Ordem superior impediu transferência de Ribeiro, diz delegado da PF em carta
Ex-ministro teria sido tratado com honrarias não existentes na lei, segundo Bruno Calandrini
O delegado da Polícia Federal (PF) Bruno Calandrini declarou, em carta enviada à equipe da Operação Acesso Pago, que uma ordem superior impediu a transferência do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro para Brasília. As informações são da analista de política da CNN Thais Arbex.
“O deslocamento de Milton para a carceragem da PF em SP é demonstração de interferência na condução da investigação, por isso, afirmo não ter autonomia investigativa e administrativa para conduzir o Inquérito Policial deste caso com independência e segurança institucional”, disse o delegado na carta.
Calandrini ainda revela que mantém a posição de que a investigação foi “obstaculizada” por não realizar a transferência.
Em suas palavras, Ribeiro foi tratado “com honrarias não existentes na lei”. Isso teria acontecido mesmo com o empenho das equipes da PF que realizaram a operação em Santos, no litoral paulista “e estava orientada, por este subscritor, a escoltar o preso até o aeroporto em São Paulo para viagem à Brasília”.
Por fim, a autoridade questiona: “quantos presos de Santos, até ontem, foram levados para a carceragem da SR/PF/SP?”
Foi aberta uma investigação pela Polícia Federal nesta quinta-feira (23) para apurar uma eventual interferência na operação.
“Considerando boatos de possível interferência na execução da Operação Acesso Pago e objetivando garantir a autonomia e a independência funcional do Delegado de Polícia Federal, conforme garante a Lei nº 12.830/2013, informamos que foi determinada a instauração de procedimento apuratório para verificar a eventual ocorrência de interferência, buscando o total esclarecimento dos fatos”, disse a PF em nota.
Ribeiro teve sua prisão cassada pelo desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
A analista de política da CNN Thais Arbex falou com três homens fortes da Polícia Federal e, nos bastidores, o clima é de indignação após a carta. Parte considerável da corporação está indignada com o material, já que, segundo eles, a decisão sobre o deslocamento teve relação com o caso dos assassinatos do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips.
De acordo com essas fontes, a superintendência da PF em São Paulo chegou a consultar a direção da corporação sobre o uso da aeronave, mas foi informada de que não haveria disponibilidade. Uma opção seria transportar o ex-ministro em um voo comercial, mas a polícia avaliou que haveria riscos, mesmo com a presença de escolta. Consideraram ainda que a opção do voo de carreira provocaria um “espetáculo” semelhante aos da Operação Lava Jato.
A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) expôs, em nota, que “permanecerá vigilante para evitar prejuízos a qualquer investigação e atenta para que o trabalho de excelência da Polícia Federal não sofra questionamentos. Nesse sentido, a ADPF acompanhará a investigação anunciada pela direção da Polícia Federal à denúncia de possível interferência apresentada pelo delegado que conduz a investigação.”
“Os policiais federais desempenham suas atribuições legais com ética, equilíbrio e independência – sem se preocupar com ideologias ou posicionamentos políticos de seus investigados. A operação deflagrada para investigar possíveis ilegalidades no Ministério da Educação foi conduzida de forma técnica, com base nos indícios colhidos e com respaldo da Justiça Federal, do Ministério Público Federal e demais órgãos de controle.”
“É fundamental destacar que a Polícia Federal é órgão de Estado e não de Governo, por tanto, não pode estar exposta a interferências externas”, finalizou.