Três Poderes estão em confusão 40 anos após Diretas Já, diz à CNN Pedro Simon, coordenador do movimento
Para ex-senador e ex-governador do RS, Forças Armadas precisam ficar “no papel delas”, mas não se pode “tirar tudo” dos militares na política
Coordenador nacional das Diretas Já em 1984, Pedro Simon (MDB) vê um “ponto de interrogação” na política em Brasília.
Para ele, os deputados federais “parecem ministros”, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “não sabe para onde vai” e o Supremo Tribunal Federal (STF) tem a “maior de todas” as “interrogações” entre os Três Poderes.
Em entrevista à CNN, Simon – que também foi senador por pouco mais de 30 anos, governador do Rio Grande do Sul e ministro da Agricultura de José Sarney (MDB) – vê o legado das Diretas Já comprometidos pela “confusão” que vê nos Três Poderes.
Com amplas manifestações de rua e comícios, o movimento das Diretas Já – que completou 40 anos agora, em 2024 – pressionou contra a ditadura militar pela retomada das eleições diretas para a Presidência da República.
Para o gaúcho, hoje com 94 anos de idade, se faz necessário um “grande entendimento” nacional: o Supremo tem que ir “mais devagar”, Câmara e Senado precisam “maneirar sua maneira de ser” e o presidente Lula, fazer um “governo de credibilidade e união nacional”.
Abaixo, confira a entrevista de Pedro Simon à CNN:
CNN Brasil: Já se vão 40 anos desde as Diretas Já. O senhor acredita que o espírito do movimento – de repúdio ao autoritarismo e defesa da democracia – se mantém vivo hoje?
Pedro Simon: Isso é um dedo na ferida. Estamos com um ponto de interrogação. O que a gente quer e para onde a gente vai? É uma dura tremenda o que está acontecendo. O Supremo dizia que condenado em segunda instância seria preso, e aí aconteceu algo espetacular, um fato fantástico no Brasil: de repente, foi para cadeia todo mundo que era ladrão e político. Todo mundo foi: o Lula, presidente da Câmara, governador do Rio de Janeiro… Uma montanha de gente. E aí, o que aconteceu? De repente, o Supremo Tribunal mudou: voltou a ser como era, e só ia para a cadeia condenado em última instância. Primeiro era em última, depois foi em segunda, e agora voltou a ser em última.
CNN Brasil: O STF seria, então, uma “interrogação” no legado das Diretas Já?
Pedro Simon: O legado das Diretas Já, na Constituição, era que iria para a cadeia condenados em última instância. Aí, o Supremo mudou: vai condenado em segunda instância. E, depois, mudou tudo de novo. É uma coisa dramática. Ninguém está querendo fazer a coisa como deveria ser feita. Os Três Poderes hoje estão em uma confusão, mas a interrogação no Supremo Tribunal é a maior de todas. No Tribunal (Superior) Eleitoral, há também uma sobre até onde ele vai. A gente não sabe como isso vai terminar. O Supremo está avançando com inquéritos: ele traz a denúncia, julga e condena. É uma coisa que não tem como se explicar. A pior ditadura é a do Judiciário, pois não se tem onde recorrer. Estamos em uma tremenda e dramática confusão. Parlamentares pediram uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os trabalhos do Supremo, e isso nos deixa às vésperas de uma interrogação tremenda sobre o nosso futuro. Como vão ser os trabalhos dessa CPI?
CNN Brasil: O senhor falou em Três Poderes “confusos”. O problema seria além do STF, então?
Pedro Simon: O presidente Lula está tonto, não sabe para onde vai e o que quer. O Centrão, na época do Sarney, era um grupo que tirava vantagens para votar o que o governo queria; hoje, o deputado parece um ministro: ou se abrem emendas parlamentares para a construção de uma estrada, ou ele não aprova nada do governo. É um momento muito complicado. O Congresso tem uns 300 partidos, e eles não têm conteúdo, ideia, história ou perspectiva de futuro. Quem era filiado a um aqui, amanhã pula para outro lá. Ninguém se entende ou tem credibilidade e respeitabilidade.
CNN Brasil: E como seria possível solucionar esses problemas nos Três Poderes?
Pedro Simon: É preciso parar e fazer um grande entendimento. O presidente (Lula), os presidentes dos grandes partidos da Câmara e do Senado e o Supremo precisam parar e fazer um grande entendimento. Com essa CPI, vai ser o Congresso contra o Supremo, o Supremo contra o Congresso e o Congresso contra o presidente. Vai ser uma confusão e uma interrogação. Ninguém pode dizer como isso vai terminar. Está tão confuso, difícil e complicado que está na hora de (os Três Poderes) sentarem na mesa e terem a grandeza de encontrar uma solução que não é nem a favor do Supremo, nem do presidente da República ou a favor do Congresso, mas bom para o Brasil. Falta o presidente do Senado (Rodrigo Pacheco, do PSD) pensar mais no Brasil do que em quem vai ser eleito presidente do Senado, e falta o (Arthur) Lira (do PP, presidente da Câmara) pensar mais no Brasil do que nas emendas dele.
CNN Brasil: O senhor tem anos de experiências na política institucional, desde a década de 1960. Se o senhor estivesse ativo em discussões do tipo entre os Poderes, que soluções diretas proporia?
Pedro Simon: Primeiro lugar: o Supremo tem que ir mais devagar. Ele não pode ser dono de tudo e querer impor tudo. Hoje, o presidente do Supremo tem mais força que os presidentes da República, da Câmara e do Senado. Ele tem que se amoldar. Em segundo lugar: as emendas que o Congresso está fazendo. Isso é um absurdo, o Congresso tem que maneirar sua maneira de ser. E o presidente da República tem que entender que ele tem que governar com grandeza, para o Brasil, e não para o PT. Ele tem que fazer um governo de credibilidade e união nacional; e. se isso der certo, é ele quem “vence”, pois sai como o grande herói dessa coisa toda, pois é o presidente. Então, é preciso ter grandeza dos Três Poderes. Eles não podem dizer “eu não vou abrir mão do meu poder”, “eu quero apresentar minhas emendas” ou “eu quero ser um grande presidente da esquerda e do PT”.
CNN Brasil: O Supremo foi unânime em rechaçar a tese de que as Forças Armadas seriam um “poder moderador” embasado na Constituição. Como o senhor viu essa afirmação do Judiciário?
Pedro Simon: As Forças Armadas estão em baixa, com militares tendo participado de reunião de governo para tratar de golpe. É uma coisa que não existe, uma piada. Elas estão em uma situação delicada, mas acho que podemos fazer um acordo de honra: nem as Forças Armadas são donas de tudo, e nem elas devem ficar sem o respeito e credibilidade que precisam ter. Seria um novo Brasil: o Supremo com valor e peso, o Congresso com mais humildade e mantendo a independência necessária e o Executivo com a dignidade de fazer um governo de entendimento nacional. Assim, o Brasil vai adiante, com as Forças Armadas ficando no papel dela, de manter a ordem e a segurança, com elas respeitando (a Constituição) e a gente, também.
CNN Brasil: No Congresso, há também uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que visa limitar a atuação de militares na política.
Pedro Simon: Não se pode tirar tudo: o militar que quer entrar na política, pode – só não pode querer, depois, voltar para a ativa. Ele deixaria de ser aquele militar: viraria um político. Tem que escolher, e escolher para valer. Não pode ir para a política e voltar.