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    Entenda os decretos sobre armas em julgamento no Supremo

    Trechos de quatro atos de Bolsonaro foram suspensos por Rosa Weber; justificativa principal é de que eles não são compatíveis com Estatuto do Desarmamento

    Isabella Macedo, colaboração para a CNN, em Brasília

    O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta sexta-feira (16) a constitucionalidade de trechos de quatro decretos sobre armas editados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em fevereiro deste ano, mas o ministro Alexandre de Moraes pediu vista e o julgamento foi suspenso. 

    Na segunda-feira (12), véspera do início da vigência dos atos, a ministra Rosa Weber proferiu uma decisão em caráter de urgência para suspender algumas partes dos textos. 

    A ministra se manifestou sobre cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) apresentadas ao Supremo questionando os trechos mais impactantes, que serão julgados agora por todos os ministros. Os autores das ADIs são PSB, Rede, Psol e PSDB. Inicialmente, eles pediam a revogação total dos decretos, mas acabaram restringindo o pedido aos trechos agora suspensos por Rosa Weber.

    O relatório da ministra será analisado no plenário virtual do Supremo, que tem 10 dias para analisar o tema. O julgamento se encerra no dia 26 de abril, mas a decisão pode ser tomada antes do prazo final, já que os ministros podem apresentar seus votos a qualquer tempo durante esse período. 

     Em uma detalhada decisão de 88 páginas, Rosa Weber faz um resumo do controle da circulação de armas de fogo no mundo e no Brasil, que teve início há quase 90 anos, durante a Revolução Constitucionalista de 1932. 

    A ministra demonstra, no relatório, como baseou sua decisão em estudos e dados sobre a violência e a taxa de homicídios relacionada à de circulação de armas no país desde 1980, registrando a queda a partir da aprovação do Estatuto do Desarmamento no país, em 2003. 

    “A nova Política Nacional de Armas produz impactos expressivos na redução da taxa nacional de homicídios. O ano de 2003 marca uma inflexão na tendência de crescimento da taxa de homicídios no Brasil. Enquanto o índice de homicídios crescia à média de 5,44% a.a. no período anterior ao Estatuto do Desarmamento, após o início de sua vigência essa taxa reduz para 0,85% a.a. (ou seja, 6,5 vezes menor que a registrada nos anos anteriores)”, cita a ministra. 

    O Estatuto do Desarmamento foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, após ser aprovado no Congresso Nacional. Naquela época, pesquisas já demonstravam que a facilidade de aquisição de armas no país implicava no alto número de homicídios. Enquanto isso, movimentos nacionais e internacionais para reduzir o número de armas em circulação já estavam em andamento desde a década de 1990. Em 1997, foi criado no Brasil o Sistema Nacional de Armas (Sinearm), com o objetivo de regular a fabricação, o comércio, o porte e a posse de armas. Em âmbito mundial, cortes internacionais aprovavam medidas para combater o tráfico de armas e munições.

    Bolsonaro foi eleito em 2018 tendo como parte importante de sua plataforma críticas ao Estatudo e com promessas de garantir que cidadãos tivessem mais facilidade para adquirir armas. O plano de governo de Bolsonaro apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tinha, entre os objetivos, “reformular o Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à legítima defesa sua, de seus familiares, de sua propriedade e a de terceiros”. 

    Após assumir a presidência, Bolsonaro tentou ampliar diversas vezes o acesso a armas e outros regramentos ligados ao Estatuto do Desarmamento por meio de decretos, que não precisam passar pelo Congresso para entrar em vigor. Em 2019, por exemplo, o presidente editou dois decretos que ampliavam o acesso da população a armas de fogo.

    Os decretos foram alvos de contestação no Congresso e no STF. O Senado chegou a aprovar um Decreto Legislativo para anular seus efeitos, mas Bolsonaro decidiu revogá-los para evitar uma derrota no Legislativo.

    No dia 12 de fevereiro, sexta-feira antes do feriado de Carnaval, Bolsonaro editou os decretos alterando regras ligadas a Produtos Controlados pelo Exército Brasileiro (PCE) e de aquisição, registro, cadastro e posse de armas. Ao todo, foram alterados, incluídos ou revogados mais de 300 dispositivos relacionados ao tema no regramento brasileiro.

    A ministra do STF Rosa Weber
    A ministra Rosa Weber suspendeu dispositivos dos decretos na véspera de eles entrarem em vigor
    Foto: Nelson Jr. – 09.set.2020 / SCO – STF

     A ministra suspendeu os dispositivos questionados pelas ADIs, analisando cada um deles individual e extensamente. O entendimento é de que os trechos suspensos não são compatíveis com o Estatuto do Desarmamento em vigor, além de extrapolarem o limite presidencial de regulamentar regramentos jurídicos, criando novas possibilidades.  

