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    Fatos Primeiro: Conflitos no campo cresceram desde 2019, ao contrário do que diz Bolsonaro

    Presidente usou dados da Funai sobre investimentos na proteção de povos indígenas que são considerados controversos por entidades

    Gabriela GhiraldelliSalma Freuada CNN

    O presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou que o número de conflitos de terra durante o seu governo diminuiu. A declaração foi feita em 20 de junho, em publicação no Twitter. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), porém, mostram que houve aumento na média anual de conflitos desde 2019.

    Na postagem, o presidente também disse ter aumentado os investimentos na proteção de indígenas isolados e na fiscalização das terras indígenas no Brasil. Afirmou ainda que houve uma queda nos homicídios de indígenas, assentados, sem-terra, posseiros e quilombolas. Segundo o presidente, o número de mortes no campo chegou a um patamar inferior ao de governos do PT.

    Dados da Fundação Nacional do Índio (Funai) corroboram as afirmações. Apesar disso, os números citados pelo presidente são controversos e carecem de contexto. Segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), organização não governamental, parte dos recursos investidos, por exemplo, estaria sendo destinada a povos não indígenas.

    O que Bolsonaro disse:

    “Enquanto a esquerda finge indignação e espalha mentiras para enganar inocentes, acusando meu governo de ameaçar índios, por exemplo, os dados mostram que aumentamos os investimentos na proteção de indígenas isolados em mais de 300% e na fiscalização de terras indígenas em 150%. Inclusive reduzimos os homicídios de índios, assentados, sem-terra, posseiros e quilombolas, atingindo média de mortes no campo menor que no governo do PT. A extensão da posse de arma aos fazendeiros e a entrega de mais de 340 mil títulos de propriedade diminuíram invasões e conflitos”

    Jair Bolsonaro, em tuíte publicado em 20 de junho, dois dias após a identificação dos corpos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo

     

    Aumento nos conflitos no campo

    A média anual de invasões de terra durante os três primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro foi de 1.908, chegando a um pico de 2.054 conflitos em 2020, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra. O número em 2020 foi o maior da série histórica, que teve início em 1985.

    Em 2018, último ano antes de Bolsonaro assumir, foram 1.547 conflitos.

    A média anual de conflitos durante o governo Bolsonaro, portanto, não é inferior às médias dos governos do PT.

    Nos oitos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no poder (2003-2010), a média foi de 1.509. No governo da também petista Dilma Rousseff (2011-2016), o índice chegou a 1.394. Nos dois anos completos de Michel Temer (MDB) à frente da Presidência, entre 2017 e 2018, foram 1.526 conflitos de terra por ano.

    Diferentemente do que afirma Bolsonaro, não é possível estabelecer uma relação de causalidade entre a entrega de títulos de propriedade e o número de invasões de terra no Brasil.

    Investimentos na proteção e fiscalização dos povos indígenas

    O investimento da Funai em ações de proteção a indígenas isolados e de recente contato foi de R$ 51,4 milhões entre 2019 e 2021, segundo o órgão. Em valores nominais, o valor supera em 335% o investimento feito de 2016 a 2018, de R$ 11,8 milhões.

    Com a correção dos valores pela inflação no período, o aumento do dispêndio com a medida foi de cerca de 267%. Ao contrário do que foi dito por Bolsonaro, houve um acréscimo menor do que 300%.

    Em relação à fiscalização em terras indígenas, a Funai aponta que, entre 2019 e 2021, foram gastos R$ 82,5 milhões. Os valores nominais superam em 151% o total investido entre 2016 e 2018, que ficou em torno de R$ 32,8 milhões. Em termos reais, o aumento de gasto com fiscalização foi de aproximadamente 115%.

    Controvérsias sobre dados da Funai

    Apesar de os dados da Funai mostrarem um aumento de recursos na fiscalização e na proteção de indígenas isolados, há controvérsias sobre a efetividade dos gastos.

    Levantamento do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) aponta que, nos últimos quatro anos, vêm caindo os recursos direcionados para ações específicas da Funai, tais como regularização, fiscalização e demarcação de terras indígenas.

    Em 2019, foram empenhados para essas atividades R$ 127,65 milhões e executados R$ 134,58 milhões. Em 2020, o governo empenhou R$ 103,8 milhões e executou R$ 65,73 milhões. No ano passado, foram destinados R$ 133,43 milhões e executados apenas R$ 88,26 milhões.

