PF conclui que não houve mandante nem pagamento a hackers que acessaram mensagens da Lava Jato
Relatório diz que a investigação "não identificou um possível agente que tenha solicitado ou determinado aos investigados a invasão dos dispositivos eletrônicos de autoridades públicas"
A Polícia Federal (PF) concluiu que os hackers que acessaram mensagens dos integrantes da Lava Jato agiram sozinhos e não foram pagos para invadir o aplicativo de mensagens Telegram. No último dia 12 de abril, com base nas conclusões da PF, o procurador Wellington Divino Marques de Oliveira pediu arquivamento do caso. A informação foi antecipada pelo site da revista “Veja” nesta quinta-feira (12) e confirmada pela CNN.
O relatório da PF, ao qual a CNN teve acesso, diz que a investigação “não identificou um possível agente que tenha solicitado ou determinado aos investigados a invasão dos dispositivos eletrônicos de autoridades públicas oferecendo ou fornecendo uma contrapartida financeira para a prática dos delitos investigados, tendo como objetivo embaraçar investigações criminais envolvendo organizações criminosas”.
A manifestação do Ministério Público Federal (MPF) está, agora, com o juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, a quem cabe a decisão final sobre o encerramento do caso. Normalmente, a Justiça acolhe os pedidos de arquivamento da Procuradoria da República.
As conversas que indicavam proximidade entre o então juiz Sergio Moro e a equipe da Lava Jato foram usadas, por exemplo, pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para garantir que o STF (Supremo Tribunal Federal) anulasse os processos que foram conduzidos por Moro.
O inquérito da chamada Operação Spoofing foi aberto no final de 2019. Durante dois anos e meio, a Polícia Federal conduziu uma investigação sigilosa para apurar a existência de mandantes e pagamentos aos hackers acusados de invadir o Telegram do ex-procurador Deltan Dallagnol e, em seguida, divulgar as mensagens para o site “The Intercept Brasil”. Moro e Dallagnol foram procurados pela reportagem, mas ainda não se manifestaram.
Walter Delgatti Neto, um dos integrantes do grupo, foi o responsável por capturar as conversas privadas dos integrantes da força-tarefa de Curitiba. Durante a investigação, a Polícia Federal analisou uma série de depósitos suspeitos nas contas dos hackers entre 2018 e 2019, quando eles foram presos, e concluiu que foram oriundos de fraudes bancárias praticadas anteriormente por alguns deles.
A PF fez uma perícia em todo o material apreendido pela Operação Spoofing. Nas contas de Delgatti, por exemplo, havia depósitos que totalizavam R$ 83.430, de novembro de 2018 a abril de 2019, mas não ficou estabelecido “qualquer vínculo com possíveis mandantes das invasões aos dispositivos eletrônicos de autoridades públicas”.
“Analisadas, nos e-mails e demais materiais apreendidos, bem como nas movimentações financeiras realizadas, e confrontando essas transações com o conteúdo examinado, não foi possível identificar um agente que tenha requerido aos réus que iniciassem ou continuassem as invasões aos dispositivos sob o fornecimento de qualquer tipo de vantagem ou promessa de fornecê-la”, diz o relatório da PF.
De acordo com o parecer, assinado pelo delegado Fábio Shor, os elementos obtidos pela PF “não permitem concluir a existência de uma terceira pessoa que teria selecionado os alvos e determinado a invasão de seus dispositivos” e que as provas colhidas indicam que os alvos foram selecionados pelo próprio Walter Delgatti Neto.
Procurado pela CNN, o advogado de Delgatti, Ariovaldo Moreira, disse que não se surpreende com o desfecho do inquérito porque a “defesa sustenta desde o início que Walter agiu sem motivação política, financeira ou a mando de terceiros. Simplesmente, na qualidade de cidadão, divulgou atitudes que considerou ilícitas cometidas pelos operadores da Lava Jato”.
Em dezembro de 2020, em entrevista exclusiva ao analista de política da CNN Caio Junqueira, Delgatti afirmou que não havia recebido para capturar as mensagens.
“Não, ninguém pagou. No começo, eu até pensei [em ganhar dinheiro com as mensagens], para ser bem sincero. Mas comecei a entender o que eu estava fazendo. A Manuela [d’Ávila, ex-deputada federal], assim que eu comecei a conversa com ela, ela perguntou: ‘o que você quer por isso? Quanto você quer por isso?’ Eu disse que não queria nada em troca e que ia enviar, e queria apenas justiça. Foi quando ela me passou o contato do Glenn [Greenwald, jornalista americano fundador do site The Intercept, que divulgou trechos das conversas hackeadas].”
Procurados, Moro e Deltan disseram, por meio de suas assessorias, que não vão se manifestar.