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    Moraes vota contra marco temporal de terras indígenas, e Mendonça suspende julgamento

    Tese defendida por ruralistas prevê que povos originários só podem reivindicar territórios que estavam ocupando na data da promulgação da Constituição em 1988

    Lucas Mendesda CNN , Brasília

    O ministro Alexandre de Moraes votou nesta quarta-feira (7) contra a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Na sequência do seu voto, o ministro André Mendonça pediu vista (mais tempo para análise) e suspendeu o julgamento.

    Com o voto de Moraes, a Corte retomou o julgamento do tema, que havia sido suspenso em 2021 por um pedido de vista do próprio Moraes. A nova paralisação pode durar até 90 dias. Depois desse prazo, o processo fica liberado automaticamente para julgamento.

    No momento, o placar contra o marco temporal está 2 a 1. Há diferenças nos votos contrários ao marco.

    Moraes acompanhou a posição do relator, Edson Fachin, contrária ao marco temporal. Para Moraes, no entanto, deve ser reconhecida a validade da posse particular da terra de tradicional ocupação indígena desde que tenha ocorrido de boa-fé. Ou seja, sem que indígenas tenham sido expulsos do local ou que o território tenha sido objeto de disputa judicial.

    Nesses casos, “sendo contrário ao interesse público a desconstituição da situação consolidada e buscando a paz social”, Moraes votou para que a União possa fazer uma compensação às comunidades indígenas, “concedendo-lhes terras equivalentes às tradicionalmente ocupadas, desde que haja expressa concordância”.

    Em caso de destinação desse tipo de território a comunidades indígenas, o proprietário tem direito de indenização pela terra e pelas benfeitorias feitas no local.

    Para os locais em que há disputa de terras e os indígenas demonstram a tradicional ocupação ou a disputa física, ou jurídica pelo local, o território deve ser destinado ao povo originário, e o proprietário ser indenizado somente pelas melhoras feitas.

    Entenda

    A discussão sobre o marco temporal põe em lados opostos ruralistas e povos originários.

    A tese, defendida por ruralistas, prevê que a demarcação de uma terra indígena só pode acontecer se for comprovado que os indígenas estavam sobre o espaço reivindicado em 5 de outubro de 1988 — quando a Constituição Federal atual foi promulgada.

    A exceção é quando houver um conflito efetivo sobre a posse da terra em discussão, com circunstâncias de fato ou “controvérsia possessória judicializada”, no passado e que persistisse até 5 de outubro de 1988.

    A discussão tem relevância porque será com este processo que os ministros vão definir se a tese do marco temporal tem validade ou não. O que for decidido valerá para todos os casos de demarcação de terras indígenas que estejam sendo discutidos na Justiça.

    O STF começou a julgar o caso em 2021. Só o relator, ministro Edson Fachin, e o ministro Nunes Marques haviam votado na ocasião até então.

    Fachin manifestou-se contra a medida. Para o magistrado, o artigo 231 da Constituição reconhece o direito de permanência desses povos independentemente da data da ocupação.

    Divergindo do relator, o ministro Nunes Marques votou a favor da tese. Ele considerou que o marco deve ser adotado para definir a ocupação tradicional da terra por indígenas. Em sua justificativa, ele disse que a solução concilia os interesses do país e os dos povos originários.

    Moraes

    O ministro Alexandre de Moraes foi o primeiro a votar nesta quarta-feira (7). Cerca de 2.000 indígenas estão acampados em Brasília para acompanhar de perto o julgamento no STF.

    Na Corte, foram reservados 50 lugares para lideranças indígenas.

    Em seu voto, Moraes disse que o caso é “uma das questões mais difíceis, não só no Brasil como no resto do mundo”.

    “Juridicamente, é extremamente complexa, é uma questão que vem gerando insegurança jurídica e vem afetando a paz social, não só no Brasil como em inúmeros países do mundo. Afetando a paz social por séculos, sem que haja, até hoje, um modelo, um bom modelo, efetivo, a ser seguido”, declarou.

    Moraes disse que sua posição é uma proposta para “compatibilizar” os direitos fundamentais dos indígenas com direitos “de todos aqueles que de boa-fé adquiriram propriedade”.

