À CPI, vítimas da Covid-19 relatam luto e pedem por justiça e vacinas
Depoimentos focaram no luto de familiares que perderam entes e na trajetória de sobreviventes da pandemia. Senado irá instalar memorial em homenagem às vítimas, diz Randolfe
A CPI da Pandemia ouviu, nesta segunda-feira (18), familiares de vítimas da Covid-19 e demais pessoas afetadas pela pandemia, que foram convocadas a comparecer ao Senado para relatar a luta contra a doença.
Os depoimentos fizeram parte de um remanejamento no calendário da comissão, cujo relatório final será apresentado na quarta-feira (20).
Participaram Mayra Pires Lima, enfermeira em Manaus; Giovanna Dulce e Katia Shirlene Castilho dos Santos, órfãs por causa da Covid-19; Rosane Brandão, viúva por causa da Covid-19; Arquivaldo Bites Leite e Marcio Antônio, que foram acometidos pela Covid-19; e Antonio Carlos Costa, articulador da ONG Rio de Paz.
Prevista para acabar nesta semana, a CPI modificou a agenda de sua reta final para dar mais tempo à elaboração do relatório final da comissão, que deverá ser apresentado na quarta-feira (20).
Cabe ao relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), compilar o resumo de todo o trabalho da comissão até aqui e sugerir encaminhamentos, como abertura de inquéritos e indiciamentos. E é exatamente sobre os indiciamentos que pairam as principais discordâncias entre a cúpula da CPI.
Para evitar possíveis desgastes e medidas legais envolvendo o conteúdo da primeira versão do relatório – que continha o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por genocídio indígena e o apontamento de responsabilidades de seus filhos –, a CPI decidiu adiar a apresentação do texto para quarta e a votação apenas para a próxima semana.
Mesmo assim, Renan Calheiros reafirmou à CNN que o presidente Jair Bolsonaro continuará sendo indiciado por 11 crimes no relatório final da CPI.
Renan também afirmou que a CPI não “está julgando ninguém” e que teve o papel preliminar de substituir um “inquérito policial” em relação a possíveis omissões do governo federal na pandemia de Covid-19.
Acompanhe os destaques da CPI
“Daria tudo pra que ele tivesse sido vacinado”, diz pai de vítima da Covid-19
O depoente Marcio Antônio, que perdeu um filho para a Covid-19 e tornou-se conhecido após impedir que pessoas retirassem homenagens às vítimas do coronavírus da Praia de Copacabana, afirmou na audiência pública da CPI que gostaria de ter tido a chance de ver o filho vacinado.
“Eu daria a minha vida pro meu filho ter chance de ser vacinado. Quero entender porque lutar contra máscara e vacina. Eu daria tudo pro meu filho ter essa chance. Ele não é um número”, afirmou.
Marcio Antônio lamentou falas que considerou desrespeitosas em relação ao luto das famílias, inclusive o seu. “O sentimento com o qual eu fico não é pela dor da morte, é por tudo que vem depois, cada deboche. No meu coração, é muito difícil entender isso”, afirmou.
O depoente também relembrou quando foi hostilizado por recolocar cruzes brancas no lugar – elas haviam sido fixadas em Copabacana como forma de homenagear as vítimas da pandemia, mas foram derrubadas por um grupo de pessoas.
“Parecia que meu filho era culpado por ter morrido de Covid. Naquele dia da praia, eles começaram a me agredir chamando de comunista, a ação de ofender por apenas ofender. Quando eu saí, já não tinha mais nenhum deles”, contou.
“Estou aqui porque tive oportunidade de tomar vacina”, diz paciente que superou Covid-19
Arquivaldo Bites Leão Leite foi um dos depoentes da audiência da pública realizada pela CPI nesta segunda. Ele contraiu a Covid-19 e passa por tratamentos para superar as sequelas da doença.
De família numerosa, Arquivaldo perdeu seis membros da família em decorrência da Covid-19. “Fomos muito hostilizados por viver o isolamento. Mas lamentavelmente a doença foi chegando à família. Perdi dois primos e nossa preocupação aumentou ainda mais. Esse ano, perdemos um tio. Depois, em março, nosso irmão caçula faleceu, e depois mais 2 sobrinhos. São 6 membros.”
