Não haverá embates nem retaliações do Legislativo ao Judiciário, diz Pacheco à CNN
"Sociedade não pode ser penalizada por eventual divergência de entendimentos", afirmou o presidente do Senado durante evento da Esfera Brasil em Paris
O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou, em entrevista à âncora da CNN Tainá Falcão, neste sábado (14), que não acredita que haja no Brasil uma crise na relação entre os Poderes Legislativo e Judiciário neste momento. A entrevista ocorreu durante o I Fórum Esfera Internacional, realizado pela Esfera Brasil em Paris, na França.
Questionado sobre tensões no relacionamento com o Judiciário, Pacheco garantiu: “Não vamos promover retaliações.”
Pacheco também falou sobre a relação entre Câmara e Senado, a tramitação da reforma tributária no Congresso e as perspectivas para as próximas eleições.
Confira a entrevista na íntegra
CNN: Qual seria, na sua avaliação, uma definição mais justa para este momento da relação entre o Legislativo e o Judiciário?
Pacheco: Busca de convergências. Não há crises. Nós não vamos promover embates nem retaliações, e esperamos que o mesmo seja o sentimento dos demais Poderes.
Nós temos que buscar, no momento em que consolidamos a democracia, o equilíbrio entre os Poderes. A Constituição Federal é o manual e o caminho para definirmos isso.
A Constituição define a existência, a organização e as atribuições do Poder Legislativo, do Poder Executivo e do Poder Judiciário; a concepção das leis do país, a definição dos comandos constitucionais. Ela é a legitimidade e a atribuição do Poder Legislativo. Por uma razão muito simples, o Executivo tem a sua representação do presidente da República e do vice-presidente da República, que são eleitos, e os ministros e os cargos do governo são escolhidos pelo presidente.
Enquanto o Judiciário, no caso da alta corte do Supremo Tribunal Federal [STF], é composto por ministros indicados pelo presidente e sabatinados no Senado.
Mas o Legislativo é formado por 594 parlamentares votados diretamente pelo povo, portanto, a essência do que é a vontade popular e que todo o poder emana do povo, é uma premissa do Legislativo.
As grandes definições nacionais, para onde o Brasil deve se encaminhar, é um papel muito genuíno do Legislativo e é isso que nós defendemos: prerrogativas do Poder Legislativo, a definição da grandes questões nacionais no âmbito do Congresso Nacional, sem desconhecer as atribuições e os limites dos outros Poderes.
CNN: O Supremo tem tratado de questões sensíveis, como as chamadas pautas de costumes. O senhor enxerga algum caminho, no curto horizonte, para que essas pautas sejam levadas para discussão no Congresso Nacional?
Pacheco: É preciso ter compreensão que o Congresso tem obrigação de legislar, e nos últimos anos legislou em diversas matérias, sobre inúmeros marcos legislativos.
Por exemplo, a Lei Maria da Penha foi compreendida no Congresso; quando se fala do direito dos negros e afrodescendentes, nós temos inúmeros dispositivos de defesa ao afrodescendente e de combate ao racismo; em relação à juventude e ao direito das crianças, temos o Estatuto da Criança e do Adolescente, concebido no Congresso.
Nós não deixamos de legislar. Quando há algum tipo de opção de não se deliberar sobre determinado tema e fazer prevalecer a lei atual, essa também é uma forma de posição política do Congresso Nacional.
Em relação à questão das drogas, e descriminalização do porte, essa é uma questão que cabe ao Legislativo. Se ele não deliberou pela descriminalização do porte de drogas, é porque a opção dele é fazer valer a lei atual, que define o tipo penal, ainda que mais brando, para o porte de drogas para uso pessoal.
Essa dinâmica do Congresso deve ser respeitada por todos, nessa compreensão de que cabe ao Congresso Nacional essa definição política.
CNN: Há uma interpretação dentro do Senado de que quando você se posiciona sobre essa divergência ocasional com o Judiciário, o senhor também sinaliza para dentro, para a oposição. O senhor está fazendo um gesto para a oposição também?
