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    Ex-comandante do Exército ameaçou prender Bolsonaro se ex-presidente insistisse em plano de golpe

    Cena foi relatada à PF por ex-comandante da aeronáutica, Carlos Baptista Junior, em depoimento à Polícia Federal; CNN teve acesso ao conteúdo do depoimento

    Jussara SoaresGabriela Pradoda CNN*

    Brasília

    O ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, ameaçou dar voz de prisão ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) quando ele mencionou a possibilidade de dar um golpe de Estado para se manter no poder após ser derrotado nas urnas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

    A cena teria sido presenciada em uma reunião no Palácio da Alvorada pelo ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), Carlos Baptista Júnior, e relatada à Polícia Federal. A CNN teve acesso à íntegra do documento.

    Aos investigadores, Baptista Júnior disse ainda estar convicto de que foi a posição firme de Freire Gomes que impediu um golpe de Estado no Brasil.

    “Caso o comandante tivesse anuído, a possível tentativa de golpe de Estado teria se consumado”, disse o ex-chefe da Aeronáutica aos investigadores.

    No depoimento, Baptista Júnior afirmou que, depois de Bolsonaro “aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de alguns institutos previsto na Constituição (GLO ou estado de defesa ou estado de sítio)”, o então comandante do Exército disse que “caso ele tentasse o tal ato teria que prender o presidente da República.”

    Em seu depoimento, o ex-comandante da FAB diz ainda que ele tentou demover o Jair Bolsonaro de decretar uma Garantia da Lei e da Ordem, Estado de Defesa e de Sítio.

    O general Freire Gomes e o tenente-brigadeiro Baptista Júnior afirmaram ainda que rechaçaram em diversas oportunidades uma proposta de golpe, enquanto que o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, teria colocado à tropa à disposição de Bolsonaro.

    Em uma das reuniões, conforme relatou à PF, Baptista Júnior teria dito a Bolsonaro que não haveria hipótese de ele continuar no poder após a derrota para Lula nas eleições, e que não aceitaria uma ruptura institucional. Segundo o brigadeiro, Bolsonaro “ficava assustado”.

    No depoimento aos investigadores, o ex-comandante da Aeronáutica relatou ter usado uma “estratégia de ganhar tempo” e evitar que Bolsonaro assinasse alguma medida de exceção que subvertesse o Estado de Direito, diante das possíveis estratégias levantadas pelo então presidente para reverter o resultado das eleições.

    De acordo com as declarações do militar, Bolsonaro enfatizava em reuniões com os comandantes das Forças Armadas a necessidade de “parar eventuais abusos” do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

    O ex-presidente, segundo o relato feito à PF, apresentava hipóteses de usar operações de garantia da lei e da ordem (GLO) e outros “institutos jurídicos mais complexos”, como a decretação de um Estado de Defesa, para solucionar uma possível “crise institucional”.

    “Melancia e traidor da pátria”

    À PF, Baptista Júnior contou que uma suposta minuta golpista chegou a ser apresentada aos comandantes militares pelo então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, em uma reunião convocada na pasta.

    Segundo sua versão, após ter tido uma postura de rechaçar qualquer contato com o documento, passou a receber ataques virtuais nas redes sociais, sendo chamado de “melancia” (em referência a militares que seriam comunistas) e “traidor da pátria”.

    A reunião foi convocada para 14 de dezembro, na sede do Ministério da Defesa. Na ocasião, Nogueira teria informado sobre a existência da minuta.

    Baptista então disse que questionou o ministro: “Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?”, e relatou que o ministro ficou “calado”.

    Baptista então afirmou ter entendido se tratar de ordem que impediria a posse do novo governo, teria afirmado não admitir “sequer receber” o documento. De acordo com o relato, ele então saiu da sala.

    Conversas sobre golpe

    Baptista Júnior relatou ter dialogado com outras pessoas em ao menos duas ocasiões sobre as reuniões tramadas em Brasília com finalidade golpista.

    Uma delas foi com a deputada Carla Zambelli (PL-SP), em 8 de dezembro, durante uma cerimônia de formatura dos aspirantes a oficial na Academia da Força Aérea, em Pirassununga (SP).

    Ele teria sido interpelado pela congressista com a fala: “Brigadeiro, o senhor não pode deixar o presidente Bolsonaro na mão”. E teria respondido:

    “Deputada, entendi o que a senhora está falando e não admito que a senhora proponha qualquer ilegalidade”.

    Baptista disse que reportou o fato ao então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, que comentou ter sido abordado por Zambelli de forma semelhante.

    Outra ocasião relatada foi um encontro com então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, em São José dos Campos (SP).

