Com CPI, oposição tenta domar narrativa do 8 de janeiro e atingir governo, dizem especialistas
Governo federal tenta esvaziar requerimento; cientistas políticos apontam que instauração da CPI pode levar Lula a “gastar capital político” e desviar a atenção de sua “agenda prioritária”
A oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou na última semana que reuniu assinaturas suficientes para abrir uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre o ato de 8 de janeiro. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse à CNN na terça-feira (28) que irá ler o pedido caso “preenchidos os requisitos”.
A CPI tem como autor o deputado federal André Fernandes (PL-CE), conta com o apoio e engajamento de diferentes frentes da oposição e — visto as assinaturas recebidas e o aval de Pacheco — pode ser instaurada em breve.
Fernandes argumenta no pedido que ainda há “incertezas sobre quem executou e se omitiu” no ato. Ele destaca que, segundo a imprensa, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) alertou o governo sobre os ataques nas vésperas; também afirma que avisos de perigo de depredação chegaram a 48 órgãos da gestão federal.
Cientistas políticos consultados pela CNN dizem que a oposição tenta controlar narrativas sobre o ato do dia 8 de janeiro e, dessa maneira, atingir o governo federal.
“A oposição quer controlar a narrativa sobre isso [os atos criminosos]. Conseguindo controlar cargos-chave dentro da CPMI, a oposição poderá reclamar para si todo o crédito”, diz Fernando Meireles, pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
CPI tem potencial para ferir governo
O ataque aos Três Poderes, executado em grande medida por bolsonaristas, trouxe custo político à oposição. O próprio autor do requerimento, André Fernandes, é investigado em inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por possível envolvimento no ato.
Segundo Beatriz Rey, pesquisadora sênior do Núcleo de Estudos sobre o Congresso da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a oposição busca, com a CPI, transferir parte da responsabilidade ao governo federal.
As comissões de inquérito parlamentar, de acordo com o cientista político Bruno Carazza, são “historicamente usadas com fim político”. Ele destaca prerrogativas do mecanismo, como requisitar informações da Administração Pública, convocar depoimentos — até mesmo de ministros de Estado —, quebrar sigilo bancário e telefônico, entre outras.
“Mesmo que a Comissão não resulte em nada, o processo tem potencial de causar desconforto ao governo, por meio da convocação de autoridades e do barulho na mídia”, aponta.
O cientista político Fernando Meireles, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), acrescenta que a instauração da CPI pode levar Lula a “gastar capital político” e desviar a atenção de sua “agenda prioritária”.
“O governo Lula tem uma agenda prioritária, que inclui a reforma tributária, a nova âncora fiscal. Na medida em que ele tem de lidar com a CPMI, há desgaste, precisa usar recursos de governabilidade, o foco é desviado. Se Lula tiver de gastar capital político para apagar pequenos incêndios, pode custar apoios mais à frente”, diz.
Governo federal tenta esvaziar requerimento
Os especialistas concordam que o governo Lula deve encontrar pouco espaço para utilizar a CPI a seu favor, caso ela seja de fato instaurada. A estratégia que deve ser adotada é a de esvaziamento da proposta.
Durante sua participação no Painel CNN da última segunda-feira (27), o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR), líder do partido na Câmara, disse que a sigla pretende convencer parlamentares a não assinarem o pedido.
O petista entende que a comissão não terá um papel na investigação e responsabilização dos responsáveis pelos atos: “Ela [a CPI] pode servir para que os terroristas que estão presos se passem por vítimas, a partir da manobra de um ou outro parlamentar”.
Apesar de o foco do Executivo ser esvaziar o requerimento, Beatriz Rey, aponta que outra estratégia possível para o governo seria atrasar as indicações para a composição da CPMI e tornar o processo moroso.
Bruno Carazza destaca que, ao tentar esvaziar o processo, Lula encara um cálculo político sensível. “Se o governo se posicionar contra a CPMI e tentar esvaziá-la, transmite uma incongruência para o eleitor: ‘como o governo que está à frente das críticas aos ataques de 8 de janeiro é o mesmo que não quer investigar o que aconteceu?’”, explica.
CPMI pode ser “primeiro passo” da oposição à Lula
O cientista político Fernando Meireles acredita que o arranjo de deputados e senadores em torno do requerimento de Fernandes mostra que “a CPMI pode ser usada como a primeira forma de organizar a oposição a Lula”.
Da repercussão do 8 de janeiro, passando pelos depoimentos do senador Marcos do Val (Podemos-ES), até ocorridos de menor escala, como o aceno da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) ao STF, os movimentos da oposição a Lula denotam grau de desarticulação.
Beatriz Rey destaca que, durante as eleições para a presidência do Senado, a oposição “teve uma organização momentânea”. Ela destaca que a estadia do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nos Estados Unidos, onde está desde dezembro, dificulta ainda mais a articulação.
“[A CPMI] é a única frente de atuação da oposição que vejo até o momento, ao menos no Legislativo. Eles estão tentando organizar o trabalho, a agenda, em torno deste requerimento”, completa a cientista política.
Fotos: Destruição na sede dos Três Poderes em 8 de janeiro
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