O que é ADPF, quando é cabível e efeitos da decisão
Até o momento, 18 governadores recorreram ao STF para não serem obrigados a comparecer à CPI da Pandemia


Entenda o que é ADPF, ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ação levantada pelos governadores brasileiros no Supremo Tribunal Federal (STF) durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) realizada durante a pandemia.Leia também:
O que é uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental)?
ADPF é um recurso apresentado ao STF como argumentação de que determinada medida tomada por alguma instância do poder público atenta contra preceitos fundamentais existentes na Constituição de 1988, a qual completou 34 anos em Outubro de 2022, como direito de defesa e de liberdade, por exemplo.
Além disso, como explica Lênio Streck, jurista e professor de Direito Constitucional da Unisinos, a ADPF também é um instrumento que busca “a garantia de direitos contra leis anteriores à Constituição” vigente.
Com a ADPF, quem entra com o recurso pede que uma medida – pode ser uma lei aprovada por uma casa legislativa, um decreto ou mesmo um “ato decisório”, como é o caso das convocações dos governadores para deporem à CPI – seja desfeita pela Justiça porque, teoricamente, estaria contra a Constituição Federal.
É este o caso dos governadores, que argumentam que uma CPI no Senado, ou seja, uma investigação feita por integrantes do Poder Legislativo na esfera federal, não poderia obrigar chefes do Executivo estadual a prestar depoimento.
Eles pontuam que seria uma interferência indevida em outra esfera de poder.
Governadores apresentaram ADPF para não comparecer à CPI

A convocação na época feita pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia para que nove governadores fossem depor aos senadores gerou uma resposta em bloco por parte da maioria dos chefes dos Executivos estaduais.
Em 28 de maio de 2021, 18 governadores brasileiros ingressaram com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF, questionando a competência da CPI para convocar governadores a prestar depoimento.
“A liberalidade da Constituição fala que o governador é julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), e que ele não tem que se submeter a prestar esclarecimentos a uma casa legislativa federal por ser chefe do Executivo”, explica Renato Ribeiro, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, e doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP).
“Inclusive”, lembra Ribeiro, “isso já foi decidido no passado, há um precedente do ministro Marco Aurélio. É preceito dos governadores não se submeterem a esse tipo de autoridade”.
O jurista faz referência à decisão que o ministro Marco Aurélio Mello tomou em 2012, quando o então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), conseguiu uma liminar para não comparecer à CPMI do Cachoeira, que investigava ligações entre o contraventor Carlinhos Cachoeira e agentes públicos.
Na ocasião, Marco Aurélio argumentou que sua decisão buscava preservar a autonomia dos estados. Para o ministro, a própria Constituição veda a possibilidade de uma CPI do Congresso “vir a convocar, quer como testemunha, quer como investigado”, algum governador.
Para Lênio Streck, o fato de a lei 1.579/52, que dispõe sobre as CPIs, não falar em convocação de governadores, mostra que, desde o início das comissões de inquérito ocorridas no Congresso, buscou-se preservar a independência das esferas de poder.
“Por isso, tem grande chance de o STF dizer que eles [os governadores] não precisam comparecer. Além disso, a CPI não pode ferir o princípio federativo, isto é, trata de questões ligadas ao governo federal. Quem trata dos estados são os parlamentos estaduais”, reforça Streck.
Renato Ribeiro acredita que os senadores da República já sabiam da pouca chance de conseguirem convocar os governadores quando apresentaram os requerimentos.
Assim, avalia, os pedidos de convocação foram mais um “ato político” do que um movimento efetivo.
Contudo, ainda que o STF desobrigue os governadores de atenderem a convocações da CPI, eles poderão comparecer à comissão voluntariamente.
O que são os preceitos fundamentais?
Para entender o que é ADPF, é necessário conceituar os preceitos fundamentais. Entretanto, embora esteja previsto na Constituição de 1988 a arguição de descumprimento de preceito fundamental, o texto não apresenta o que seria, de fato, preceitos fundamentais ou quais são as disposições para que sejam qualificadas.
Há diversas análises de profissionais do que seriam os preceitos fundamentais dentro desse contexto, como por exemplo os valores intrinsecamente ligados aos valores da sociedade, como a liberdade e igualdade, que podem ser lidos como fundamentais.
Outra definição é que são preceitos fundamentais as ações que exercem função ou têm valor de fundamentar e consolidar a ordem jurídica do Estado.
Conceito do caráter de subsidiariedade
Um fator importante a se ressaltar sobre a ADPF é que ela é considerada um instrumento de ação subsidiário, ou seja, é um instrumento que serve para auxiliar na aplicação das leis.
A lei que rege a ADPF surgiu 11 anos após a promulgação da Constituição Federal para tapar uma lacuna, ou seja, trata-se de um tipo de ação que só deve ser utilizada dentro da sua finalidade.
Existem outros mecanismos, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) que tem cabimentos específicos no âmbito do controle concentrado.
A ADF surge então justamente para melhor efetivar esses instrumentos constitucionais.
Quais são legitimados para propor esse tipo de ação?

