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    Covas diz que fala de Bolsonaro travou compra da Coronavac e contradiz Pazuello

    Diretor do Instituto Butantan também disse que o Brasil poderia ter sido o primeiro país a começar a imunização contra a Covid-19

    Murillo Ferrari, Rafaela Lara e Renato Barcellos, da CNN, em São Paulo, e Bia Gurgel, da CNN, em Brasília

    A CPI da Pandemia ouviu nesta quinta-feira (27) o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas. O Butantan é responsável pela produção no Brasil da Coronavac, vacina contra a Covid-19 mais aplicada até o momento em brasileiros.

    Durante a oitiva, o cientista afirmou que, após a manifestação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 20 de outubro contra a compra da Coronavac, não foram feitos progressos nas negociações até janeiro de 2021.

    De acordo com o diretor do Instituto Butantan, foram feitas três propostas em 2020 para o fornecimento da Coronavac ao Ministério da Saúde: em julho, agosto e outubro.

    Ainda segundo ele, o Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a começar a imunização contra o novo coronavírus se “houvesse agilidade de todos os atores” envolvidos na questão regulatória e contratual das vacinas.

    Diretor do Instituto Butantan, Dimas Tadeu Covas, presta depoimento à CPI
    Diretor do Instituto Butantan, Dimas Tadeu Covas, presta depoimento à CPI
    Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

    A fala de Dimas Covas contradiz o que foi dito pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello à CPI. Na sessão do dia 19 de maio, o militar informou aos senadores que o chefe do Executivo nunca o orientou a desfazer a compra dos imunizantes.

    “Nunca o presidente mandou eu desfazer qualquer contrato com o Butantan. Nenhuma vez”, disse o general na ocasião.

    Ainda no depoimento desta quinta, Dimas Covas afirmou que não houve ajuda financeira ao Butantan por parte da União, ressaltou que declarações de membros do governo dificultam negociações de insumos com a China e informou que o Instituto pode atrasar a entrega de 100 milhões doses da vacina previstas para o mês de setembro.

    Até meados de maio, cerca de 70% das doses contra a Covid-19 aplicadas no Brasil eram da Coronavac.

    Professor titular de Medicina Clínica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Covas está à frente do Instituto Butantan desde 2017. Em junho de 2020, foi o responsável pelo acordo de colaboração firmado com a farmacêutica chinesa Sinovac para o desenvolvimento clínico do imunizante contra o novo coronavírus.

    Resumo da CPI da Pandemia:

    Dimas Covas detalha período em que negociações ficaram travadas


    Durante a oitiva, o presidente do Instituto Butantan recapitulou as datas de negociação de compra da Coronavac e disse que chegou a participar de três reuniões com o Ministério da Saúde. Segundo ele, as tratativas para a compra da vacina Coronavac pararam a partir do dia 20 de outubro.

    “Em outubro eu fui três vezes ao Ministério da Saúde, com técnicos e Pazuello para construirmos instrumento jurídico pra tentar uma Medida Provisória nos moldes do que foi feito com a Fiocruz. A partir do dia 20 essas tratativas simplesmente pararam. No dia 20 foi a reunião de anúncio [da aquisição da Coronavac] com governadores e lideranças políticas. Seria até uma comemoração capitaneada pelo então ministro da Saúde” disse Covas.

    No mesmo dia 20 de outubro, Bolsonaro, em fala com jornalistas e apoiadores, disse que havia “mandado cancelar” a compra do imunizante. No dia seguinte, em 21 de outubro, o então ministro Eduardo Pazuello, que havia testado positivo para a Covid-19, disse a frase “um manda e outro obedece” ao lado de Bolsonaro em vídeo postado nas redes sociais.

    Segundo Covas, as tratativas para a compra da Coronavac ficaram paralisadas por três meses – um contrato posterior de 46 milhões de doses foi firmado no dia 7 de janeiro. Inicialmente, o primeiro contrato previa 100 milhões de doses, o que proporcionaria a imunização de até 50 milhões de brasileiros.

    Cronograma Instituto Butantan
    Cronograma Instituto Butantan
    Foto: CNN

    Butantan pode atrasar entrega de 100 milhões doses previstas para setembro


    Devido ao atraso na entrega de insumos e com o adiamento da assinatura do contrato com o Ministério da Saúde, Dimas Covas disse que o Instituto Butantan pode não cumprir com a entrega das 100 milhões de doses da Coronavac ao PNI previstas para setembro.

    “As 100 milhões de doses poderiam ter sido integralizadas em maio se houvesse a contratação [do Ministério da Saúde] antes. Nesse momento, não sabemos se as 100 milhões de doses serão entregues em setembro devido ao atraso da matéria-prima.  Não há certeza do tempo para se entregar as 100 milhões [de doses] por conta dos insumos”. disse Covas em resposta à senadora Simone Tebet.