Pacheco: Estou cumprindo a minha obrigação, de presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, chefe de um Poder que precisa, por comando constitucional, zelar pela sua prerrogativa legislativa.
Eu não posso me omitir nisso, eu busco sintetizar e equilibrar as diversas e plurais forças que existem no Senado Federal e no Congresso Nacional, nos mais variados sentidos, e buscar externar o que é a vontade da maioria.
Esse meu papel não é um papel simples, não é uma sinalização para o grupo A ou o grupo B, ou para a oposição ou para a situação. Na verdade, se trata de extrair o que é o sentimento do Congresso Nacional em relação a diversos temas e poder ser o porta-voz disso como o presidente da Casa que sou.
Não há aí nenhuma intenção que não seja de zelar pelas prerrogativas parlamentares e fazer prevalecer o que é realmente legítimo.
Nós fomos votados pelo povo brasileiro, nós fomos escolhidos pelo povo brasileiros. Nós nos submetemos ao crivo da população de quatro em quatro anos, em eleições periódicas, e precisamos sintetizar o que é a vontade popular.
Então é esse o nosso caminho, é essa a nossa busca, obviamente com respeito aos demais Poderes. Mas deixando claro que o papel de legislar sobre todas essas questões que estamos tratando é do Congresso Nacional e do Poder Legislativo.
CNN: Em que momento se dá a relação com a Câmara dos Deputados, com quem o Senado divergiu no começo do ano sobre o andamento das Medidas Provisórias? Essa discussão foi sanada ou ainda está em curso?
Pacheco: Por ser uma Casa política, por ser uma Casa de representação popular, tanto o Senado como a Câmara hora convergem e hora divergem. Um ponto de divergência foi a tramitação das Medidas Provisórias no início do ano.
O Senado Federal teve uma compreensão unânime de que, se tratando de Medida Provisória, em matérias que recomendam relevância, urgência e obviamente podem ser sujeitas à MP, é preciso ter uma comissão mista de senadores e deputados para poder avaliar essa medida.
A Câmara dos Deputados entendeu de modo diverso, pretendeu algum tipo de modificação constitucional no rito dessas MPs, houve um ponto de divergência.
De qualquer modo, a obrigação pública do Congresso Nacional como um todo permitiu a aprovação de MPs de reestruturação do governo, dos ministérios, do Bolsa Família, do Minha Casa Minha Vida, do Mais Médicos, recentemente de crédito extraordinário, então obviamente nós estamos andando com as medidas provisórias.
Mas houve, de fato, uma posição da Câmara que impôs ao governo federal o encaminhamento, ao invés de Medidas Provisórias, de Projetos de Lei (PLs) com urgência Constitucional e que tem acontecido. Algo também que nós não vamos negar porque é Constitucional o encaminhamento de PLs.
O importante é que nós possamos dar andamento a todas essas medidas legislativas, seja como MP, ou como PL. A sociedade não pode ser penalizada por eventual divergência de entendimento entre Câmara e Senado.
CNN: Falando sobre a pauta do Senado, vocês têm agora uma importante missão, que é aprovar a reforma tributária. Qual a sua avaliação sobre o ambiente político? Na Câmara, os deputados conseguiram avançar rapidamente com essa pauta. O Senado vai seguir nesse rito? Há ambiente para isso?
Pacheco: Eu acredito que o Senado vai entregar a reforma tributária, confio nisso. O trabalho do senador Eduardo Braga [relator do tema no Senado] tem sido muito constante em favor disso, com uma programação já definida de apresentação do seu parecer no final de outubro.
Obviamente deverá ter pedido de vista, e nós vamos ter todo o período necessário para poder examinar o parecer do senador Eduardo Braga. Tanto os membros da Comissão Constituição e Justiça [CCJ], como os demais senadores e senadoras da República terão a oportunidade de apresentar suas emendas e suas sugestões ao texto.
Nós vamos ter aquilo que é mais democrático de um parlamento, a oportunidade que a maioria possa decidir qual a reforma tributária que nós vamos entregar. Pode ser integralmente a que a Câmara fez, pode ser com modificações, isso é um exercício da maioria, que certamente será feito pelo Senado nos próximos dias.