    “Ambas as posições são juridicamente defensáveis, o marco temporal ou o afastamento do marco temporal”, declarou.

    “Não podemos fechar os olhos às outras situações que eu trouxe aqui da comunidade dos índios xokleng”, declarou. “Da mesma forma que não podemos fechar os olhos para agricultores, colonos que, há 100, 120, 140 anos, têm suas terras, trabalham sua terra, garantidos pelo poder público. Eles não foram obrigados a comprar uma propriedade e pedir laudo antropológico. Estavam de boa-fé. Quem deve ser responsabilizado é o poder público”.

    Julgamento

    O STF começou a julgar o caso em 2021. Só o relator, ministro Edson Fachin, e o ministro Nunes Marques haviam votado na ocasião.

    Fachin manifestou-se contra a medida. Para o magistrado, o artigo 231 da Constituição reconhece o direito de permanência desses povos independentemente da data da ocupação.

    Para o magistrado, o marco temporal não leva em conta que os direitos indígenas são considerados direitos fundamentais, ou seja, cláusulas pétreas que não podem ser retirados por emendas à Constituição, “visto que estão atrelados esses direitos à própria condição de existência dessas comunidades e de seu modo de viver”.

    Dessa forma, a proteção aos “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” não deve ficar condicionada a um corte temporal para ter validade.

    “Ao reconhecer sua organização, costumes, línguas, crenças, tradições e direitos sobre as terras que ocupam, a Constituição tutela aos indígenas brasileiros direitos individuais e coletivos a serem garantidos pelos poderes públicos por meio de políticas que preservem a identidade do grupo, seu modo de vida e tradições”, disse Fachin.

    “No caso das terras indígenas, a função econômica da terra se liga, visceralmente, à conservação das condições de sobrevivência e do modo de vida indígena, mas não funciona como mercadoria para essas comunidades”, declarou.

    Divergência

    Divergindo do relator, o ministro Nunes Marques votou a favor da tese. Considerou que o marco deve ser adotado para definir a ocupação tradicional da terra por indígenas. Em sua justificativa, ele disse que a solução concilia os interesses do país e os dos povos originários.

    Nunes disse que a posse indígena sobre determinada terra deveria existir até 1988, caso contrário, segundo ele, haveria “expansão ilimitada” para áreas “já incorporadas ao mercado imobiliário” no país.

    O ministro avaliou ainda que sem o marco temporal a “soberania e independência nacional” estariam em risco.

    Nunes defendeu a adoção das regras estabelecidas pelo Supremo no caso da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em prol da segurança jurídica. No caso, discutido em 2009, a Corte adotou o marco temporal.

    A tese

    O processo do marco temporal em discussão no STF teve sua repercussão geral reconhecida em 2019. O instrumento permite que a definição adotada pela Corte sirva de baliza para todos os casos semelhantes em todas as Instâncias da Justiça.

    O caso concreto é uma ação do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (IMA) contra o povo Xokleng, da Terra Indígena Ibirama-La Klaño. O território fica às margens do rio Itajaí do Norte, em Santa Catarina. Da população de cerca de 2.000 pessoas, também fazem parte indígenas dos povos Guarani e Kaingang.

    O governo catarinense pede a reintegração de posse de parte da área, que estaria sobreposta ao território a Reserva Biológica Sassafrás, distante cerca de 200 quilômetros de Florianópolis.

    A data da promulgação da Constituição Federal — 5 de outubro de 1988 — é o ponto central da tese do marco temporal.

    No artigo 231 da Carta Magna, está estabelecido o seguinte: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

    A proposição de um marco temporal já havia sido ventilada antes, mas ganhou tração a partir de um precedente que apareceu em julgamento do próprio STF, em 2009, quando a Corte julgou a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

    Na ocasião, os ministros entenderam que os indígenas tinham direito ao território porque estavam no local na data da promulgação da Constituição. A partir daí a tese passou a ser mobilizada para os interesses contrários aos indígenas.

    Ou seja, se eles poderiam também pleitear as terras sobre as quais não ocupassem na mesma data.

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