    “Naquele momento, nós praticamente éramos o principal parceiro da Sinovac e tínhamos seguramente essa possibilidade de maior quantitativo de doses. As 54 milhões de doses adicionais depende da chegada da matéria-prima. Podemos, sim, cumprir até setembro, se a matéria-prima chegar. O contrato está em vigor e esperamos receber a matéria-prima para cumprimento”, completou.

    Governo federal não deu apoio financeiro ao Butantan, segundo Covas


    Questionado pelo relator e pelo presidente da CPI se o governo federal teria apoiado financeiramente o Butantan no desenvolvimento da Coronavac, Covas disse que até o momento, não houve repasse de recursos nesse sentido.

    “A solicitação [de R$ 45 milhões] para o estudo clínico não foi atendida e para a questão dos equipamentos [com solicitação de R$ 60 milhões] foi levantada a possibilidade de se fazer o Prosis [Programa de Modernização de Instrumentos e Sistemas de Gestão da Administração Pública], mas não especificamente para a fábrica de Covid-19 e sim para uma fábrica multipropósito”, afirmou, em relação ao desenvolvimento da Coronavac.

    Sobre a Butanvac, atualmente em desenvolvimento, ele disse que ainda não há nenhum acordo com o Ministério da Saúde.

    “Ontem [quarta-feira] uma diretora do Butantan esteve no Ministério da Saúde para começar a negociação de venda da Butanvac, foi uma conversa inicial, mas ainda não temos nenhum documento e nem nada oficial.”

    Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) voltou a tocar no assunto e disse que não há “má vontade” do governo federal em relação ao Butantan. O senador citou valores repassados pela gestão Bolsonaro ao instituto desde 2019.


    O diretor do Instituto Butantan rebateu dizendo que os valores citados não eram investimento em pesquisa e desenvolvimento. De acordo com Dimas Covas, os repasses eram referentes ao pagamento por vacinas e outros produtos de saúde vendidos pelo Butantan à pasta.

    “Para essa vacina [Coronavac], não ocorreu nenhum investimento direto. O que houve foi o ressarcimento após o registro e o uso da vacina. Isso é muito diferente do que vinha até então”, disse.

    “Entre 2016 e 2017, o Butantan desenvolveu uma vacina para a dengue. O Ministério deu R$ 300 milhões de investimento para o desenvolvimento. Com isso, nós fizemos os estudos clínicos e fizemos uma fábrica que hoje está pronta.”

    Covas ressaltou, ainda, que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) recebeu investimento de R$ 1,9 bilhão para o desenvolvimento da vacina de Oxford/Astrazeneca, enquanto o Butantan não recebeu nada.

    Declarações de membros do governo dificultaram negociações com a China


    Questionado sobre como declarações de membros ou ex-membros do governo federal podem influenciar na relação com a China, principal fornecedor do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) da Coronavac, Covas disse ser senso comum que as falas feitas aqui no país repercutem na imprensa da China.

    “Isso se reflete nas dificuldades burocráticas. O que era normalmente resolvido em 15 dias, hoje leva mais de um mês. Nós que estamos na ponta sentimos isso. A Fiocruz também sentiu essa dificuldade”, disse ele.

    “O embaixador [da China no Brasil, Yang Wanming] já deixou claro para nós que declarações que desmerecem a China causam inconformismo do lado chinês. O ministro [das Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco] França tem ajudado nessa interlocução e o distensionamento já teve reflexão nesses insumos que chegaram”, completou.

    Fala de Bolsonaro travou tratativas até janeiro, segundo Covas


    Dimas Covas afirmou que, depois que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se manifestou em 20 de outubro contra a compra da Coronavac, não foram feitos progressos nas negociações até janeiro de 2021.

    “Nosso caminho era outro. Começamos a negociar com estados e municípios”, disse o diretor do Butantan.

    Ele citou ainda como exemplo da diferença no tratamento o fato de que o contrato com a AstraZeneca, firmado em agosto, recebeu adiantamento de recursos por parte do governo federal.

    “Essa [a Coronavac], apesar de estar em solo brasileiro e sendo produzida, só foi assinado em janeiro, seis meses depois da primeira proposta.”

    Governo não entendeu importância das vacinas em 2020


    Questionado pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), sobre os motivos que teriam levado o governo federal a não aceitar as propostas do Butantan, Covas disse que essa era uma boa pergunta, já que havia sido feito todo o esforço para fornecer informações técnicas.

    “Havia naquele momento incertezas sobre as vacinas, de forma geral, não em relação a essa vacina. Essa [a Coronavac] tinha todos os elementos para levar a vacina a ser usada muito rapidamente”, disse.

