Gilmar diz que espera volta de indígenas e que comissão do marco temporal não vai parar
Ministro afirma que discussões do grupo continua “com quem estiver à mesa”; indígenas deixaram os trabalhos no final de agosto com críticas ao formato
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta segunda-feira (9) que espera a volta da participação dos representantes dos povos indígenas na comissão criada na Corte para negociar o marco temporal de terras indígenas.
Segundo o magistrado, os trabalhos da comissão vão continuar “com quem estiver à mesa, independentemente de serem ou não representativos dos interesses dos indígenas ou não indígenas”.
Gilmar também disse que, em “atitude de consideração aos ausentes”, a reunião desta segunda só trataria de “debates jurídicos”.
“Por ora, em atitude de consideração aos ausentes, deixo claro que nesta tarde haverá apenas debates jurídicos até que os representantes indicados pela Apib [Articulação dos Povos Indígenas do Brasil] retornem ao diálogo ou, em caso de manutenção do desinteresse desses por reunirem neste espaço democrático e participativo, até que sejam substituídos os cinco representantes indígenas cuja indicação pela Apib foi uma deferência desta relatoria ao pedido da própria associação”, declarou o ministro.
A fala foi feita na abertura da terceira audiência de conciliação no STF sobre o marco temporal.
No último encontro, em 28 de agosto, os representantes indígenas escolhidos pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) decidiram deixar a comissão.
Conforme a entidade, não foram dadas garantias de proteção suficiente aos indígenas e de que um eventual acordo que resguardasse a autonomia dos povos originários.
Um dos principais pontos levantados pela Apib, e que não foi atendido, dizia respeito à suspensão da lei que criou o marco temporal. A permanência da norma em vigor durante os trabalhos da comissão é vista pelos representantes indígenas como uma situação de desigualdade negocial.
Para Gilmar, o debate na comissão requer uma “necessária disposição política e vontade de reabrir os flancos de negociação”, sem trazer “certezas estratificadas”.
“Faço menção, em especial, de que estamos aguardando o retorno dos representantes das comunidades indígenas a esta mesa de negociação”, afirmou.
A mesa que recebe os trabalhos da comissão manteve vazias as seis cadeiras destinadas aos indígenas.
Segundo o ministro, nenhum dos integrantes da comissão “tem o poder de paralisar as negociações e os trabalhos”.
“Prosseguirão com quem estiver à mesa, independentemente de serem ou não representativos dos interesses dos indígenas ou não indígenas”, disse Gilmar. “Quem quiser ser ouvido e ter seu ponto de vista levado em consideração deve estar presente e seguir os procedimentos da condição desta autocomposição”.
A CNN questionou a Apib sobre as declarações do ministro Gilmar Mendes, e aguarda um posicionamento da entidade.
Saída da Apib
A Apib deixou a comissão na última reunião, em 28 de agosto. Um dos pontos que levou a essa decisão foi a manutenção da lei do marco temporal.
“A Apib requereu a suspensão da lei com intuito de garantir condições minimamente equânimes de participação dos povos indígenas na Comissão de Conciliação, já que a vigência da lei tem acarretado incremento da violência nos territórios, como amplamente noticiado nos autos”, disse a entidade, na última reunião.
Além disso, a Apib pediu que fosse reconhecida a voluntariedade e a autonomia da vontade nos processos de conciliação para que seja respeitada a posição dos povos indígenas na construção de qualquer acordo sobre seus direitos.
Com a saída dos indígenas, o debate partidos políticos, representantes do Congresso, governo e entidades. A previsão é que os trabalhos durem até dezembro.
O que é discutido?
O alvo da discussão é a lei aprovada pelo Legislativo que cria o marco temporal e, na prática, restringe a possibilidade de demarcação de territórios dos povos originários.
A tese do marco temporal estabelece que os indígenas só têm direito às terras que estivessem ocupando ou disputando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
A norma foi aprovada no mesmo dia em que o Supremo fixou a tese em que declara inconstitucional a tese do marco temporal em 27 de setembro de 2023.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez vetos ao projeto, mas eles foram derrubados pelo Legislativo em dezembro. A lei está em vigor desde então.
Leia aqui as regras para indenização a proprietários fixadas pelo STF ao derrubar a tese do marco temporal.
Por que o tema volta à discussão?
Mesmo o STF já tendo decidido que a tese é inconstitucional, o tema voltou à Corte porque partidos e entidades apresentaram quatro ações sobre a nova lei.
PP, PL e Republicanos acionaram o STF pedindo aos ministros que confirmem a constitucionalidade da norma.
Por sua vez, o PDT, a federação PT-PCdoB-PV e a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolaram ações buscando a derrubada de trechos da lei – entre eles, o que criou o marco temporal.
Há ainda uma quinta ação, em que o PP pede ao STF que reconheça omissão do Congresso em regulamentar um dispositivo da Constituição que abre margem para a exploração das “riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos” em terras indígenas desde que haja “relevante interesse público da União”.
O que o eleitor pode e não pode levar para a urna no dia da votação?