A Lei no 9.882/92, que dispõe sobre a ADPF, esclarece que os legitimados para propor esse tipo de arguição de descumprimento de preceito fundamental são aqueles que podem propor ação direta de inconstitucionalidade (ADI), e que estão presentes na Constituição Federal Brasileira.
Ou seja, de acordo com a legislação, podem propor a ADPF:
- O Presidente da República;
- A Mesa do Senado Federal;
- A Mesa da Câmara dos Deputados;
- A Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
- Governadores de Estados da Federação ou do Distrito Federal;
- O Procurador-Geral da República;
- O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB);
- Partidos políticos com representação no Congresso Nacional;
- Confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.
Ou seja, somente três mesas (Senado, Câmara e Assembleia), três pessoas (Presidente, Governadores e o PGR) e três órgãos (partido político com representação no congresso, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional e o conselho federal da OAB) podem entrar com o pedido.
Quando uma ADPF é cabível?
Além de ser utilizada em casos de descumprimento de preceito fundamental, a ADPF também é considerada um instrumento de ação subsidiário, residual, pois, via de regra, quando não couber uma ADI, ADC ou qualquer outro mecanismo de controle concentrado, pode ser utilizada a ADPF.
Por conta disso, a ADPF também é cabível nas seguintes situações:
- Atos administrativos;
- Atos normativos municipais;
- Atos normativos distritais, exercidos no âmbito da competência municipal;
- Atos normativos pré-constitucionais (editados antes da Constituição de 1988);
- Atos pós-constitucionais já revogados ou de efeitos exauridos;
- Decisões judiciais, salvo se elas tiverem transitado em julgado.
Efeitos da decisão
A ADPF pode consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processos ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.
Conheça casos históricos de ADPF no Brasil
Confira alguns exemplos para compreender melhor o que é ADPF:

A ADPF 347 foi uma alegação fundamentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) com julgamento em 2015, em que foi reconhecido o “estado de coisas inconstitucional” do sistema carcerário no país.
O PSOL defendeu que a precarização do sistema carcerário era causa de violência contínua e ferimento aos direitos humanos dos presidiários. Por conta da ADPF 347, o STF determinou que fossem realizadas audiências de custódia pelo Brasil.
Outra consequência desse caso foi a determinação da liberação de verbas do Fundo Penitenciário Nacional pela União.
ADPF 54
A ADPF 54 foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNTS) em um caso que envolvia uma gestante que pediu autorização judicial para abortar após o diagnóstico de anencefalia do filho, mas teve o pedido negado pelo juiz.
Depois de receber várias negativas no decurso processual, a autora teve seu pedido deferido pelo STFG somente quando já tinha dado à luz.
Dessa forma, ao tomar conhecimento da ação, e em defasa da não criminalização dos profissionais de saúde que trabalhem provocando abortos em razão de diagnósticos de anencefalia, a CNTS propôs a ADPF em 2004, que só foi julgada 8 anos depois, com 8 votos a favor e 2 contra.
Nessa decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal entendeu que fetos anencéfalos não são juridicamente vivos, em que pese ser biologicamente e, portanto, o abortamento, nesses casos, não configuraria crime contra a vida.
ADPF 130
Outro exemplo é a ADPF 130, que surgiu com o foco de revogar a Lei de Imprensa, que foi elaborada antes da promulgação da Constituição de 1988, em 1967, durante o auge da ditadura civil-militar.
Nesse caso, entendeu-se que a lei atenta contra o direito fundamental da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, pois traria penalidades que incluíam, inclusive, a prisão de jornalista.
Veja as principais notícias sobre negócios na CNN!
Resumo
- O que é ADPF? A sigla significa Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
- Essa é uma ação que pode ser apresentada ao STF como argumentação de que determinada medida, por alguma instância do poder pública, atenta aos preceitos fundamentais da Constituição de 1988.
- A ADPF também é um instrumento que busca “a garantia de direitos contra leis anteriores à Constituição” vigente.
- Não há um conceito definido na redação da Constituição sobre o que seriam os preceitos fundamentais, mas podem ser considerados como tal os valores intrinsecamente ligados aos direitos à liberdade e igualdade.
- Outra definição é que preceitos fundamentais são ações que exercem função ou possuem valor de fundamentar e consolidar a ordem jurídica do Estado.
- De acordo com a legislação, são legitimados a utilizar a ADPF aqueles que podem propor ação direta de inconstitucionalidade (ADI), como Presidente da República; mesa do Senado Federal e Câmara dos Deputados; Procurador-Geral da República; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); partidos políticos com representação no Congresso Nacional e confederações sindicais, entre outros.
Destaques do CNN Brasil Business