    “Acho que houve um descompasso de entendimento da situação do momento, da importância da vacina dentro do contexto da própria pandemia. Nós, por outro lado, tínhamos absoluta certeza de que ela seria importante.”

    Ele disse ainda que, ao não aceitar a primeira proposta, feita em julho, o Ministério da Saúde abriu mão, efetivamente, da possibilidade de ter 60 milhões de doses do imunizante ainda em 2020.

    “Essas idas e vindas foram dificultando o cronograma, não o quantitativo.”

    Brasil poderia ter sido o 1º país do mundo a vacinar contra Covid-19


    Covas afirmou aos senadores na CPI que o Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a começar a imunização contra o novo coronavírus se “houvesse uma agilidade de todos os atores” trabalhando em conjunto.

    “O mundo começou a vacinação no dia 8 de dezembro. No final do mês, tinham sido aplicadas pouco mais de 4 milhões de doses no mundo e nós tínhamos 5,5 milhões [prontas e estocadas], sem contrato com o Ministério”, disse o diretor do Butantan.

    “Poderíamos ter iniciado a vacinação antes do que começou, tínhamos as doses disponíveis. Eu, muitas vezes, declarei publicamente que o Brasil poderia ser o primeiro país do mundo a começar a vacinação não fossem os percalços que tínhamos que enfrentar nesse período, tanto do ponto de vista do contrato como do ponto de vista regulatório.”

    Butanvac pode ser aplicada ainda este ano

    Em uma breve explicação sobre o imunizante desenvolvido pelo Instituto Butantan, Dimas Covas afirmou que a vacina tem um potencial muito grande e que ela será produziada “para o mundo”.

    O diretor do Instituto Butantan ressaltou que está esperançoso, visto que o estudo clínico será curto, porque os insumos básicos da vacina são ovos de galinha, frascos e embalagens, os mesmos usados para fazer a vacina da gripe.

    “Tenho o otimismo de começar a usar essa vacina ainda esse ano. Mas na hora oportuna vamos dar a possibilidade dos brasileiros usarem”, disse.

    A Butanvac é a primeira vacina contra a Covid-19 produzida no Brasil sem que seja necessária a importação de IFAs e já foi testada em animais.


    Dimas Covas também comentou um estudo realizado na cidade de Serrana, no interior de São Paulo. Segundo o levantamento, para haver uma queda natural nos números da pandemia é necessária a vacinação de 97% das pessoas em risco.

    “Nós fizemos um estudo, e é inédito no mundo, em uma cidade do interior de São Paulo chamada Serrana, cidade de 45 mil habitantes, com 30 mil adultos de 18 anos ou mais. Vacinamos 97% dessa população com as duas doses e acompanhamos isso no tempo. Nessa semana, será feito o relatório final, mas eu posso já dizer ao senhor que, lá, o número de casos em idosos caiu 70% após a aplicação da segunda dose”, afirmou Covas.

    “Enquanto não houver essa vacinação de 97% das pessoas em risco, como foi o caso lá em Serrana, nós não vamos ter esse decréscimo natural da epidemia. Ela poderá ficar sofrendo essas idas e vindas, principalmente quando surge uma variante nova”, finalizou.

    Butantan fez 3 propostas ao Ministério da Saúde em 2020


    Em sua fala inicial na CPI da Pandemia, depois de traçar um breve histórico da atuação do Butantan, Dimas Covas afirmou que fez três propostas em 2020 para o fornecimento da Coronavac ao Ministério da Saúde: em julho, em agosto e em outubro.

    Ele disse que em julho foram ofertados 60 milhões de doses, com entregas previstas para o último trimestre de 2020. Depois, em outubro, a oferta foi ampliada para 100 milhões de doses, sendo que 45 milhões seriam produzidas no Butantan até dezembro de 2020, 15 milhões até fevereiro de 2021 e o restante até maio.

    “Tudo aparentemente estava indo muito bem, tanto que em 20 de outubro fui convidado pelo [ex-]ministro [Eduardo] Pazuello para uma cerimônia no Ministério da Saúde em que a vacina seria anunciada como uma vacina [do PNI], com a incorporação de 46 milhões de doses”, disse Covas.

    “A partir desse ponto, é notório que houve uma inflexão. E digo isso porque saímos de lá muito satisfeitos e achávamos que, de fato, teríamos resolvido parte desse problema. No outro dia, de manhã, as conversações adicionais não seguiram porque houve uma manifestação do presidente da República [Jair Bolsonaro] dizendo que a vacina não seria incorporada.”

    Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan
    Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, fala à CPI da Pandemia
    Foto: Reprodução/CNN Brasil (27.mai.2021)

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