Arquivaldo contraiu o vírus em julho e, desde então, luta para superar as sequelas deixadas pela doença.
“Em julho fui acometido pelo vírus e os 90 dias que passaram foram muito difíceis pra mim. Sofri um derrame enquanto estava em tratamento e, depois disso, não consigo mais andar sozinho. Perdi a audição de um ouvido e parece que perdi o equilíbrio.”
Já vacinado, Arquivaldo afirmou que “muitos não tiveram a oportunidade” de tomar a vacina. “Eu estou aqui hoje porque tive a oportunidade de tomar vacina. Muitos não tiveram e não estão aqui pra contar história como eu. Peço que a gente lute pra um Brasil melhor que esse.”
Na sequência, Rosane Maria dos Santos Brandão, que perdeu o marido para a Covid-19, falou. “A vacina não chegou para o meu marido e nem pra milhares de pessoas. Se não fosse essa política de extermínio, 490 mil mortes poderiam ter sido evitadas”, disse.
Na sequência, ela fez uma apelo à CPI: “Peço que tenham atenção em especial para a proposta da constituição de uma comissão de civis. Sabemos que não se substitui pessoas, mas a CPI tem um papel fundamental. Honrem os nossos mortos, diferentemente do que foi o presidente da república.”
“A dor é grande, mas a vontade de justiça é maior”, diz filha de vítimas da Covid-19
Katia Shirlene Castilho dos Santos contou aos senadores como foi perder os pais para a Covid-19. O pai de Katia morreu em março deste ano em decorrência da Covid-19 – a mãe, também infectada pelo vírus, faleceu em abril.
Emocionada, Katia afirmou que sua dor é grande, “mas a vontade de justiça é maior”. Ao narrar cronologicamente os fatos do diagnóstico, internação e morte de seus pais, ela afirmou que sua mãe possuía o plano de saúde da Prevent Senior e, ao receber a informação da morte de seu pai, não pode comparar ou ajudar com os preparativos funerários pois acompanhava a mãe no hospital.
Segundo ela, sua irmã teve de ajudar a encontrar o corpo do pai, que faleceu em meio a alta de óbitos por Covid-19 no país.
“Não acompanhei sepultamento do meu pai. Minha irmã procurou corpo do meu pai. Era tanto corpo que o rapaz falou que precisava de ajuda e ela teve que colocar o corpo do meu pai dentro do caixão. O rapaz da funerário deixou que o corpo do meu pai no chão porque ele tinha muitos corpos para procurar. Só conseguimos fazer uma oração rápida de despedida do homem que nos ensinou a sermos as mulheres que somos hoje. E isso não aconteceu só com meu pai, aconteceu com muitos brasileiros”, disse.
Ao relatar o tratamento da mãe, que faleceu em abril deste ano, Katia revelou que a família recebeu o chamado “kit Covid”, conjunto de remédios sem comprovação científica para o tratamento da doença, em casa. Após duas consultas por telemedicina, a mãe de Katia voltou ao hospital da Prevent Senior e foi internada na unidade da Mooca, em São Paulo. No mesmo dia da internação da mãe, o pai de Katia faleceu por Covid-19.
“Fizeram exames e viram que pulmão estava 50% comprometido. E houve a transferência para unidade de Pinheiros. Nesse mesmo dia, minha irmã recebe ligação e recebe a informação de que o pai havia falecido”. Ao finalizar seu relato, Katia fez um apelo emocionado: “tomem a vacina, por favor, aproveitem essa oportunidade. Meus pais não tiveram essa oportunidade.”
Senadores pedem explicações ao Ministério da Saúde sobre doses de vacinas represadas
Em um requerimento aprovado durante a sessão desta segunda-feira (18), os senadores solicitaram ao Ministério da Saúde explicações sobre as mais de 25 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 que estariam, no momento, represadas nos centros de abastecimento da pasta.
