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    Especialistas criticam proibição de linguagem neutra em projetos da Lei Rouanet

    Portaria impede o emprego de termos e expressões como "todes" e "amigxs", usados para representar pessoas não binárias

    Secretário Especial de Cultura, Mario Frias, diz que linguagem neutra "é mera destruição ideológica da nossa língua”
    Secretário Especial de Cultura, Mario Frias, diz que linguagem neutra "é mera destruição ideológica da nossa língua” Marcello Casal Jr/Agência Brasil

    Maria MazzeiLucas Janoneda CNN

    no Rio de Janeiro

    Após a Secretaria Especial de Cultura, vinculada ao Ministério do Turismo, publicar, nesta quinta-feira (28), no Diário Oficial da União, uma portaria que proíbe a utilização da “linguagem neutra” –ou não binária– em iniciativas financiadas pela Lei Rouanet (Lei de Incentivo à Cultura), especialistas em ética e linguística criticam a decisão.

    Eles destacam que a nova linguagem tem como proposta ser inclusiva, que a cultura, por natureza, deveria incluir e não excluir e que a “língua muda e não cabe o controle governamental”.

    Os especialistas ouvidos pela CNN avaliam que a medida pode não conseguir interromper esse processo já está em curso, assim como aconteceu no passado quando tentou-se barrar o estrangeirismo, mas algumas expressões já eram usadas no dia a dia da população.

    Pelo Twitter o Secretário Especial de Cultura, Mario Frias, explicou o motivo da decisão. Para ele, a linguagem neutra é uma “destruição ideológica” “Não há cultura sem comunicação. O que se convencionou chamar de linguagem neutra, na verdade, não é linguagem, é mera destruição ideológica da nossa língua”, escreveu o secretário.

    A portaria, já em vigor, do Ministério do Turismo, determina que “fica vedado o uso e/ou utilização, direta ou indiretamente, além da apologia, do que se convencionou chamar de linguagem neutra”.

    Na prática, a decisão impede a substituição de artigos masculinos e femininos pela letra “x” ou “e”, que na proposta da linguagem neutra tem como objetivo representar pessoas não binárias (quem não se identifica nem com o gênero masculino nem com o feminino). Assim, “amigo” ou “amiga” virariam “amigue” ou “amigx”. As palavras “todos” ou “todas” seriam substituídas, da mesma forma, por “todes” ou “todxs”.

    Para a vice-presidente da Associação Brasileira de Linguística (Abralin), Raquel Freitag, a linguagem neutra precisa ser mais difundida entre os brasileiros e a cultura deveria ter a inclusão como conceito. Freitag defende que “um decreto não consegue interromper a evolução de uma língua”.

    “Esse tipo de linguagem fica numa bolha de poucas pessoas ainda e precisa alcançar, incluir, mais pessoas. Já tivemos uma discussão parecida no passado, quando tentavam barrar o estrangeirismo, ou seja, algumas expressões de outros países usados no dia a dia. Obviamente isso não funcionou porque já eram palavras usadas no dia a dia das pessoas”, lembrou.

    José Ricardo Cunha, doutor em direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista em Ética, lamenta a decisão e argumenta que a portaria estabelecida pela Secretário Especial de Cultura não é bem-vinda.

    “A medida tem uma proposta de inclusão, aumentar a representação na própria linguagem. Isso parte de movimentos minoritários, feministas, etc. No ponto de vista dos direitos humanos, essa mudança é bem vista e necessária. Por isso, a determinação que foi colocada pode impedir o processo de ampliação e representatividade, e não é bem-vinda”, afirmou o professor.

    Luiz Schiwindt, linguista da Universidade Federal do Rio Grande Do Sul (UFRGS) entende que a medida fora imposta pelo governo e destaca que a “língua muda e não cabe o controle governamental”. No entanto, Schiwindt destaca que ainda não temos garantias que a linguagem não binária será realmente adotada com mais frequência pelos brasileiros.

    “Não acredito que deva existir um decreto para determinar o jeito que as pessoas falam. Toda língua muda. Isso é só mais uma mudança e faz parte porque precisa acompanhar a sociedade que fala essa língua. Não tem como legislar sobre língua”, declara Schiwindt.

    “Não cabe o controle da norma culta através de decretos governamentais. Mas ainda não sabemos se isso vai ser introduzido na prática. Uma mudança como essa demora muitos anos. E é muito complexo porque precisa concordar com a gramática do Brasil. A mudança só acontece quando naturalizamos esse tipo de vocabulário”, finaliza.