CNN: Outros assuntos que estão em discussão, como a PEC dos Militares, essas propostas que dizem respeito ao STF, vão avançar no plenário neste ano?
Pacheco: A intenção, primeiro, é deixar muito claro que não há uma perspectiva do Senado de iniciar uma reforma do Estado ou uma reforma dos Poderes a partir do Judiciário.
Nós temos a compreensão de que coisas que não andam bem precisam ser mudadas, e isso se atribui inclusive ao Poder Legislativo e à política. Temas como o fim da reeleição, a coincidência de mandatos, a nova legislação eleitoral, a própria anistia que se pretende fazer a partidos políticos, tudo isso precisa ser muito bem refletido, muito bem pensado.
Assim como devem ser muito bem pensadas, também, as regras de Orçamento. A partir do momento que nós tivermos uma reforma tributária, é urgente deliberar sobre o tamanho do Estado brasileiro e a qualidade do gasto público, haja vista que a reforma tributária é para arrecadação e nós vamos destinar esse recurso, é melhor que se destine da melhor forma possível.
Os temas relativos ao Poder Judiciário são absolutamente honestos, de propostas que já vêm tramitando há algum tempo, que alguns países adotam, que os próprios ministros do Supremo, inclusive ex-ministros, já defenderam em algum momento.
Esse é o caso do mandato de ministros do STF, a elevação da idade mínima para ingresso na Suprema Corte, uma disciplina maior em relação às decisões monocráticas, por exemplo.
É muito importante que a manifestação de poder que dá a palavra final a conflitos jurídicos e sociais pelo Poder Judiciário se dê através de sua colegialidade, ou seja, seja o pleno do STF que decida aquele precedente ou jurisprudência, e não uma decisão monocrática sobre a qual pode haver um alongamento de uma definição que gera uma insegurança jurídica.
O que nós estamos deliberando e discutindo não é uma retaliação, como é no caso de uma pretensão de um impeachment sem nenhuma justa causa, ou uma revisão das decisões do Supremo pelo Congresso Nacional.
São medidas honestas, já discutidas, adotadas em outros países, e que serão debatidas exaustivamente até uma definição do Parlamento definir isso.
CNN: Olhando para a eleição, o seu nome está sendo aventado para o governo do estado de Minas Gerais. O senhor será candidato ou tem essa intenção?
Pacheco: Hoje eu não tenho nenhuma definição em relação a isso, nenhum tipo de perspectiva também desse futuro político. Neste momento, eu tenho um compromisso muito sério: ser presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional.
No momento em que nós tivemos uma pandemia; um déficit educacional fruto da pandemia; um negacionismo enorme; uma divisão da sociedade brasileira; um aumento constante da violência no Brasil. Nós temos que ter uma responsabilidade com aquilo que fazemos neste instante.
Se eu me permitir qualquer tipo de perspectiva eleitoral ou adotar os meus procedimentos e as minhas decisões de agora com esse objetivo eleitoral, eu vou estar traindo a mim mesmo.
Eu não me permito fazer isso, ainda que eu considere nem disputar novas eleições, que é, inclusive, o que eu considero verdadeiramente, que é cumprir a minha missão na presidência do Senado e o restante do meu mandato como senador e eventualmente não disputar eleição.
Todas essas alternativas são postas, então é algo que eu vou refletir em um momento breve. Mas neste momento, o que eu penso é na contribuição que eu posso fazer para o meu país.
O fim da reeleição é uma medida possível; a coincidência de eleições, para nós acabarmos com esse estado eleitoral permanente no Brasil; uma melhor disciplina do gasto público após uma reforma tributária que eu espero muito que a gente possa entregar para a sociedade; um STF e o Judiciário cada vez mais valorizados e respeitados pela sociedade. Eu busco verdadeiramente isso.
Veja também: CCJ aprova PEC que limita decisões monocráticas do STF
*Publicado por Iasmin Paiva, com informações de Tainá Falcão, da CNN