Empresa de Feder, cotado para o MEC, tem contratos com o governo federal
Empresa Multilaser, da qual Renato Feder é sócio, tem dois contratos cujos valores, somados, passam de R$ 14 milhões
Documentos obtidos pela CNN mostram que Renato Feder, cotado para assumir o Ministério da Educação, atuou como conselheiro administrativo de uma de suas empresas enquanto exercia o cargo de secretário estadual de Educação no Paraná. Os documentos também mostram que, desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, a Multilaser fechou dois contratos com o governo federal — e ambos estão em vigor.
O primeiro, no valor de R$ 14,2 milhões, foi firmado em dezembro de 2019 e tinha como objetivo o fornecimento de mais de 28 mil tablets ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a realização do Censo 2020, que foi adiado por conta da pandemia da Covid-19.
O último contrato da Multilaser com o governo federal, firmado com dispensa de licitação, foi assinado no dia 15 de maio deste ano e tinha como objetivo o fornecimento de mais de 100 mil máscaras cirúrgicas. O valor do contrato foi de R$ 313 mil e a pasta responsável pela compra foi o Ministério da Educação, a mesma que Renato Feder está cotado para comandar.
Feder é sócio da Multilaser Industrial S.A., que está no mercado há mais de 30 anos e se apresenta como um dos maiores players do segmento de eletrônicos e de suprimentos de informática nacional. A Multilaser tem feito negócios com a administração federal desde 2011, sempre através de uma de suas filiais, localizada em Extrema, no sul de Minas Gerais, próxima às cidades paulistas de Bragança Paulista e Atibaia.
Entre 2011 e 2018, a Multilaser fechou 28 contratos com órgãos ligados aos Ministérios da Previdência Social, Economia, Educação e Advocacia-Geral da União (AGU). Esses contratos, juntos, totalizaram mais de R$ 400 mil. O maior deles, fechado ainda durante a administração de Dilma Rousseff, foi firmado justamente com o Ministério da Educação, no valor de R$ 151 mil, e tinha como objetivo o fornecimento de 600 tablets para escolas da rede pública.
Conflito
Segundo Gustavo Justino de Oliveira, professor de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a lei sobre conflito de interesses começa a valer assim que a pessoa assume um cargo público.
“Novos contratos não podem ser firmados, obviamente, com o Governo Federal, em face da Lei de Conflitos de Interesses – lei federal 12.813/13 e do código de conduta da Alta Administração de 2000. Sobre contratos antigos, nenhum tipo de remuneração poderá ser recebido, obviamente, a partir da posse como ministro”, diz o professor.
Em novembro de 2018, Renato Feder deixou o cargo de presidente do Conselho de Administração da Multilaser. O documento que formalizou a saída desse cargo, apesar de assinado em 2018, só foi registrado na Junta Comercial do Estado de São Paulo seis meses depois, em maio de 2019.
Em 2011, a Multilaser foi transformada de empresa Limitada (LTDA.) em Sociedade Anônima (S.A). de capital fechado, tendo como sócios Alexandre Ostrowiecki, Edward James Feder, Rafael Feder e Renato Feder. De acordo com o artigo 138 da Lei das Empresas de Sociedade por Ações (Lei 6404/76), o Conselho de Administração de uma empresa será responsável pela administração se o estatuto da organização assim determinar, o que é caso da Multilaser.
Já a Lei Federal 8112/90, que trata dos servidores públicos, estabelece que “servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público” e que esse cargo pode ser ocupado por meio de nomeações, como é o caso dos ministros e secretários estaduais. No artigo 117 desta mesma lei, são detalhadas as proibições impostas aos servidores públicos, entre elas, a de “participar de gerência ou administração de sociedade privada”. Já a lei para os servidores paranaenses diz que eles não podem administrar empresas, caso estas forneçam produtos ou serviços para o Estado.
Conselheiro
Apesar do documento que atesta que Renato Feder deixou a presidência do Conselho, outros documentos, de abril e maio de 2019, demonstram que ele esteve presente em outras reuniões na condição de conselheiro administrativo.
Em agosto de 2019, outra reunião estabeleceu a extinção do Conselho de Administração e destituição dos membros, entre eles Renato Feder — o que demonstra que, pelo menos formalmente, Feder continuou ligado à administração da empresa nos primeiros oito meses em que atuou como secretário de Educação do Paraná.
Para Justino, o registro da ata na Junta Comercial é um ato de fé pública, no sentido de que presumem-se verdadeiras as informações e o conteúdo do documento, incluindo a sua data.
“Aqui, se faz necessário analisar a legislação do Estado do Paraná. Geralmente, a legislação solicita que para a posse, ou entrada em exercício, o secretário de estado deve afastar-se de cargos de direção de empresas privadas, não podendo receber remuneração privada, salário, bônus, lucros de qualquer natureza, a partir do momento em que passar a exercer o cargo de secretário”, explica.
“Se ele se manteve no conselho de administração da empresa e praticou atos de administração, ele pode ter ofendido o estatuto dos servidores públicos. Mas tudo isso precisa ser apurado por órgãos de controle e conforme o caso, aplicar sanções”, explicou o advogado e professor de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Alessandro Soares.
Procurada, a Multilaser informa que, “de fato, ele [Feder] não estava no conselho em 2019 e deixou de atuar na Multilaser em novembro de 2018”. Ainda segundo a empresa, no documento enviado pela CNN houve um erro de preenchimento, e esse documento é preenchido pela própria Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo) e não corresponde com as atas da companhia.
Atualmente, Feder continua sendo um dos sendo um dos sócios da empresa, além de ser parente de outros proprietários da companhia. Fora a Multilaser, ele ainda consta como sócio ou proprietário de outras 29 empresas na Receita Federal. No entanto, nenhuma dessas outras empresas possuem contratos com o governo federal.