Caso Musk: ministros do STF criticam discurso de ódio nas redes; Gilmar pede regulamentação
Manifestações no X (antigo Twitter) “comprovam necessidade” de regulação mais precisa do ambiente virtual, disse Gilmar Mendes na abertura da sessão da Corte nessa quarta-feira (10)
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestaram após as postagens feitas pelo empresário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter) com críticas ao ministro Alexandre de Moraes.
Nesta quarta-feira (10), o integrante mais antigo da Corte, Gilmar Mendes, fez um pronunciamento no plenário com críticas ao uso da liberdade de expressão para publicação de notícias falsas, discurso de ódio e narrativas destinadas a “minar a própria estabilidade institucional da Nação brasileira”.
Para o ministro, as manifestações feitas no X comprovam a necessidade de que o Brasil regulamente “de modo mais preciso” o ambiente virtual.
Segundo o magistrado, a norma atual em vigor, o Marco Civil da Internet, “tem-se revelado muitas vezes inábil a impedir abusos de toda a sorte”.
Elon Musk fez nos últimos dias uma série de publicações em seu perfil no X acusando Moraes de “promover censura no Brasil” e afirmando que o magistrado deveria renunciar ou sofrer impeachment.
Musk também anunciou que liberaria contas na rede social que haviam sido bloqueadas por decisões judiciais. O empresário afirma que as “multas pesadas” aplicadas pelo ministro estão fazendo a rede social perder receitas no Brasil.
Pelas falas, o bilionário passou a ser investigado no STF, por ordem de Moraes.
Para Gilmar, por trás da “retórica nefasta” de que haveria uma liberdade ilimitada no ambiente virtual, “o que existe é mero interesse escuso, voltado à obtenção de rendoso lucro às custas da divulgação de inverdades com propósitos políticos cada vez mais claros, segundo se percebe das investigações realizadas”.
“Por isso, é preciso rechaçar com absoluta veemência declarações tendentes a indicar e insuflar o não cumprimento de determinações judiciais. No Brasil, como em toda e qualquer democracia moderna, deliberações jurisdicionais podem ser analisadas e criticadas, mas jamais podem ser descumpridas dolosamente”, declarou.
Gilmar citou trechos de nota do presidente do STF, Roberto Barroso, divulgada na segunda (8) depois das declarações de Musk. Disse, por exemplo, que o Supremo “não se furtará a garantir que a ordem jurídica brasileira seja aplicada sem relativizações”.
“Ora, o Estado de Direito exige que todos — não importa se ricos ou pobres, poderosos ou humildes — estejam submetidos aos rigores legais, e sejam alcançados pelos ditames constitucionais que consagram, ao lado da liberdade de expressão, ‘a inviolabilidade a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’, tal como assentado pelo art. 5º, X, da Carta da República”.
Elogios a Moraes
O decanto do STF se solidarizou com Moraes, a quem se referiu como “há muito tempo” vítima de “injustas agressões físicas e virtuais”, e exaltou sua atuação na Corte.
“Vossa Excelência, ministro Alexandre, enche de orgulho a nação brasileira, demonstrando, ao mesmo tempo, prudência e assertividade na condução dos múltiplos procedimentos adotados para a defesa da democracia em nossa pátria”, afirmou Gilmar.
“Aos propagadores do caos, alerto que as hostilidades endereçadas a quaisquer dos Ministros desta Carta ofende a cada um de nós, magistrados, e insulta ainda esta Corte multicentenária, que nunca deixou de exercer seu papel nos momentos mais dramáticos da história nacional”.
Depois da fala de Gilmar, Moraes pediu a palavra e fez breves considerações. Disse ter “absoluta convicção” de que o STF, a população brasileira e as pessoas de bem “sabem que liberdade de expressão não é liberdade de agressão, sabem que liberdade de expressão não é liberdade para a proliferação do ódio, do racismo, misoginia, homofobia. Sabem que liberdade de expressão não é liberdade de defesa da tirania”.
“Talvez alguns alienígenas não saibam, mas, passaram a aprender e tiveram conhecimento da coragem e seriedade do Poder Judiciário brasileiro”, afirmou Moraes.
Luís Roberto Barroso
Primeiro integrante da Suprema Corte a se manifestar sobre o assunto, o presidente Luís Roberto Barroso disse que “toda e qualquer empresa que opere no Brasil está sujeita à Constituição Federal”.
“O Supremo Tribunal Federal atuou e continuará a atuar na proteção das instituições, sendo certo que toda e qualquer empresa que opere no Brasil está sujeita à Constituição Federal, às leis e às decisões das autoridades brasileiras”, afirmou Barroso, em nota.
Barroso não citou o caso de forma específica, mas disse que decisões judiciais podem ser contestadas, mas não desrespeitadas.
“Decisões judiciais podem ser objeto de recursos, mas jamais de descumprimento deliberado. Essa é uma regra mundial do Estado de Direito e que faremos prevalecer no Brasil”, declarou.
O termo usado por Barroso na manifestação, “instrumentalização criminosa das redes sociais”, é utilizado de forma recorrente por Moraes em suas decisões ou falas públicas. Nas sete páginas da decisão em que ele manda investigar Musk, Moraes usou o termo seis vezes.
Cármen Lúcia
Na terça-feira (9), a ministra Cármen Lúcia também se manifestou sobre o episódio envolvendo Musk e o X.
Ao abrir a sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse que uma decisão pode ser criticada e questionada, mas não descumprida.
“Independente de origem, raça, gênero, credo, condição econômica, todas as pessoas físicas ou jurídicas submetem-se ao direito do país e cumprem as decisões judiciais”, afirmou a ministra.
“Ao juiz é conferida a tarefa de julgar e fazer com que se cumpram seus julgados. Aos servidores públicos, incluídos os juízes, e a todas as pessoas, no Estado Democrático de Direito, é conferido o dever de cumprir a Constituição e as leis da República e observar as decisões judiciais”, continuou.
Cármen também elogiou Moraes, a quem chamou de “grande brasileiro e magistrado”.
Edson Fachin e Flávio Dino
O vice-presidente do STF, Edson Fachin, disse à CNN na terça-feira (9) que descumprir decisão judicial é “um passo para o caos”. Por isso, não descarta punições ao bilionário Elon Musk.
“Descumprir decisões judiciais simplesmente, sem apresentar contestação ou recurso pelas vias próprias, previstas em lei, é um passo para o caos, para a subversão da ordem democrática, uma afronta ao Estado de Direito”, disse o magistrado.
Perguntado se o STF irá suspender o perfil de Musk nos acessos do Twitter pelo Brasil, Fachin ponderou: “é preciso ter cautela para que o remédio não seja usado em dose excessiva”.
Em seu perfil no X, Flávio Dino elogiou o posicionamento de Barroso sobre o assunto, e afirmou que “insistir em infundados ataques pessoais contra o Ministro Alexandre de Moraes, além de ser procedimento indigno, é inócuo”.