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    “Me deixei levar, foi ganância”, diz Ronnie Lessa sobre proposta para matar Marielle

    Assassino confesso da vereadora presta depoimento ao STF, fala que não é mais perigoso que mandantes e que polícias do Rio estão “contaminadas há décadas”

    Lucas Mendesda CNN , Brasília

    O ex-policial Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, disse, nesta terça-feira (27), que se deixou levar por “ganância” ao aceitar a proposta para matar a política em troca de loteamentos em terra grilada no Rio de Janeiro.

    “Aquilo me deixou realmente impactado”, disse Lessa, fazendo referência ao possível lucro de R$ 100 milhões com a venda dos lotes.

    “Eu me deixei levar. Foi ganância. Eu, na verdade, nem precisava. Estava numa fase muito tranquila da minha vida, e eu caí nessa asneira. Foi ganância. Realmente, foi uma ilusão danada que eu caí”, declarou.

    Oitivas

    A fala foi feita durante audiência por videoconferência no Supremo Tribunal Federal (STF) em que são ouvidas as testemunhas de acusação na ação penal contra os réus por ordenarem e planejarem a morte de Marielle.

    As oitivas de testemunhas fazem parte da etapa chamada de instrução da ação penal, em que são levantadas provas e ouvidas pessoas envolvidas no caso. Os réus também serão interrogados posteriormente.

    Essa é a primeira vez em que Ronnie Lessa fala sobre o caso após apontar os supostos mandantes do crime em delação premiada.

    São réus na ação os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, o delegado Rivaldo Barbosa e outras duas pessoas.

    Réus fora

    Antes do depoimento, a defesa de Lessa pediu para que os réus não estivessem presentes na sala virtual de audiência. Segundo o advogado, havia um “temor” da parte do delator.

    No começo de sua fala, Lessa disse que o seu “pacto de silêncio” foi quebrado e que os mandantes do crime são pessoas perigosas.

    “A coisa é muito delicada. Todos os passos dessa teia, dessa trama toda, é tudo muito complicado. Eu, particularmente, gostaria de sigilo. Já que é meu direito, gostaria, sim, porque me sinto mais à vontade. Não estamos lidando com pessoas comuns. São pessoas de alta periculosidade, assim como eu fui”.

    O fato de ter praticado um crime não me coloca como sendo mais perigoso que eles

    Ronnie Lessa

    A CNN tenta contato com a defesa dos irmãos Brazão a respeito da fala de Lessa e aguarda retorno.

    Ronnie Lessa presta depoimento ao STF
    Ronnie Lessa presta depoimento ao STF nesta terça-feira (27) • 27/08/2024 – Reprodução

    Delegacia de Homicídios

    Conforme Lessa, os irmãos Brazão encomendaram a morte de Marielle porque a vereadora se opunha aos seus interesses baseados na grilagem de terras e loteamentos para explorar política e economicamente os locais.

    Na reunião em que repassaram a missão a Lessa e ao sargento reformado da Polícia Militar Edmilson Macalé (morto em 2021), Domingos Brazão teria dito que tinha a Delegacia de Homicídios (DH) do Rio de Janeiro “na mão”.

    “Ele falou que a DH estava toda na mão. A Polícia Civil era toda na mão dele. Ficou bem claro”, afirmou Lessa.

    Segundo o ex-PM, foi nessa ocasião que os Brazão repassaram uma das supostas exigências do então delegado Rivaldo Barbosa, para que o assassinato de Marielle não fosse feito no caminho da Câmara Municipal.

    De acordo com Lessa, se houvesse hoje uma intervenção na Polícia Civil do Rio de Janeiro, “ia ter que abrir concurso” para repor os delegados que seriam presos.

    “Se tivesse hoje uma intervenção, uma coisa séria, e aparecesse um cara para denunciar, provando que ofereceu dinheiro para delegado, ia ter que abrir concurso. Meia dúzia de gatos pingados ia se salvar. O resto ia para a cadeia. Essa é a realidade da Polícia Civil, e na Polícia Militar também. As polícias no Rio de Janeiro estão contaminadas há décadas”.

    Em nota, a Secretaria da Segurança Pública do Rio de Janeiro disse que “está à disposição para que Ronnie Lessa apresente os nomes e as provas dos crimes cometidos por policiais civis e militares, para que tome as providências necessárias”.

    Segundo Lessa, é de “conhecimento público e notório” que a Delegacia de Homicídios (DH) do Rio de Janeiro funcionava “como uma empresa”.

    “Funcionava dessa forma, bote em todo mundo, pré-pago com milícias, com bicheiro. Com todo mundo”, declarou.

    O delator também disse que Rivaldo Barbosa, que chefiou a DH e a própria Polícia Civil, tinha os apelidos de “Tio Patinhas” e de “Silvio Santos”.