    Confira abaixo um resumo do que dizem os decretos e o que Rosa Weber decidiu sobre cada um deles.

    Reaproveitamento de munição

    O decreto 10.627/2021, primeiro dos quatro editados, traz exceções de produtos que deixariam de ser controlados pelo Exército, entre eles munição de até 12,7 mm e miras holográficas, reflexivas e telescópicas. O Exército não teria controle caso esses itens fossem para as armas de fogo semiautomáticas — aquelas que realizam “automaticamente, todas as operações de funcionamento com exceção do disparo” — e as de repetição, cuja “a recarga exige a ação mecânica do atirador sobre um componente para a continuidade do tiro”. 

    Rosa suspendeu a exclusão de produtos e munições da lista de controle do Exército e a possibilidade de praticar tiro recreativo nos clubes e escolas com produtos controlados pelo Exército. Rosa Weber diz que a alteração representaria prejuízo para o controle de armamentos e à segurança pública no país, já que os CACs têm como reaproveitar fragmentos de cartuchos para fabricar novas munições. 

    “Percebe-se que o decreto autorizou aos 396 mil CACs registrados no Exército a fabricação de munições em quantidade incompatível com qualquer controle, pelo Poder Público, do número total de munições em circulação no território nacional”, diz a ministra.

    Mais armas por pessoa 

    O decreto 10.628/2021 é o menor dos quatro e tem como objetivo fazer a regulamentação do Estatuto do Desarmamento. A principal mudança foi a ampliação do número de armas de fogo que uma pessoa com o Certificado de Registro de Arma de Fogo poderia adquirir. O número aumentou de 4 para 6 armas autorizadas para civis, sob a exigência apenas de uma declaração de necessidade. Pelo decreto, essa declaração já teria a presunção da “veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas”, sem necessidade de comprovação.

    A ministra suspendeu a possibilidade de civis adquirirem até 6 armas de fogo. Ela aponta ainda que a declaração de necessidade efetiva precisa ser comprovada e não pode ser convertida em “presumida” por um decreto. Para a ministra, isso seria transformar o conteúdo jurídico da expressão em um sinônimo de algo suposto, além de reduzir a ação fiscalizadora da Polícia Federal. 

    Caso a decisão da ministra seja mantida, civis poderão comprar até 4 armas, e militares e agentes de segurança pública, até 6, desde que comprovada a necessidade.

    Caçadores, atiradores, colecionadores e adolescentes 

    O decreto 10.629/2021, terceiro publicado no dia 12 de fevereiro, dá diretrizes para registro, cadastro e aquisição de armas e de munições por caçadores, atiradores e  colecionadores, os chamados CACs. Este foi o mais polêmico, porque incluiu permissão para que adolescentes de 14 a 18 anos pudessem praticar tiro desportivo com armas de outros praticantes e ampliação de quantidade de insumo para recargas de cartuchos de calibre restrito. 

    Outro ponto que causou preocupação neste decreto foram as alterações em relação ao laudo de capacidade técnica e a comprovação psicológica para manusear uma arma. O primeiro seria atestado apenas pelo instrutor de tiro, sem que fosse preciso atestar junto ao Comando do Exército. Para a comprovação psicológica, o profissional precisaria apenas da sua credencial do Conselho Regional de Psicologia, e não mais acumular o credenciamento junto à Polícia Federal. 

    O item foi suspenso, assim como a possibilidade de adolescentes praticarem tiro desportivo com armas de outros praticantes e outros pontos detalhados pela ministra. 

    Rosa Weber suspendeu a liberação chamando atenção para o número de armas que poderiam ser compradas sem necessidade de autorização. “Apenas para ilustrar as consequências dessa modificação normativa, significa dizer que, sem autorização prévia do Comando do Exército, poderão ser adquiridas até 10 armas de fogo por colecionador, 30 armas de fogo por caçador e 60 armas de fogo por atirador desportivo”, diz a relatora. 

    Porte nacional 

    No ato 10.630/2021, último dos quatro decretos, Bolsonaro faz alterações em outra regulamentação do Estatuto do Desarmamento sobre aquisição, cadastro, registro, porte e comercialização de armas e de munições. O texto amplia o porte de arma para todo o território nacional e possibilitava que a pessoa com porte de arma carregasse consigo duas armas — além de suas munições e acessórios.

    A ministra chamou a atenção para o fato de que o Sinarm é o responsável por restringir onde a posse de arma é válida de acordo com o que comprova o portador da arma. 

    Atualmente, e caso a suspensão seja mantida, apenas integrantes das Forças Armadas, agentes de segurança pública, da Força Nacional de Segurança Pública, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), da Segurança Institucional da Presidência e das Polícias do Congresso têm posse de arma em todo o território nacional.

     

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