CNBB pede para Congresso rejeitar projeto que legaliza jogos de azar
Projeto tramitará sob regime de urgência na Câmara; para representação católica, jogos desse tipo trazem "irreparáveis prejuízos morais, sociais e, particularmente, familiares"
Principal entidade de representação da Igreja Católica no Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) emitiu, na terça-feira (1º), uma nota contra a aprovação do projeto de lei que prevê a legalização dos jogos de azar.
Alegando “razões éticas e evangélicas”, a CNBB afirma que “o jogo de azar traz consigo irreparáveis prejuízos morais, sociais e, particularmente, familiares”, e que a atividade pode transformar-se em uma ação compulsiva considerada “patologia no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde”.
O projeto tramitará sob regime de urgência na Câmara dos Deputados. Defendida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o texto que será discutido no Congresso é uma atualização do projeto original, de 1991, organizada pelo deputado Felipe Carreras (PSB-PE).
“Por motivos patológicos, esta pessoa acaba por desprezar a própria vida, desperdiçar seus bens e de seus familiares, destruindo assim sua família. Enquanto isso, as organizações que têm o jogo como negócio prosperam e seus proprietários se tornam cada vez mais ricos. A autorização do jogo não o tornará bom e honesto. Nosso país não precisa disso!”, diz a nota da CNBB.
Ainda segundo a entidade, as justificativas de possíveis ganhos tributários com a arrecadação de impostos proveniente da regulamentação dos jogos “não consideram a possibilidade de associação dos jogos de azar com a lavagem de dinheiro e o crime organizado”.
“Diversas instituições de Estado têm alertado que os cassinos podem facilmente transformar-se em instrumentos para que recursos provenientes de atividades criminosas assumam o aspecto de lucros e receitas legítimas.”
A CNBB ainda condena a tramitação em urgência da matéria, aprovada em dezembro.
Procurado pela CNN para comentar o posicionamento da CNBB, o deputado Felipe Carreras, autor do texto substitutivo, preferiu não se pronunciar.
Em dezembro, Carreras disse respeitar “quem pensa diferente” e que “no Brasil não é proibido os jogos de apostas. O que há é uma exclusividade dos jogos de apostas através do governo brasileiro, a Caixa Econômica, com Mega Sena, com raspadinha”. Ele havia argumentado ainda que a regulamentação dos jogos de azar poderia gerar R$ 20 bilhões de arrecadação por ano.
Entenda o projeto
O substitutivo do grupo de trabalho prevê a elaboração de regras “sobre a exploração de jogos e apostas em todo o território nacional”, como cassinos integrados em resorts, cassinos urbanos, jogo do bicho, apostas esportivas, bingos, jogos de habilidade e corridas de cavalos.
Como justificativa ao interesse público do projeto, o texto afirma que a lei é construída “de modo a que a exploração de jogos e apostas sirva de instrumento de fomento ao turismo, à geração de emprego e de renda e ao desenvolvimento regional”.
O projeto também cria o Sistema Nacional de Jogos e Apostas, órgão público regulador responsável por aplicar a legislação aprovada às casas de aposta, bem como para “prevenir e combater do uso de jogos e apostas para a práticas de crimes, especialmente a sonegação fiscal, a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo”.
As licenças seriam concedidas por meio de leilões, com valor mínimo entre R$ 10 milhões para entidades turísticas interessadas na atividade e R$ 200 milhões para cassinos físicos ou online.
O projeto afirma que os interessados em obter as licenças devem informar a movimentação de entrada ou saída de acionistas do empreendimento, bem como seus aumentos percentuais.
O texto proíbe alguns grupos de serem donos ou sócios de locais com jogos. São eles: ocupantes de cargos públicos em função de direção ou com competência de regulação ou supervisão de jogos, apostas ou loterias, pessoas jurídicas com capital inteiramente ou parcialmente composto por recursos estatais e administradores ou gerentes de instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central.
Críticas e apoios
Para os parlamentares que defendem a legalização dos jogos, uma lei poderia regularizar o que já existe no Brasil de forma clandestina ou concentrada, como no caso dos sorteios de loteria realizados pela Caixa Econômica Federal. O argumento da arrecadação de impostos também é apresentado com frequência.
No Legislativo, porém, deputados favoráveis à implementação regulada dos jogos encontram resistência principalmente na Bancada Evangélica, uma das bases de apoio ao governo de Jair Bolsonaro (PL).
A discordância pôde ser sentida em 16 de dezembro, quando se votou a tramitação em regime de urgência. Para Arthur Lira, a discussão do projeto considera que haverá “tempo necessário para que seja maturado, discutido, para notarmos a quem interessa regularizar jogos, a quem não interessa regularizar jogos; quais são os seus efeitos, quais são as suas causas; o que é bom e o que é ruim”.
Também há resistência ao tema dentro do governo federal. A ministra Damares Alves, da pasta das Mulheres, Família e Direitos Humanos, disse à CNN em setembro de 2021 que, se convocada para opinar sobre o projeto, o ministério se posicionaria contrário a ele.
“Nós temos movimentos para liberar o jogo de azar. O brasileiro já tem azar demais na vida e agora querem permitir que ele pague para ter azar”, criticou a ministra. “Todos sabem minha posição contra a legalização dos jogos de azar”, acrescentou na época da criação do grupo de trabalho.
Os jogos de azar já foram autorizados no Brasil entre as décadas de 30 e 40, com incentivo de normas por parte do Estado durante o governo Vargas. No entanto, em 30 de abril de 1946, três meses depois de assumir a Presidência, o general Eurico Gaspar Dutra ordenou o fim dos jogos de azar por meio de um decreto-lei.
Uma das versões que circulavam na época dava conta que o fechamento ocorreu a pedido da primeira-dama, Carmela Dutra, que era católica fervorosa.
Dutra argumentou que a “tradição moral, jurídica e religiosa” do brasileiro é incompatível com os jogos, que eles são “nocivos à moral e aos bons costumes”, que os “povos cultos” não os toleram e que reprimi-los é um “imperativo da consciência universal”.
*Com informações de Douglas Porto e Gustavo Uribe, da CNN, e da Agência Senado