    Segundo a entidade, nos últimos três anos, 45% dos recursos que deveriam ir para a proteção e demarcação de territórios indígenas foram destinados a indenizações e aquisições de imóveis, medida que transfere recursos para não indígenas.

    O professor do departamento de ciências sociais da Universidade Federal de Rondônia (Unir) Afonso Chagas disse à CNN que parte “dos recursos estão sendo realocados para outros objetivos”.

    “Em grande parte, os recursos empenhados não são liquidados no fim do projeto orçamentário. Há, por outro lado, uma clara e indisfarçável realidade que é a de que o governo não quer ‘demarcar nenhum centímetro de terra indígena’”, diz. Segundo ele, mais de 70% do orçamento tem sido utilizado para manter a estrutura do órgão.

    A própria Funai informou, no Relatório de Gestão de 2020, que parte do dinheiro pago foi para “indenizações de benfeitorias edificadas consideradas de boa-fé por ocupantes não indígenas”. As indenizações estão ligadas à Instrução Normativa nº 09 de 2020, que permite a certificação de imóveis privados dentro de territórios indígenas ainda não homologados. A norma é criticada por instituições indigenistas.

    No relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil: dados de 2020”, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), uma das críticas feitas é que “a normativa liberou a certificação de propriedades privadas sobre terras indígenas não homologadas, que também passaram a ser desconsideradas pela Funai para a emissão de declarações de reconhecimento de limites”.

    A instituição menciona efeitos negativos da norma. “Assim, a normativa passou a permitir que particulares negociem propriedades privadas sobrepostas a terras indígenas em processo de demarcação sem que essas sobreposições sejam mencionadas nas transações, conforme salienta o MPF [Ministério Público Federal]. A medida facilita, na prática, a grilagem e a apropriação privada das terras indígenas, além de fomentar conflitos e gerar insegurança jurídica para indígenas e, inclusive, para proprietários”, diz trecho do documento.

    Violência continua

    O professor Afonso Chagas, da Unir, afirma que os povos tradicionais estão cada vez mais ameaçados. Ele cita como algumas das principais formas de violência invasões a territórios protegidos, mineração e extração de madeira ilegal e grilagem de terras.

    “Mesmo que tenha havido aumento no orçamento para proteção, os fatos concretos não demonstram isso. Toma-se como exemplo o que acontece em Roraima, o que foi e vem sendo denunciado no Vale do Javari, o que tem ocorrido com os gamelas, no Maranhão”, diz Chagas.

    “A violência, em regra, se dá por invasões aos seus territórios, pela pilhagem dos recursos e pela grilagem de terras, para fins de especulação imobiliária. Todo este fenômeno é respaldado pela adoção de uma política de governo de ‘demarcação zero’, de redução tanto de contingente humano quanto de contingente orçamentário na fiscalização de crimes ambientais e na flexibilização das políticas de regularização fundiária”, diz o professor.

    Homicídios decorrentes dos conflitos no campo

    Dados da CPT sobre mortes no campo apontam que foram registrados 35 assassinatos diretamente relacionados aos conflitos de terra em 2021, sendo 33 homens e duas mulheres.

    Em 2020 e 2019 foram registrados 20 e 32 homicídios, respectivamente, Durante o governo Bolsonaro, a média anual de mortes em conflitos de terra é de 26 até o momento. Segundo a entidade, o número de fato é menor que o de governos anteriores.

    Com Michel Temer (2017-2018) no poder, a média foi de 50 assassinatos por ano. Com Dilma Rousseff (2011-2016), ficou em 42 por ano. O governo Lula (2003-2010) registrou média anual de 38.

    A média dos governos petistas (2003-2016) é de cerca de 40 assassinatos ao ano.

    O levantamento da entidade não distingue se os assassinatos foram de indígenas, assentados, sem-terra, posseiros, quilombolas ou outros grupos.

    Apesar de o número de assassinatos em conflitos na gestão Bolsonaro ser menor do que em governos anteriores, o número de mortes em consequência dos conflitos no período é maior, ainda segundo a CPT.

    O dado compreende episódios que não podem ser enquadrados como assassinatos ou homicídios e estão ligados à ação indireta dos conflitos, como mortes provocadas pela atividade do garimpo (contaminação das águas e afogamentos em dragas de garimpeiros, por exemplo). Em 2021, foram 109 mortes indiretas do gênero.

    A média anual de mortes indiretas relacionadas aos conflitos na gestão de Bolsonaro é de aproximadamente 57.

    No governo Lula, houve uma média aproximada de 37. Com Dilma, a média anual foi de 12,5. No governo Temer, a média foi de 4,5 por ano.

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