    Ambos participavam de evento de formatura no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em 16 de dezembro. Heleno estava no local para acompanhar a formatura do neto na instituição.

    Segundo o depoimento, o ex-chefe do GSI questionou o então comandante sobre a possibilidade de disponibilizar uma vaga no avião da FAB de volta a Brasília, pois tinha sido convocada por Bolsonaro para uma “reunião de urgência” no dia seguinte, um sábado.

    “O então depoente [Baptista Júnior] chamou o general Heleno até uma sala reservada nas instalações do ITA; Que na conversa, o depoente afirmou de forma categórica ao general Heleno que a Força Aérea Brasileira não anuiria com qualquer movimente de ruptura democrática; Que, por não ter sido convidado para a referida reunião, solicitou ao general Heleno que reafirmasse ao então presidente, Jair Bolsonaro, a posição do depoente e da Aeronáutica; Que o general Heleno ficou atônito e desconversou sobre o assunto com o depoente”, diz o trecho do depoimento.

    No mesmo dia 16 de dezembro, Baptista Júnior pilotou o avião de volta a Brasília, levando Heleno.

    Torres e Bianco

    O depoimento de Baptista Júnior faz menção a outros dois integrantes do governo Bolsonaro: o então ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-advogado-geral da União, Bruno Bianco.

    O ex-AGU é citado como um dos participantes de uma reunião convocada por Bolsonaro em 1º de novembro. Na ocasião, ele, Bianco, Paulo Sérgio, Freire Gomes e Almir Garnier “expuseram ao então presidente que não tinha ocorrido fraudes nas eleições” e que “todos os testes realizados não constataram qualquer irregularidade”.

    Baptista Júnior também menciona exposições no sentido de que seria preciso reconhecer o resultado do pleito para “acalmar o país”.

    Na época, cresciam pelo país bloqueios de rodovias em protesto à vitória de Lula. Dias depois, quartéis e unidades militares passariam a ser ocupados por apoiadores de Bolsonaro, com pedidos de intervenção.

    Nessa reunião relatada pelo ex-comandante da FAB, Bolsonaro teria perguntado a Bruno Bianco se existiria algum ato que poderia ser feito contra o resultado das eleições, o que levou a uma resposta negativa do então AGU.

    “Que Bruno Bianco expôs que as eleições transcorreram de forma legal, dentro dos aspectos jurídicos; Que não haveria alternativa jurídica para contestar o resultado das eleições”, traz o depoimento do brigadeiro.

    Sobre Anderson Torres, Baptista Júnior disse que o então ministro da Justiça chegou a participar de uma reunião com Bolsonaro e os comandantes militares.

    Segundo seu relato, Torres “procurava pontuar aspectos jurídicos que dariam suporte às medidas de exceção”, como GLO ou o Estado de Defesa.

    Foi na casa de Anderson Torres que foi encontrada uma primeira versão das minutas golpistas. O documento previa a decretação do Estado de Defesa na sede do TSE, para mudar o resultado da eleição.

    Essa minuta foi apreendida em operação de busca feita pela PF em 10 de janeiro de 2023 – dois dias depois dos atos que levaram à invasão de depredação das sedes dos Três Poderes.

    Torres nega que tenha usado de alguma forma o documento, dizendo não saber quem entregou a minuta ao seu gabinete e que ela estava em sua casa para descarte.

    Posicionamentos

    A CNN procurou a defesa de Bolsonaro para comentar as acusações, mas ainda não teve retorno.

    Em nota divulgada pela sua defesa, a deputada Carla Zambelli disse que está em licença por motivos de saúde e que “desconhece os fatos envolvendo” uma minuta e reitera que “jamais anuiria, pediria ou solicitaria algo irregular, imoral ou ilícito.

    “Ademais, não se recorda desse fato reportado e se, porventura, pediu acolhimento, o fez por causa da derrota nas eleições, apoio que seria perfeitamente plausível naquele momento”.

    Em nota, a defesa de Anderson Torres disse que ele não participou de “qualquer reunião com o ex-presidente Bolsonaro e os comandantes militares da época, para tratar de quaisquer medidas antidemocráticas”, e que vai pedir para dar um novo depoimento.

    “O ex-ministro da Justiça, citado de modo genérico e vago por duas testemunhas, esclarece que houve grave equívoco nos depoimentos prestados. Nesse sentido, vai requerer nova oitiva e eventual acareação, além de outras providências necessárias à elucidação do caso”, disse a defesa.

    “Anderson Torres mantém sua postura cooperativa com as investigações e seu compromisso inegociável com a democracia”.

    *Colaborou Lucas Mendes