Presidente do STM sobre áudios da ditadura: “garanto que não estragou a Páscoa de ninguém”
Áudios do Superior Tribunal Militar divulgados no último final de semana revelam tortura contra presos durante a ditadura militar no Brasil
Áudios de sessões de julgamentos no Superior Tribunal Militar (STM) revelando torturas físicas e psicológicas sofridas por presos durante o período da ditadura militar no Brasil (1969-1985) foram divulgados no último final de semana.
A CNN teve acesso a parte do conteúdo, que totaliza 10 mil horas de gravações das audiências na Justiça Militar entre 1975 e 1979. Nos arquivos, ministros narram relatos de torturas e agressões contra presos, o que também indica que a alta cúpula do Judiciário militar tinha conhecimento da violência praticada naquele período.
Parte do conteúdo foi divulgado pela jornalista Miriam Leitão, do jornal “O Globo”, neste domingo (17).
Na abertura da sessão desta terça-feira (19) do tribunal, o atual presidente da instituição, o general Luis Carlos Gomes Mattos, falou sobre revelação dos áudios e disse que o ocorrido “não estragou a Páscoa de ninguém”. Segundo Mattos, o STM é “absolutamente transparente nos julgamentos”.
“Aquilo ali [divulgação dos áudios] a gente já sabe os motivos do porquê isso vem acontecendo agora, nesses últimos dias, seguidamente, por várias direções, querendo atingir as Forças Armadas, o Exército, a Marinha, a Aeronáutica e, sem dúvida, nós, que somos quem cuida da disciplina e hierarquia, que são os pilares das nossas Forças Armadas”, afirmou Mattos.
O general também destacou que disse ao coronel Didio Pereira de Campos, assessor de comunicação do tribunal, que “não fariam nada” a respeito dos arquivos e que “não temos resposta nenhuma para dar”.
“Garanto que não estragou a Páscoa de ninguém. A minha não estragou. Garanto que não estragou a Páscoa de nenhum de nós”, adicionou o general.
Sobre o assunto, o vice-presidente Hamilton Mourão descartou, na segunda-feira (18), a possibilidade de investigação das torturas: “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo (sic). Vai fazer o quê? Trazer os caras do túmulo de volta lá?”.
Nos áudios, é possível ouvir que generais reconhecem a “aparente veracidade” das denúncias. Eles mostram, porém, receio de que os fatos pudessem prejudicar a imagem do Exército e dificultar o “combate à subversão”.
Entre os relatos de violência e tortura, há o depoimento de Nádia Lúcia do Nascimento, que sofreu choques e palmatórias enquanto estava grávida, resultando na morte do bebê. Além disso, outros testemunhos dão conta de “ação moral com palavrões”, além dos maus tratos físicos.
Durante a abertura da sessão desta terça, o general Mattos disse que o incômodo causado pela divulgação dos áudios é que “vira e mexe, não tem nada para buscar. Hoje, vão rebuscar o passado. Só varrem um lado, não varrem o outro”.
Ele finalizou pontuando que era necessário continuar o trabalho do tribunal “como sempre o fizemos, da melhor maneira possível”.
Obtenção dos áudios
O STM passou a gravar as sessões a partir de 1975, inclusive as secretas. Em 2006, o advogado Fernando Augusto Fernandes pediu acesso ao material ao SMT, mas não obteve autorização. Foi ao Supremo Tribunal Federal e conseguiu a liberação. No entanto, o STM não atendeu.
Cinco anos depois, em 2011, a ministra Cármen Lúcia determinou que o advogado tivesse acesso irrestrito aos autos e foi acompanhada pelo plenário. Em 2015, as centenas de fitas de rolo foram digitalizadas. Em 2017, Fernandes conseguiu copiar a totalidade das sessões.
O historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aprimorou os áudios — mesmo assim muitos trechos ainda são inaudíveis — e passou ouvir todo o conteúdo. Por enquanto, metade dos áudios foi analisada.
O advogado Fernando Augusto Fernandes planeja lançar um site com todo o material armazenado e transcrito. O portal se chamará “Voz Humana”. As gravações compreendem o período de 1975 a 1979.
Fernandes rebateu hoje a fala do general Mattos. “A divulgação de áudios com revelações sobre as torturas e outros crimes ocorridos durante a Ditadura Militar não visam atingir às Forças Armadas ou o próprio STM, como aponta o seu atual presidente, o ministro Luís Carlos Gomes Mattos. As instituições amadurecem quando reconhecem a história e caminham em passos seguros para a democracia”, declarou.
*com informações de Iuri Corsini e Maria Mazzei, da CNN