Constituição que determina harmonia entre Poderes completa 35 anos em meio a embates entre Legislativo e Judiciário
Ao longo do último mês, o Congresso e o STF tem debatido de maneira simultânea os mesmos temas, mas tomado decisões opostas
A Constituição brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988, completa 35 anos nesta quinta-feira (5).
Seu artigo 2º estabelece que os Três Poderes da União, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário devem ser “independentes e harmônicos entre si”, mas no aniversário da legislação, testemunhamos um aumento na tensão entre Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF).
Divergências
Ao longo do último mês, o Congresso e o STF tem debatido de maneira simultânea os mesmos temas, mas tomado decisões opostas.
O exemplo mais recente é o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, derrubado pela Corte uma semana antes de ser aprovado pelo Senado Federal.
Mas também estão na pauta do Judiciário e do Legislativo as discussões sobre:
- descriminalização do aborto,
- descriminalização do porte de drogas,
- imposto sindical,
- quociente eleitoral,
- e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
“Interferência”
Com a quantidade de temas sendo discutidos de forma simultânea por dois Poderes, parlamentares intensificaram os discursos de que há uma “interferência” do STF no Congresso, e que o Judiciário estaria usurpando a competência do Legislativo.
No dia 27 de setembro, após a provação do marco temporal pelo plenário do Senado, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que é dever do Congresso legislar.
VÍDEO – Mandato de ministros será construído dentro do STF, dizem aliados de Pacheco
Limites
No início de outubro, a tensão entre os dois Poderes também reacendeu a discussão sobre uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que defina um limite de tempo para o mandato dos ministros da Suprema Corte, apoiada por Pacheco.
Atualmente, os mandatos do STF não têm limite de duração, e os ministros só precisam deixar o cargo ao completar 75 anos de idade.
Também tramita no Senado outra PEC, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na quarta (4), que limita decisões monocráticas e pedidos de vista nos tribunais superiores.
Os ministros do STF enxergam a discussão como um movimento para enfraquecer a Corte em meio às divergências entre os dois poderes.
VÍDEO – CCJ aprova PEC que limita decisões monocráticas no STF
“Harmonia com conflito”
Especialistas ouvidos pela CNN destacam que o embate entre os Poderes é natural, mas que ele deve se ater às instituições democráticas.
“É interessante ressaltar que harmonia não significa ausência de conflito. Pelo contrário, significa que esse conflito precisa ser processado em arenas institucionais, que quando houver discordâncias na forma de ver determinadas questões, essas discordâncias vão se processar de acordo com as regras pré-estabelecidas”, diz Graziella Testa, professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da FGV.
Ela explica que a ideia de dividir o poder em três é uma forma de regular essas instâncias e garantir que uma não se sobreponha às outras.
De acordo com Cristiano Noronha, cientista político da Arko Advice, “esse constante debate sobre as atribuições de um Poder, até onde um Poder pode ir sem ferir o outro, é muito importante”. E o Legislativo é “a esfera mais democrática” para que esse debate ocorra.
Ele ainda lembra que o embate atual está acontecendo entre Legislativo e Judiciário, mas decisões políticas já foram tomadas por conta da tensão entre outros Poderes.
Durante o segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, por exemplo, o Congresso Nacional aumentou a idade de aposentadoria compulsória dos ministros do STF de 70 para 75 anos – em uma decisão completamente oposta à discussão atual – para evitar que a petista fizesse novas nomeações para a Corte, relembra Noronha.
No entanto, ele aponta que a “judicialização” de certas pautas tem se tornado ainda mais comum com a polarização política acentuada.
Eduardo José Grin, cientista político e professor da FGV, concorda que os conflitos entre Poderes “sempre existiram e continuarão existindo”.
No entanto, Grin aponta que o Poder Legislativo, em especial a Câmara dos Deputados, “vem assumindo uma agenda bastante conservadora em alguns aspectos e dominada por um conjunto de interesses que atentam contra questões fundamentais e direitos humanos, como o caso da tentativa de proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo”.
Neste caso específico, o Supremo já decidiu desde 2011 que o casamento homoafetivo “está no capítulo da Constituição que garante os direitos individuais e a autonomia das pessoas para decidirem o que querem da sua vida, com quem querem se casar”, aponta Grin.
Para Grin, os grupos mais conservadores do Congresso querem “se utilizar desse enfrentamento com o Supremo Tribunal Federal para dialogar com as suas clientelas eleitorais”. Ele diz que defender os direitos fundamentais das minorias também é uma forma de defender a democracia.