    “O doutor Rivaldo tinha dois apelidos, Tio Patinhas e Silvio Santos. Eles abreviavam dizendo “Topa”. É topa tudo por dinheiro, o apelido do Rivaldo. Falando por trás dele todo mundo se referia a ele dessa forma”, afirmou.

    A defesa de Barbosa disse que Lessa, “além de não trazer nenhum dado concreto que pudesse corroborar sua narrativa, foi muito genérico em relação ao delegado e assumiu que nada do que disse ele pode provar”. “Ainda de acordo com a defesa, o público que estava presente à audiência de hoje assistiu ao fenômeno que a psicologia define como ‘projeção’: um mecanismo de defesa por meio do qual o sujeito expulsa de si e atribui a outro as más qualidades que ele próprio possui”.

    Em nota, a Secretaria da Segurança Pública do Rio de Janeiro disse que “está à disposição para que Ronnie Lessa apresente os nomes e as provas dos crimes cometidos por policiais civis e militares, para que tome as providências necessárias”.

    “Crime de ódio” e testemunha viva

    Lessa chamou de “a coisa mais ridícula que foi inventada” uma das hipóteses iniciais da investigação do caso, de que ele teria matado a vereadora por “ódio”.

    “Essa história de ódio, 60% dos meus amigos são negros. Então não tem esse papo de ódio, eles tinham que me envolver de algum jeito, de criar essa história. Então essa história foi a que criaram”, disse.

    “Hoje estou aqui, mega arrependido da besteira que fui cometer, e estrou preso, gosto da minha família, caí numa mega asneira. Só que estou vivo, eu sou a testemunha viva de tudo que aconteceu”.

    “Eu sou a testemunha viva de toda essa… tenho muito a vontade de falar um palavrão nesse momento, desse sem vergonhice que é. Vou pagar o que eu devo, mas vou sair de cabeça erguida. O meu arrependimento bateu no primeiro dia, ou ainda em dezembro, quando a agente tentou mudar essa história do Rivaldo. Começou errado vai dar errado e hoje estou aqui, quase 6 anos longe da minha família, pulando fogueira, duas vidas se foram e não adianta pedir perdão, eu me deixei levar”.

    “Golpe no PSOL”

    De acordo com o depoimento de Lessa, havia um interesse prévio dos Brazão em dar uma “pancada” no PSOL, partido de Marielle.

    Segundo o ex-PM, a ideia inicial era matar o então deputado Marcelo Freixo, hoje presidente da Embratur.

    “O canhão estava voltado para Marcelo Freixo. A meu ver a Marielle teve a infelicidade de aparecer negativamente para eles”, afirmou. “Porque parecia que eles queriam, desculpe o termo, dar uma pancada no PSOL. Isso ficou claro quando encomendaram a cabeça do Marcelo Freixo em janeiro”.

    “Ela [Marielle] foi infeliz de aparecer, de bater de frente com eles. Hoje enxergo dessa forma. Estou preso há quase seis anos e só penso nisso, o tempo todo. A realidade é que eles já iam dar um prejuízo no PSOL. Iam tirar o Marcelo Freixo, vamos supor, morreu Marcelo Freixo, se ele morresse ia abalar a estrutura do partido inteiro”.

    Réus

    Em junho, por unanimidade, a Primeira Turma do STF tornou réus cinco suspeitos de serem os mandantes dos assassinatos de Marielle e Anderson e de participarem do planejamento dos crimes:

    • Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (homicídio e organização criminosa);
    • Chiquinho Brazão (sem partido), deputado federal (homicídio e organização criminosa);
    • Rivaldo Barbosa, delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro (homicídio);
    • Ronald Paulo de Alves Pereira, policial militar apontado como ex-chefe da milícia de Muzema, na zona Oeste do Rio de Janeiro (homicídio);
    • Robson Calixto Fonseca, assessor de Domingos Brazão (organização criminosa).

    A denúncia foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em maio.

    Segundo o órgão, Marielle se tornou a principal opositora e “o mais ativo símbolo da resistência” aos interesses econômicos dos irmãos Brazão.

    Mirando o mercado imobiliário irregular, Domingos e Chiquinho teriam investido em práticas de “grilagem” nas mesmas áreas de milícia em que constituíram os seus redutos eleitorais. Segundo a denúncia, as iniciativas políticas da vereadora, em assuntos ligados ao tema, “tornaram-se um sério problema” para os Brazão, e motivaram o planejamento da sua execução.

    Então diretor da Divisão de Homicídios, Rivaldo Barbosa assumiu a chefia da Polícia Civil no Rio de Janeiro na véspera do assassinato de Marielle e Anderson. Rivaldo teria garantido aos Brazão que a investigação do crime seria “dificultada” caso fosse necessário.

    As defesas negam as acusações, criticam a denúncia e a delação do ex-policial militar Ronnie Lessa. Também contestam o papel da Polícia Federal (PF) na investigação.

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