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    Coronavírus suspende projeto liberal de Paulo Guedes

    Conforme vírus passou a se disseminar e a matar cada vez mais pessoas país afora, a agenda liberal de ministro da Economia foi sendo colocada de lado

    Caio Junqueirada CNN

    O cabo de guerra entre o Executivo e o Legislativo em torno do valor do coronavoucher deixou claro que a crise do Covid-19 no Brasil suspendeu o incipiente projeto liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. Em resumo: a ideia inicial do governo era oferecer um vale de R$ 200 por dois meses para trabalhadores informais que não recebam benefícios sociais. Os parlamentares mais que dobraram a aposta e exigiram que fossem R$ 500 e de quebra ainda ampliaram a possibilidade de seus beneficiários. Com a derrota iminente e para evitar o desgaste político de um veto à ideia, o próprio presidente Jair Bolsonaro triplicou a aposta. Bancou os R$ 600. Desse modo, um projeto que na origem custava ao redor de R$ 15 bilhões aos cofres públicos saltou para mais de R$ 50 bilhões. Com direito a uma intensa disputa pela paternidade social da ideia. 

    Não há dúvidas quanto à necessidade da proposta e o quanto ela é essencial neste momento (deve alcançar mais de 30 milhões de pessoas). Mas o embate foi o melhor exemplo de como o ambiente político-econômico mudou em Brasília radicalmente com o coronavírus. Conforme ele passou a se disseminar e a matar cada vez mais pessoas país afora, a agenda liberal de Paulo Guedes foi sendo em velocidade semelhante colocada de lado. Na mesma medida também em que ele deixou a capital federal. Integrante do grupo de risco da doença (tem 70 anos) e diante do fechamento do hotel que mora nas margens do lago Paranoá, correu para o Rio de Janeiro e a cara da equipe econômica passou a ser por alguns dias o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, os presidentes dos bancos públicos, Gustavo Montezano (BNDES) e Pedro Guimarães (Caixa), e do Banco Central, Roberto Campos Neto — cada vez mais em ascensão na cidade.

    Guedes reapareceu em um vídeo na sexta-feira (27) dizendo basicamente que todo o pacote, até agora de R$ 350 bilhões, de estímulos para tentar amenizar o buraco na economia que o coronavírus provocará, deverá ao final chegar a R$ 700 bilhões. Pouco menos que os R$ 900 bilhões a grande agenda econômica liberal de 2019, a reforma da Previdência, propiciou. No início da noite de sábado (28), Guedes apareceu de novo. Fez uma live na internet com representantes do setor financeiro, de onde ele é egresso. E vestiu a camisa do seu novo momento. “A gente ia transferir devagar, agora vamos ter que fazer no acelerador. Dar uma despejada fenomenal de recursos”, disse.     

    Muito tem se falado sobre estarmos sob uma “economia de guerra”, o que tecnicamente não é correto. O termo costuma ser usado para situações de conflito armado, em que, basicamente, os investimentos são direcionados em sua maioria à indústria de defesa e por isso uma série de medidas econômicas são necessárias para reequilibrar a economia do país. Mas o termo pegou em Brasília. Curiosamente, um dos primeiros a lançá-la foi o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, em uma das primeiras coletivas do governo sobre o assunto há mais de dez dias: “Está acontecendo uma guerra”, declarou. A caracterização pegou.

    Tanto que o próprio Paulo Guedes junto com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o líder dos liberais no Congresso, elaboraram uma proposta de emenda constitucional para criar um “Orçamento de guerra” para o qual seriam destinados todos os recursos do combate ao coronavírus. A ideia até tem uma motivação liberal na origem: evitar que a conhecida criatividade do universo político para pacotes de crise aliada à sua também conhecida indiferença com impactos fiscais aprofunde o buraco fiscal que já estamos. Tanto que inicialmente foi rejeitada pelo Centrão, o grupo que manda de fato no Legislativo. O motivo: perderiam o controle quase absoluto do dinheiro público que alterações legislativas como o Orçamento impositivo lhes propiciou. Nesta semana, porém, um acerto político para destravar sua tramitação foi feito. O vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira, reuniu-se com Maia e lhe relatou o incômodo do grupo com a proposta. O presidente da Câmara  ofereceu-lhe então a articulação da PEC. Pereira recusou, mas saiu de lá com a missão de convencer o grupo que integra no Congresso a abraçar a ideia. Desde que fosse garantido a eles alguma predominância sobre o Palácio do Planalto e a equipe econômica na execução  dos gastos. Assim foi feito e, ao menos politicamente, a proposta destravou. E a ideia liberal que a originou foi flexibilizada.   

    No geral, os liberais estão rachados. O engenheiro Helio Beltrão por exemplo, um dos que fundaram o Instituto Milennium, um dos principais think thank liberais brasileiros, e também diretor do Instituto Mises, que também dissemina os ideais liberais, é crítico às respostas econômicas que o governo brasileiro tem dado à crise. “É natural que formuladores fiquem contaminados pela histeria. Quando se trata de vida ou morte todo o resto fica irrelevante. Estamos em um avião com cúmulo-nimbus (nuvem que gera intensa turbulência) e com todo mundo fazendo coisas que não faria em condições normais”, diz.  E conclui: “Espero que as medidas sejam temporárias e possam ser revertidas.”

    Já Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), defende a intervenção do estado em casos como o atual, mas critica o que considera lentidão para o dinheiro chegar na ponta. “A discussão ideológica agora não ajuda nada. O estado é a única instituição que tem poder agora, seja aumentando a dívida publica, seja com emissão monetária para fazer frente à crise. O setor privado não tem essa capacidade agora”. Para expor sua visão, ele cita Kenneth Rogoff, economista de Harvard e fiscalista reverenciado no mundo que divulgou recentemente um artigo dizendo que o momento é de aumentar a dívida e não se preocupar com questões fiscais. Salto, contudo, ataca o que considera letargia para que os recursos anunciados por Guedes

    cheguem logo na ponta. “Se é algo que o liberalismo precisa ter é eficiência. Não é possível que quando quer fazer ajuste não consegue e quando quer gastar também não consegue”, diz.  

    Os mortos pelo coronavírus no Brasil já passam de 100 e ainda nem chegamos ao pico da contaminação. Os efeitos econômicos negativos do vírus também já estão em todos os locais, o que exige intensa capacidade de formulação e agilidade da equipe econômica. Mas será que Paulo Guedes atribuirá o eventual sucesso ao seu ideário liberal?”

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