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    Entenda como PEC das Praias afetaria terrenos à beira-mar

    Polêmica envolve impactos para o meio ambiente, soberania nacional e privatização do acesso à praia

    Renata Souzada CNN* , São Paulo

    A audiência pública no Senado sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe a transferência de terrenos à beira-mar para estados, municípios e ocupantes particulares suscitou debates, de especialistas a figuras públicas, sobre quais seriam os impactos da aprovação do texto. 

    Durante a sessão promovida pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na última segunda-feira (27), especialistas alertaram sobre as eventuais consequências da PEC 3/2022 para o meio ambiente e para a soberania do país — porque a “a área de praia importa para a segurança nacional”, segundo o professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF) Gustavo Sampaio explicou à CNN.

    “A PEC favorece a ocupação desordenada, ameaçando os ecossistemas, tornando esses terrenos mais vulneráveis a eventos climáticos extremos. A proposta ainda permite a privatização e cercamento das praias, trazendo impacto no turismo e na indústria de pesca”, disse na ocasião a secretária-adjunta da Secretaria de Gestão do Patrimônio da União no Ministério da Gestão e da Inovação dos Serviços Públicos, Carolina Gabas Stuchi. 

    A possibilidade de privatização do acesso às praias se transformou em um dos pontos mais polêmicos da discussão e levou o relator do texto, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) a decidir alterar a proposta, segundo apuração da CNN.

    A ideia seria incluir previsão explícita reforçando que todas as praias continuarão acessíveis ao público em geral, assim como já prevê a Constituição Federal. 

    Segundo Sampaio, na teoria, a proposta original não prevê a privatização da faixa de areia e limitação de acesso a particulares — o que seria inconstitucional.  

    Mas a avaliação do especialista é de que, na prática, isso poderia acontecer.  

    “Porque se essas regras de preservação do meio ambiente forem flexibilizadas, as construções vão começar a avançar sobre os terrenos de marinha, vão começar a colocar muros, cercas, arame farpado e isso vai acabar impedindo o acesso das pessoas comuns às praias”, afirmou. 

    Com a repercussão do debate nas redes sociais, Flávio chegou a publicar um vídeo no último sábado (1º) defendendo a proposta e negando que a PEC abre espaço para privatização das praias. 

    De acordo com o parlamentar, o objetivo é “acabar com o pagamento de taxas absurdas” por proprietários de imóveis em áreas conhecidas como “terrenos de marinha”. O senador citou como exemplo o Complexo da Maré, bairro na Zona Norte do Rio de Janeiro.

     “A favela da Maré, no Rio de Janeiro, fica em um terreno de marinha. O que eu quero com essa PEC? Fazer com que os aproximadamente 8.300 imóveis que estão que estão nessa situação ali, no Complexo da Maré, para que as pessoas possam ser as donas definitivas desses imóveis.” 

    CNN procurou a Prefeitura do Rio de Janeiro para confirmar se o Complexo da Maré é demarcado como território de marinha. Em resposta, a assessoria de imprensa não confirmou a informação e disse que “a competência pela demarcação dos terrenos de marinha é da Secretaria de Patrimônio da União [SPU]”.

    Questionado pela reportagem sobre o assunto, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, que abriga a SPU, ainda não respondeu.

    O que diz a Legislação atual

    Segundo a Constituição Federal, os terrenos de marinha são as áreas que se estendem por toda a costa brasileira em uma profundidade de 33 metros de uma linha imaginária conhecida como “preamar” para o interior do continente. Também são consideradas margens de rios e lagoas que sofrem influência de marés.

    “Preamar é um termo náutico que indica o ponto máximo que a maré atinge quando ela está alta”, explica o analista de clima e meio ambiente da CNN, Pedro Côrtes. 

    A lei define ainda que deve ser considerada como referência para a demarcação a média das marés do ano de 1831. 

    “O governo pegou todos os pontos máximos que a maré alta atingiu no ano de 1831, até onde ela chegou na faixa de areia, fez uma média e, a partir dessa média, conta os 33 metros”, acrescentou Côrtes. 

    De acordo com a atual legislação, todas essas faixas de terra pertencem à União.  

    É por essa razão que quem adquire imóveis em terrenos de marinha fica submetido ao pagamento de taxas específicas ao governo federal. São elas:

    • Foro: taxa anual, equivalente a 0,6% do valor do terreno, sobre a propriedade ou domínio útil do terreno;
    • Taxa de ocupação: taxa anual, equivalente a 2% a 5%, cobrada pela ocupação regular de imóvel da união;
    • Laudêmio: taxa de 5% sobre o valor atualizado do imóvel no momento de venda.

    De acordo com o governo, existem cerca de 500 mil imóveis no país classificados como terrenos de marinha. Destes, em torno de 271 mil aparecem registrados em nome de responsáveis únicos, incluindo pessoas físicas e jurídicas.

    O que diz a PEC

    A PEC sugere a revogação de um trecho da Constituição e propõe que a transferência dos territórios de marinha para ocupantes particulares, estados e municípios seja autorizada.

    Aprovada pela Câmara, a proposta começou a ser analisada pelo Senado.

    Se aprovado, o texto permitirá que empresas de diversos setores passem a ter domínio sobre esses territórios, como resorts, hotéis, cassinos e instituições de outros segmentos. Ficaria também vedada a cobrança de foro, taxa de ocupação e laudêmio.

    Ainda de acordo com o texto, a União poderá ter o domínio sobre praias e demais terrenos de marinha em ocasiões específicas. Nesses casos, o acesso aos territórios continua público:

    • áreas afetadas ao serviço público federal;
    • áreas que tiverem unidades ambientais federais;
    • áreas não ocupadas.

    A PEC também sugere que estados e municípios passem a ter domínio por áreas afetadas ao serviço público estadual e municipal, “inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos”.

    *Com informações de Rebeca Borges e Mayara da Paz

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