“A gente vive uma vida triste com uma ou outra coisa alegre”, diz jovem que perdeu pais para a Covid-19
A jovem Giovanna Gomes Mendes da Silva, de 19 anos, relatou aos senadores como ela se tornou uma das orfãs da pandemia e ficou com a guarda da irmã mais nova, de apenas 10 anos, após o falecimento dos pais.
Segundo ela, a mãe contaminou-se e rapidamente evoluiu para um estágio grave da doença, falecendo após dias de intubação. O pai, que já se tratava de um câncer, pegou a Covid-19 e conseguiu se recuperar, mas teve a situação do câncer agravada e não resistiu. Os dois faleceram com 14 dias de diferença.
“Hoje, a gente vive uma vida triste com uma ou outra coisa alegre”, disse Giovanna, emocionada. Ela requereu a guarda da irmã, de 10 anos, para que ambas pudesse ficar juntas após a perda dos pais. Aos senadores, Giovanna destacou que o projeto de amparo aos órfãos é “essencial” e também pediu por soluções que englobem o tratamento à saúde mental dos afetados pela pandemia.
“Não queremos parabéns, queremos valorização”, diz enfermeira de Manaus que perdeu irmã para a Covid à CPI
A enfermeira manauara Mayra Pires Lima deu um relato sobre sua rotina como profissional de saúde durante a crise de falta de oxigênio na capital do Amazonas, além de compartilhar a história de sua irmã, que morreu pela Covid-19 e deixou três filhos órfãos.
“No Amazonas, tivemos uma situação bastante difícil. Quando eu me formei, tinha grande sonho de ajudar em outras calamidades. Hoje, eu falo que eu vivi uma guerra, atendi pacientes às vezes sem proteção nenhuma”, declarou.
“Perdemos ótimos médicos obstetras, perdemos colegas pra depressão e suicídio. Na enfermagem, tivemos 82 óbitos, fora os que ficaram sequelados. A gente via postagens sobre ‘os nossos heróis’; nós não queremos parabéns, queremos valorização”, disse, fazendo coro pela aprovação do projeto de lei (PL) 2564/2020, que visa aumentar o piso salarial dos profissionais da enfermagem.
Mayra relatou que precisou cuidar da irmã no hospital em que trabalha enquanto ela própria estava se recuperando de uma infecção pela Covid-19, que deixou sequelas respiratórias. Segundo a enfermeira, a irmã precisava ser encaminhada às pressas para um leito de UTI, mas a disponibilidade não foi aberta à tempo.
“A minha irmã não volta, não consegui viver o meu luto. A minha irmã era uma pessoa especial na nossa família e tinha uma alegria que não tem como substituir”, afirmou.
Mayra também destacou a situação dos órfãos da Covid-19, incluindo seus três sobrinhos – dois deles gêmeos de 1 ano. “Os meus sobrinhos têm a nós, mas e as crianças que não têm família? Será que a gente se preocupa com isso? Queria questionar o que se está se fazendo por essas crianças e por essas famílias”, disse.
Últimos dois anos foram os mais difíceis desta geração, diz líder da ONG Rio da Paz à CPI
Ao abrir os depoimentos previstos na audiência pública que recebe, no Senado, parentes de vítimas e demais afetados pela Covid-19, o líder Antônio Carlos Costa, da ONG Rio da Paz, declarou que o momento era a oportunidade para parte da sociedade civil expressar sua “dor”.
“Temos subido e descido o morro levando cesta básica, e, em razão das sandices do governo federal, tivemos que ir às ruas para pedir para aquele que ocupa o mais alto posto que trate a população com respeito e dignidade”, disse Antônio Carlos.
O líder da ONG carioca criticou o presidente Jair Bolsonaro ao longo de sua declaração inicial: “O que vimos foi a antítese de tudo que se esperava de um presidente. Não soubemos de favela que tenha visitado ou hospital que tenha se dirigido aos profissionais de saúde”, afirmou. “Em dias de fome, doença, morte e luto, em vez de cuidar do povo que o elegeu, se dedicou a defender o seu mandato”.
“Faço questão de ressaltar sua impressionante falta de empatia para que nunca mais sejamos governados dessa maneira por quem quer que seja”, declarou o líder comunitário.
*Com informações de Márcio Tumen Pinheiro, da CNN