, idade mínima determinada, domicílio eleitoral no estado que vai representar e estar filiado a um partido, um dos requisitos para eleger parlamentares no Brasil há 202 anos era ter uma determinada quantidade de mandioca plantada.

    Esse era um dos fatores que permitia que políticos compusessem a primeira Assembleia Constituinte do país, em 1823, no Rio de Janeiro. O primeiro esboço da Constituição brasileira feita por parlamentares na época, inclusive, foi apelidado de “Carta da Mandioca”.

    Uma renda anual mínima estabelecida e uma dimensão mínima de terra em seu nome eram as outras condições.

    Especialistas consultados pela CNN comentaram sobre a primeira assembleia brasileira — que acabou sendo dissolvida, junto à carta, que não chegou a vigorar.

    O Brasil, diferente de outros países da época, não contava com uma elite industrial, como na Inglaterra. No seu lugar, havia uma elite agrária, que ocupava o protagonismo econômico e político. E era a produção da farinha de mandioca que caracterizava o grupo no país.

    “O mecanismo de estabelecer a capacidade eleitoral passiva censitária era uma renda equivalente ao número ‘xis’ de alqueires e plantação de mandioca”, explica Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional.

    Era chamada a condição da mandioca, porque a farinha era realmente o alimento básico da população e era um mecanismo de você circunscrever a elite agrária.

    Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional

    Serrano explica que a nação se encontrava em uma democracia restrita, em que só podiam votar e ser votado os homens brancos, dotados de patrimônio ou renda. Trabalhadores, camponeses, mulheres, analfabetos, ficavam de fora da equação.

    De acordo com o sociólogo Wesley Santana, historiador da Universidade Mackenzie, o sistema representava uma troca direta da elite econômica com os países centrais do capitalismo da época, o que permitia um controle da economia sobre a política.

    Foi dessa forma que foram eleitos os primeiros presidentes da Câmara e do Senado no Brasil.

    O primeiro chefe da Câmara, Pereira da Nóbrega, que assumiu o comando em 1826, no Primeiro Reinado após a Independência. Músico e militar, Nóbrega foi ministro da Guerra em 1822, e fazia parte do Exército do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

    O mesmo aconteceu com o primeiro presidente do Senado, José Egydio Alvares de Almeida, que também havia sido responsável por negociar com Portugal a Independência do Brasil na segunda vez que dirigiu o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

    Na França e nos Estados Unidos por exemplo era quem tivesse patrimônio renda. Aqui no Brasil, além do patrimônio renda genérica, era vista a questão da produção da mandioca como uma forma de você limitar a participação política aos integrantes.

    Wesley Santana, historiador

    “O Estado é a representação dessa elite, ou dessas elites econômicas, que vai surgindo uma elite também urbana, mas inicialmente uma elite agrária”.

    Como o Legislativo funcionava?

    Na época, o deputado tinha um cargo temporário, enquanto senadores tinham cargos vitalícios. O senador tinha mais influência sobre as províncias, que no início do primeiro reinado de Dom Pedro I, totalizavam 18.

    Já as eleições eram divididas entre paróquias, comarcas e províncias.

    O sistema funcionava em “escalas”, onde para você ser elegível para as paróquias, por exemplo, eram necessários pelo menos o equivalente a 150 alqueires de plantação de mandioca. Os alqueires são medidas para o cálculo de áreas rurais, como os hectares.

    A “Constituição da Mandioca”

    O “resultado” da primeira Assembleia Constituinte brasileira foi a Carta da Mandioca, ou Constituição da Mandioca, que estabelecia limitações ao poder do Imperador.

    Por este motivo, mesmo com o texto aprovado pelos parlamentares, Dom Pedro I não aceitou o documento. Em vez disso, o “derrubou” com apoio militar.

    “Obviamente, acabaram de se proclamar a independência, tinham um certo ranço com relação a portugueses, etc. E isso se traduzia em normas que limitavam o poder do Imperador. Óbvio que o Imperador não se deu bem com isso e acabou fechando a constituinte e outorgando uma Constituição“, conta Serrano.

    O Imperador, então, se juntou com os militares da época e impuseram uma constituição outorgada, fechando a constituinte. O movimento ficou conhecido como “Noite da Agonia”, e aconteceu em 12 de novembro de 1823.

    Mesmo após derrubada, o imperador manteve a questão da capacidade eleitoral passiva censitária, o que permitia que os candidatos estivessem dentro da elite econômica da época  — que continuava sendo a agrária.

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